Richard Jakubaszko
Foi assim: nos idos de 1976 eu trabalhava na assessoria de imprensa e relações públicas da Valmet Tratores, hoje Valtra, do Grupo AGCO. Preparamos durante meses o lançamento do trator florestal, intimamente conhecido como florestão.
Tivemos muitas idéias para promover o lançamento, e de especial mesmo criamos um evento a se realizar na fábrica, com presença de altas autoridades, afinal o inédito equipamento merecia, tinha na genética a tecnologia Valmet Oy, finlandesa líder mundial no segmento.
Preparamos a lista dos convidados com ministros, jornalistas, congressistas, fornecedores, clientes, revendas, o clero. Estávamos em outubro, e a data marcada, por coincidência, coincidiu com o Salão do Automóvel daquele ano, que seria inaugurado pelo presidente Ernesto Geisel.
Tentamos incluir o presidente, já que estaria em São Paulo, e despachamos convite via telex, porque não existia internet nem fax naquela época. Se ele viesse, a festa estaria garantidíssima. Como o alemão era gente positiva, e não fazia nhém-nhém-nhém, no dia seguinte veio o aviso de que não seria possível, por compromissos de agenda.
O ministro da agricultura de Geisel, o competente engenheiro agrônomo Alysson Paolinelli confirmou de bate pronto o convite por telex ao presidente da Valmet, na ocasião o Professor Hugo de Almeida Leme, ex-ministro da agricultura de Castelo Branco.
Por telefone combinamos com a assessoria detalhes da visita, horários, translado do ministro por helicóptero, do aeroporto de Congonhas até a fábrica em Mogi das Cruzes, e depois escala ao Parque Anhembi quando Paolinelli se juntaria à comitiva presidencial.
Os problemas começaram no dia do evento, quando veio um telefonema do Palácio dos Bandeirantes, que emprestara o helicóptero. Queriam as coordenadas de voo. Passamos longitude, latitude etc. Mas tinha de ter uma biruta. Você não sabe o que é isso? Pois biruta é aquele saco de ar, super comprido, que parece um enorme saco de coar café, que fica pendurado em mastro bem alto, para dar a direção do vento aos pilotos das aeronaves.
Como não tínhamos a biruta, e o voo se daria dali a poucos minutos, pois o piloto estava saindo para ir a Congonhas, ele deu instruções técnicas detalhadas: "fixem no chão um mastro com barra de ferro, na altura de pelo menos 6 metros de altura, e lá em cima colem com fita adesiva uns 2 a 3 metros de papel higiênico, pra ficar balançando".
Fizemos conforme solicitado, e resolveu. A inusitada cena do higiênico papel tremulando ao vento mogiano causou muito ti-ti-ti, durante e depois do evento...
Outro pedido incomum: "façam um círculo no chão, com tinta branca, de 5 metros de raio, com risco de 30 cm de largura, e uma cruz vermelha bem no meio do círculo". Perguntei brincando se podia ser um "x". Podia, para o piloto lá em cima era tudo igual, fosse cruz ou "x".
O helicóptero aterrissou perfeito no círculo de tinta fresca cerca de 1 hora depois, com direito a parabéns do piloto e comandante, pela rapidez e eficiência.
E a visita de Paolinelli, comitiva, e mais de 150 convidados, transcorreu conforme planejado. Mas a Lei de Murphy existe mesmo. Tínhamos vencido o primeiro round, mas faltava o resto. E Murphy por perto... (a Lei de Murphy é assim: se algo pode dar errado, então vai dar errado!).
Depois de percorrer a linha de montagem os visitantes foram concentrados no pátio da fábrica, que era ladeado por um gramado plantado em um enorme barranco, tinha uns 5 a 6 metros de altura, com declividade de uns 25 a 27 graus, era íngreme mesmo. Ali no pátio se daria o grande momento do evento, o clímax.
Para demonstrar a capacidade do trator florestal da Valmet de trabalhar em áreas acidentadas, o que é típico das áreas florestais, mesmo carregado de toras de madeira na carroceria, planejamos o florestão descer pelo fofo gramado do tal do barrancão. Quando estávamos no meio do pátio, o tratorista lá em cima do barranco foi avisado, ligou o motor, que mais parecia motor de avião a jato, pelo que me lembro eram 450 cv no motor, e ainda tinha o peso do "donzelo", mais de 15 toneladas, sem contar as 30 toneladas de toras de madeira na caçamba.
Quando aquele monstrengo de quase 4 metros de altura (o florestão, gente!) apontou lá em cima, e se tornou visível a todos nós que estávamos bem embaixo, e o "bichão" começou a descer, um barulhão ensurdecedor, primeiro todo mundo congelou. Aí, o trator deslizou de lado uns 2 metros na grama fofa, com toda a sutileza e suavidade de seu peso e tamanho.
O motorista deu uma acelerada na rotação do motor, para provar que estava no controle e dono da situação, e reiniciou sua firme descida com plena segurança, mas lá embaixo a assistência havia descongelado: todo mundo disparou a correr, uma corrida civilizada é claro, eu primeiro, o ministro junto, e todos os convidados também, sai da frente, sô! O Professor Hugo Leme ficou para trás, já estava com certa idade, mas moveu-se com agilidade, repentinamente entusiasmado e adepto de esportes velocistas. Como foi tudo surpresa, não houve tempo para ensaio, os fotógrafos contratados pela Valmet, e também fotógrafos da imprensa tinham corrido, ou melhor, descongelado também.
O florestão desceu são e salvo, ninguém se feriu, foi só um susto, nada demais. Lamentavelmente não houve uma única foto para registrar a brilhante demonstração. Foi assim que vi um ministro da agricultura correr de um trator. Na verdade nem isso eu vi, quando o florestão derrapou na grama bem em cima da minha cabeça, corri na frente de todos, caso contrário, me ocorreu hoje, eu talvez não pudesse contar essa história, 30 anos depois.
Entretanto, tenho de admitir com honestidade que eu saí na frente, talvez tenha provocado o "estouro da boiada", mas o ministro chegou primeiro ao lugar que conseguimos avaliar como "área de segurança", alguns metros à frente, até porque ninguém se atreveu a olhar para trás e esperar para saber se estava a salvo mesmo. Simplesmente corremos o necessário, mas naquele momento, que o susto foi grande, isso foi.
Até hoje eu me lembro. O Murphy tinha deixado a sua marca. Lembrei dessa história a propósito da merecida homenagem feita ao Allyson Paolinelli e ao Edson Lobato, da Embrapa, que ganharam o World Food Prize, que pela primeira vez saiu para o Brasil, vide www.worldfoodprize.org uma espécie de "prêmio Nobel da Agricultura", como definiu o agrônomo Fernando Penteado Cardoso, presidente da Fundação Agrisus. O World Food Prize foi inspirado por Norman Borlaug (Prêmio Nobel da Paz) e instituído pelas Indústrias Kemin, dos USA, e premiou o extraordinário trabalho de conquista do cerrado brasileiro, em parte feito por esses dois gigantes do agronegócio. Antes tarde do que nunca.
Parabéns, amigos!
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Prezado Richard.
ResponderExcluirEu imagino a cena. Segurei a barriga de tanto rir pensando na situação.
O seu texto é ótimo.
Grande Abraço.
Eleri Hamer