Carlos Heitor Cony *
Discute-se o futuro da mídia
impressa, ou melhor, a falta de futuro dos jornais e revistas que ainda gravitam
na "era gutemberguiana", considerada hoje como a pré-história da
comunicação.
Pessoalmente, acho que sempre
haverá espaço para o jornal, a revista e o livro, desde que a dita comunicação
seja setorizada em forma e conteúdo. Há excesso quase imbecil de comunicação: a
oferta é maior do que a procura, o supérfluo esmaga o necessário. E a mídia
eletrônica, apesar do pouco tempo no mercado, já apresenta esse excesso, que só
serve para poluir a programação das emissoras.
Gosto de citar o exemplo de Jacinto
de Thormes em "A Cidade e as Serras", do Eça de Queiroz. Mostrando as maravilhas
tecnológicas do seu palacete de Paris ao amigo que chegara das serras
portuguesas, Jacinto exalta seu gabinete de trabalho, a luz elétrica e outros
penduricalhos de última geração que faziam do 202 da Champs-Élysées um museu do
futuro.
Nisso, o telégrafo derrama comprida
tira de papel com caracteres impressos, "que eu, homem das serras, apanhei,
maravilhado. A linha, traçada em azul, anunciava ao meu amigo Jacinto que a
fragata russa Azoff entrara em Marselha com avaria! Desejei saber, inquieto, se
o prejudicava diretamente aquela avaria da Azoff. 'Da Azoff?... A avaria? A
mim?... Não! É [apenas] uma notícia!'".
Do telégrafo, que foi novidade
"high tech" no século 19, para as infovias e outras vias por onde trafegam
fragatas com ou sem avarias, a diferença é de grau, não de gênero. Daí que os
novos veículos de comunicação, nascidos no inesgotável útero da informática,
terão sempre gordura para absorver esse excesso de informação, no pressuposto de
que, se Jacinto de Thormes nada tinha com a fragata russa que chegava a
Marselha, haveria sempre alguém que ficaria preocupado com a revelada
avaria.
Se a mídia impressa tentar competir
com a velocidade e a amplidão do universo da era digital, estará ampliando a
imagem de veículo ultrapassado. O exemplo que podemos sacar de um meio que deu a
volta por cima de um desafio, mais ou menos igual, é o do
rádio.
Com o advento da TV, os
estrategistas do rádio perceberam que não poderiam competir com a imagem e
procuraram encontrar aquilo que se costuma nomear de "nicho". Música e
informação, debates, redes comunitárias ou religiosas --abriu-se um leque
diversificado de opções em que o rádio não apenas podia competir com a TV como,
em alguns casos, superá-la. É o caso óbvio da notícia em si, da primeira mão, do
furo imediato.
Quando, como e, sobretudo, se a
mídia impressa vai encontrar esse nicho, é uma questão aberta. Mas encontrará,
não pela genialidade de seus profissionais, mas pela própria mecânica do
veículo.
Noticiar, em manchete da primeira
página, que o Palmeiras ganhou por 3 a 2 o jogo da véspera será sempre uma prova
pleonástica desse excesso de informação. O leitor de jornal, revista e livro
será diferenciado mercadologicamente do consumidor da mídia eletrônica. Exigirá
mais, refletirá melhor, tentará absorver e metabolizar a
informação.
Não tenho acesso confiável às
pesquisas de jornais e revistas, mas entra pelos olhos que, a cada evento
importante, apesar da cobertura massiva e até excessiva do rádio e da TV,
jornais e revistas vendem mais no dia seguinte.
Pode-se até extrair um paradoxo da
competição entre as mídias: diante de um fato realmente notável, bom ou mau, não
importa, a mídia instantânea operada pelo rádio e pela TV funciona como
eficiente comercial para aumentar o interesse (e a venda) de jornais e
revistas.
É por aí que a mídia impressa,
apesar de sua lentidão estrutural e de sua labiríntica rede de distribuição,
resistirá para sempre, desde que seja encontrado o editorial que terá de
priorizar a reflexão e não a emoção, a qualidade e não a
quantidade.
Quanto ao livro, nada a temer dos
sucedâneos nascidos da informática. Livros de serviço (dicionários, atlas,
tabelas matemáticas, acervos científicos ou de arte etc.) poderão ser
substituídos com vantagem pelos programas de aplicativos que a cada ano se
tornam mais sofisticados.
Mas um ensaio, um poema ou um
romance continuarão a ter no livro o seu espaço móvel e preciso, único e
inalterável. Desde que, como o jornal em face da TV, não queira competir para
anunciar que a fragata Azoff está entrando com avarias no porto de
Marselha.
* Publicado no jornal Folha de São Paulo, em 1º/3/2013.
Carlos Heitor Cony é membro da Academia Brasileira de Letras desde 2000. Sua carreira no jornalismo começou em 1952 no "Jornal do Brasil". É autor de 15 romances e diversas adaptações de clássicos.
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Diz o autor:
ResponderExcluir"a cada evento importante, apesar da cobertura massiva e até excessiva do rádio e da TV, jornais e revistas vendem mais no dia seguinte."
É como as canções: se famosas são repetidas ou, se repetidas ficam famosas.