segunda-feira, 16 de junho de 2014

A onda de mau humor


Zuenir Ventura *

Reclamam sem saber bem de quê, em geral, de ‘tudo isso que está aí’, com prazer masoquista. Hoje o pretexto é a Copa, seria outro se não houvesse esse.



Algumas pessoas já perceberam que uma onda de mau humor nos atingiu. O sociólogo italiano Domenico De Masi, admirador e estudioso do Brasil, aonde vem com frequência, declarou em entrevista que o país está “deprimido”, e sem motivo para isso, pois acha que poucas nações avançaram tanto nesses últimos 30 anos. Ele acredita que podemos contribuir para a construção de um modelo de vida universal, “baseado na miscigenação, na sabedoria, na beleza e na harmonia”. E, eu acrescentaria, na vocação para a alegria. O humorista Tutty Vasques, que faz crítica com graça, a exemplo do Chico Caruso, também acha que o clima está pesado, tanto que tem medo de rir em público e ser advertido por alguém: “Está rindo de quê?” A campeã olímpica de judô, a francesa Lucie Décosse, passando por aqui, observou: “As pessoas estão muito irritadas; todo dia tem uma greve!” Uma amiga chegou a classificar de “núcleos de entusiasmo” os grupos que ainda teimam em contrariar a moda da cara emburrada. Até Alice anda irascível porque continua sem resposta para a pergunta “quem manda no mundo?” Ela deve estar querendo fazer também alguma reclamação. Outro dia contei aqui histórias de um motorista de táxi bem-humorado e otimista. Pois bem, um leitor achou que se tratava de um “personagem inventado” e um repórter da TV Bandeirantes entrevistou-o por ser uma raridade.



Muitos nos acusam, a nós, jornalistas, de contribuir para o pessimismo atual, com a suposta crença de que nós achamos que notícia boa é notícia ruim. Pode ser, mas, se isso é verdade, encontra eco entre os leitores que gostam de não gostar. De Masi, numa reunião informal, quis a opinião dos presentes. Alguém aconselhou-o a perguntar também a um psicanalista, porque, ao lado das justas motivações, há aquelas internas, autoinsatisfações, que nem sempre têm a ver com o que acontece do lado de fora. Há queixosos que reclamam sem saber bem de quê — em geral, de “tudo isso que está aí” —, com evidente prazer masoquista. Hoje o pretexto é a Copa, mas seria outro se não houvesse esse.



Os indignados que acreditam na eficácia do ranger de dentes e da crispação ou nos muxoxos e na rabugice esquecem que ridicularizar pelo riso funciona mais do que xingamento. E, além do mais, estudos médicos revelam que mau humor faz mal à saúde, porque libera a adrenalina, que eleva a tensão arterial e aumenta o nível de açúcar no sangue. Já o indivíduo bem-humorado produz endorfina, o hormônio que relaxa e estimula o bem-estar.



Se não bastassem todas essas desvantagens, o mau humor apresenta o risco de ser viral, de contagiar. A gente acaba falando contra ele com mau humor, como desconfio que fiz nesta coluna — e não só nesta.



* Jornalista

Publicado em O Globo
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