terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Graciliano Ramos e o Barão de Itararé


A Teoria das duas Hipóteses do Barão ou o otimismo Panglossiano (*) (...) 
Caricaturas: Willian Medeiros e Guevara

– Fala o Barão, exigiram de vários cubículos.

Sem demora, uma voz pastosa, hesitante, anunciou a teoria das duas hipóteses. Risos contagiosos interromperam com frequência a exposição. Consegui entendê-la por alto.


Otimista panglossiano. Apporelly sustentava que tudo ia muito bem. Fundava-se a demonstração no exame de um fato de que surgiam duas alternativas; excluía-se uma, desdobrava-se a segunda em outras duas; uma se eliminava, a outra se bipartia, e assim por diante, numa cadeia comprida.

Ali onde vivíamos, Apporelly afirmava, utilizando o seu método, que não havia motivo para receio.

“Que nos poderia acontecer? Seríamos postos em liberdade ou continuaríamos presos. Se nos soltassem, bem: era o que desejávamos. Se ficássemos na prisão, deixar-nos-iam sem processo ou com processo. Se não nos processassem, bem: à falta de provas, cedo ou tarde nos mandariam embora. Se, nos processassem, seríamos julgados, absolvidos ou condenados. Se nos absolvessem, bem: nada melhor, esperávamos. Se nos condenassem, dar-nos-iam pena leve ou pena grande. Se se contentassem com a pena leve, muito bem: descansaríamos algum tempo sustentados pelo governo, depois iríamos para a rua. Se nos arrumassem pena dura, seríamos anistiados, ou não seríamos. Se fôssemos anistiados, excelente: era como se não houvesse condenação. Se não nos anistiassem, cumpriríamos a sentença ou morreríamos. Se cumpríssemos a sentença, magnífico: voltaríamos para casa. Se morrêssemos, iríamos para o céu ou para o inferno. Se fôssemos para o céu, ótimo: era a suprema aspiração de cada um. E se fôssemos para o inferno? A cadeia findava aí. Realmente. Realmente ignorávamos o que nos sucederia se fôssemos para o inferno. Mas ainda assim não convinha alarmar-nos, pois essa desgraça poderia chegar a qualquer pessoa, na Casa de Detenção ou fora dela”.

Graciliano Ramos, Memórias do Cárcere, Vol I, 2ª. Parte, Capítulo 5, Págs. 236/237, Ed. Record, 23ª. Edição/1987

(*) Relativo ao Doutor Pangloss, personagem de Cândido, romance satírico de Voltaire, ou próprio dele.

Publicado no blog do Nassif: http://www.jornalggn.com.br/blog/jota-a-botelho/graciliano-ramos-e-o-barao-de-itarare

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2 comentários:

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