Evaristo Eduardo de Miranda *
Em março do ano 313, o imperador Constantino promulgou o
Édito de Milão. Ele proclamou não somente o fim das perseguições aos cristãos,
que já vinha ocorrendo em diversas regiões do império romano, mas deu aos fiéis
dessa nova religião o direito de culto e de não honrar o imperador como uma
divindade.
O Édito de Milão não transformou o cristianismo em religião
oficial do império romano. Isso só aconteceu, sob o imperador Teodósio I, no
final do século. Constantino proclamou pela primeira vez a liberdade religiosa
como um direito da pessoa e não mais como uma liberdade coletiva de natureza
étnica. Até então, nas culturas antigas, incluindo o judaísmo, cada povo devia
poder prestar culto ao(s) deus (es) de seus ancestrais, segundos seus ritos
ancestrais.
Em sua formulação, o Édito deu a todos, cristãos e outros,
“a liberdade e a possibilidade de seguir a religião de sua escolha”, “aberta e
livremente”. Essa definição de liberdade religiosa pessoal no Édito de Milão
ainda ressoa neste início do século XXI. Hoje, esse direito do indivíduo está
sendo negado em nome de pretensas normas sociais e até nacionais, de uma
laicidade entendida como um ateísmo militante e, principalmente, cristofóbico e
anticatólico.
Ao ser promulgado, o Édito de Milão reconheceu a comunidade
cristã como parte integrante do império romano. Os bens da Igreja, que haviam
sido confiscados e até revendidos, foram devolvidos. Todos os interditos legais
que pesavam sobre o nome “cristão” foram revogados. Essa política de tolerância
religiosa não era restrita aos cristãos, mesmo se foi graças à reflexão cristã
que ela se construiu, desde a apologética de Tertuliano: a religião é o único
domínio onde a liberdade estabeleceu seu domicílio. O Édito se aplicou a todos
os cultos, greco-romanos, judeus, orientais e mesmo ao culto imperial.
Constantino foi mais tolerante com os outros cultos do que os próprios cristãos
de seu tempo.
Não se institucionalizou uma sociedade plurirreligiosa, mas
uma coexistência pacífica em que o império buscou sua unidade e se engajou
progressivamente na via da cristianização. Não pela força. Não imediata. Mas,
pela persuasão e por uma expansão na conquista de almas. Nisso, a
cristianização visou à unidade do império e à universalização de seus valores.
No que pese as contradições dos relatos históricos
envolvendo a conversão de Constantino ao cristianismo, antes ou depois da
decisiva batalha da ponte de Milvius no ano 312, seu Édito marcou o início de
uma série de eventos históricos: em 315, a inauguração do arco de Constantino em
Roma; em 324, a construção de Constantinopla; em 325, o concílio de Nicéia; em
327, a presença de sua mãe Helena na Terra Santa etc. O batismo de Constantino
só ocorreu mesmo em 337, ano em que também veio falecer.
Constantino arriscou-se politicamente ao eliminar a
obrigatoriedade de culto ao imperador. Foi uma perda autoconsentida de poder. E
acertou ao fundar Constantinopla, onde seu império resistiu aos bárbaros, sem
sucumbir, até o tempo da expansão árabe. Acabou declarado santo, e é festejado
em 21 de maio. Deveria ser em março na data do Édito!
* O autor é doutor em ecologia, diretor do Instituto Ciência
e Fé, e pesquisador da Embrapa.
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Como é bom a gente ter uma chance de se educar! O incansável Evaristo nos dá essa graça. Muito obrigado ilustrado colega.
ResponderExcluirEm tempos de Francisco artigo muito esclarecedor e oportuno. Parabéns!
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