segunda-feira, 11 de julho de 2016

Vivendo na era da transparência radical

Maurício Antônio Lopes *
A transformação digital emerge como uma força poderosa e provedora de plataformas inovadoras, como as redes sociais, que cada vez mais amealham popularidade em todas as camadas da população. A revolução da informação cria expectativas e demandas e impulsiona melhorias na sociedade. Ao mesmo tempo, acirra a crítica às estruturas de controle social estabelecidas. As redes sociais estão permitindo que muitos participem e influenciem diretamente o debate público sobre temas de interesse da sociedade, na velocidade da web. Governos e organizações civis operando por métodos tradicionais são pressionados a sofisticar suas relações com a sociedade para se ajustarem a esta época de transparência radical.

Em outra frente, crescem as apreensões da sociedade contemporânea com as mudanças climáticas, com a persistência da pobreza e da fome, com a ampliação do terrorismo e das guerras, dentre outros perigos e desafios. As incertezas do nosso tempo nos movem a lançar um olhar tendenciosamente crítico para o futuro. Por isso as catástrofes e o negativismo acabam por exercer enorme atração e impacto sobre as pessoas. É comum verificar que aqueles que buscam emergir do pessimismo, ao destacar os inúmeros exemplos de progressos e avanços que alcançamos em todos os campos da atividade humana, correm o risco de serem ridicularizados e caracterizados como ingênuos e simplistas.

Em seu artigo recente “Escapando do Culto ao Pessimismo”, o futurista americano Frank Spencer afirma serem muitos os que acreditam que a ênfase no negativo os coloca em uma posição de superioridade intelectual. Ele sugere que se dê uma olhada nas numerosas reportagens e análises hoje disseminadas pelas mais variadas mídias para se verificar como o culto ao pessimismo é implacável no “bater os tambores do apocalipse”. Segundo ele nós “estamos nos afogando em um mar de cenários pessimistas”, tais como catástrofes climáticas, extinção em massa, robôs assassinos, terrorismo digital, e muito mais.

O fato é que, na confluência da transparência radical com o culto ao pessimismo, surge toda sorte de notícias e informações distorcidas, talhadas para agitar emoções de indignação e medo. Winston Churchill disse, há mais de meio século, que “uma mentira dá uma volta inteira ao mundo antes mesmo que a verdade tenha a oportunidade de se vestir”. Nada mais atual em tempos de internet e de informação em tempo real. O escritor Umberto Eco, falecido recentemente, afirmou que, antes das redes sociais, os ‘’idiotas da aldeia’’ tinham direito à palavra “em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade”. O drama da internet é que ela pode transformar qualquer tolo da aldeia em portador de uma suposta verdade planetária.

É no embate com a ciência que o pessimismo colhe seus melhores resultados nesta era de transparência radical. Proliferam pelo mundo os opositores da ciência desprovidos do rigor do conhecimento, mas muito bem treinados no uso das mídias de tempo real, da desinformação e até da demonização da ciência para deturpar discussões sobre riscos, impactos e benefícios do desenvolvimento científico e tecnológico. O embate entre essas duas frentes acaba frequentemente em desfavor da ciência. O discurso agressivo e catastrófico, aludindo a perigos e riscos, mesmo que infundados e sem base científica, quase sempre sensibiliza mais o grande público que argumentos fundados em dados experimentais e conhecimentos sólidos, usualmente complexos, e nem sempre facilmente assimilados pela maioria.

Outro fenômeno preocupante dos nossos dias busca disseminar desinformação e negativismo e, pior, intimidar instituições científicas. A mídia tem mostrado que ONGs e militantes radicais, ultrapassando o limite da legalidade, têm se dedicado à destruição criminosa de campos experimentais e laboratórios de teste de organizações de pesquisa, notadamente os vinculados ao desenvolvimento de organismos geneticamente modificados (OGM) ou transgênicos.

Aqui vale a máxima segundo a qual “a verdade tarda, mas não falta”. A Academia Nacional de Ciências dos EUA, numa revisão abrangente de estudos realizados nos últimos 30 anos, mostra que plantas transgênicas são indistinguíveis das convencionais e que não há nenhuma prova de que tenham impacto negativo sobre a saúde das pessoas ou sobre o meio ambiente. Mais de uma centena de laureados com o Prêmio Nobel assinaram uma carta validando essas conclusões e denunciando ONGs antitransgênicos por confundir a compreensão sobre os riscos, benefícios e impactos dos OGMs e por apoiar a destruição criminosa de cultivos experimentais.

Este caso exemplifica bem a importância de se construir processos e mecanismos que possam deter oposição, pessimismo e negativismo baseados apenas em emoções, subjetividade e dogmas. A ciência poderá contribuir, buscando formas criativas de melhor explicar o que faz para a sociedade. Nessa era de transparência radical, comunicação aprimorada será essencial para ampliar o reconhecimento do trabalho e das contribuições das instituições científicas para a construção de trajetórias virtuosas da sociedade em direção ao futuro.

* o autor é engenheiro agrônomo e presidente da Embrapa

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