Roberto Barrreto, de Catende
Na seção São Paulo Reclama, página C2, na edição de 16 de agosto passado do jornal O Estado de São Paulo, em destaque, sob o título Propina no trânsito, há uma carta assinada pela senhora Martha M. que é um dos melhores retratos dos costumes que estamos cultivando onde se plantando tudo dá. Em resumo, explica dona Martha que no dia 30 de julho, às 19h30min, transitava o filho dela num automóvel, na Avenida Dr. Arnaldo, no Sumaré, quando foi parado por dois policiais porque estavam ilegíveis os números da placa traseira. Surpreso com o fato, pois nunca dera atenção à negligência, o motorista sugeriu como solução ir até sua residência, a dois quarteirões dali, para trocar de veículo. Os policiais, segundo ela, não só não aceitaram como fizeram uma conta rápida e informaram ao rapaz o valor da multa: 700 reais. O filho de dona Martha deve ter feito lá suas contas também e pensado rapidamente numa solução amigável. Agora, atenção, vai aí entre aspas ou ipsis litteris, como se dizia antigamente, as palavras da mamãe.
“Diante do silêncio dos policiais, sugeriu R$ 50. Silêncio novamente. Aumentou para R$ 70 e ouviu do policial que precisava consultar seu companheiro, que aceitou a proposta. Como ele não tinha essa quantia na carteira, os policiais o escoltaram até um caixa eletrônico, esperaram que o dinheiro fosse sacado, receberam-no e o deixaram ir embora com o carro irregular. Amedrontado, meu filho se sentiu obrigado a ceder a essa chantagem”.
Considerações a partir do fim do parágrafo anterior. A palavra chantagem, segundo o dicionário Houaiss, refere-se a ação de extorquir dinheiro ou favores, sob a ameaça de revelações escandalosas, verdadeiras ou não. O Aurélio, por sua vez, dá praticamente o mesmo significado ao termo, portanto, rigorosamente melhor seria o uso da velha e conhecida extorsão, a não ser que, no olhar do policial, fosse detectada a intenção de colocar um anúncio em jornais e revistas, quiçá na Internet, revelando o inaceitável desleixo, ilustrado pela foto do automóvel. Algo mais ou menos assim: Nunca faça como o filho de dona Martha! Placa ilegível, veículo apreendido! Aí, sim, chantagem, no duro, ou guincho. Feito o reparo, acrescente-se que o porta-voz da Polícia Militar, em resposta, informou que se instaurou uma investigação para apurar os fatos e que não se compactua com esse tipo de ação. Ótimo.
O fim a partir das considerações iniciais. Nem conheço dona Martha, porém, tenho certeza de que expôs sua indignação com a melhor das boas vontades, tanto que colocou a iniciativa sobre os ombros do próprio filho. Acontece muito, dona Martha, dado que estamos acostumados a pensar que a corrupção tem apenas um lado, enquanto mais do que sabido é que o processo exige dois. Há, inclusive, uma frase que entre nós ganhou fama na boca de um político paulista: é dando que se recebe. Outra coisa que dona Martha parece desconhecer é que, diante de um policial digno – existe -, não somente o carro seria guinchado para algum pátio público como seu filho seria enquadrado por tentativa de suborno. Muita gente deve achar que o filho de dona Martha seria um corruptor, mas é engano, essa figura não existe no Brasil.
Barreto,
ResponderExcluira carta em si não deixa de comprovar uma certa evolução nos costumes do nosso povo tupiniquim: sim, somos corruptos, mas os guardas são mais corruptos do que nós, pois aceitaram a proposta de uma propina "cala-boca".
Depois os portugueses contam piadas sobre nós brasileiros e ainda achamos injusto.
Será que algum procurador de justiça leu a carta da Dona Marta? Ou, de repente, veremos surgir alguma ONG sair em defesa dos pobres motoristas sequestrados?