por Kátia Abreu
A criação da carne artificial reduziria em 60% o estrago ambiental com os gases; provas disso? Nem pensar!
Vivemos uma época singular, que poderíamos denominar de o velório das essências: cigarros sem nicotina, cerveja sem álcool, leite sem lactose, café sem cafeína, sexo virtual e --pasmem!-- até mesmo a Bíblia sem Deus. É sério.
Há dias, numa livraria, deparei-me com um livro intitulado "O Bom Livro", de um certo A. C. Grayling, que se propõe a ser "uma versão não religiosa da Bíblia" --"A Bíblia laica". Não sei como isso é possível, já que a Bíblia é a palavra de Deus. Os que não creem, não creem, mas isso não muda sua essência.
Em Roterdã, Holanda, uma igreja evangélica examina as escrituras sob a ótica da ciência, sem "contágio espiritual". Não há orações, mas acalorados debates científico-filosóficos, cujas conclusões, quando as há, não aproveitam nem à ciência, nem à filosofia. É o café sem cafeína, o leite sem lactose etc. A essência como supérfluo, a vida sem espírito.
O preâmbulo vem a propósito de outro fato que se insere na mesma síndrome de extinção das essências: a sugestão de alguns ambientalistas de produzir carne sem animais.
Isso mesmo: carne artificial. Ao tempo em que a FAO, órgão da ONU que cuida de agricultura e alimentação, prevê aumento mundial de 73% no consumo de carne em 30 anos, graças aos emergentes como a China, os que em tudo veem a sombra do Apocalipse esbravejaram.
O aumento da produção mundial de carne, segundo eles, terá custos ambientais enormes. Para obter um quilo de carne bovina, seriam necessários 15.400 litros de água. Mas nada disso foi demonstrado. Apenas dito. Também não se demonstrou em que medida isso é catastrófico.
Nessa outra modalidade de religião sem Deus -- o ambientalismo fundamentalista--, as afirmações, mesmo as mais estapafúrdias, soam como dogmas jamais questionados.
O Environmental Working Group, organização norte-americana que criou o "Meat Eater"s Guide to Climate Change Health", calculou as emissões de gases com efeito estufa na produção de carne. Concluiu que, para cada quilo de carne bovina produzida, o animal emite 27 quilos de gases: o dobro das emissões registradas na produção de um quilo de carne de porco e quatro vezes mais do que no quilo de carne de frango. Já nas proteínas vegetais, como o feijão, o quilo produzido gera emissões em quantidade equivalente a 1/13 da carne de boi.
O queijo também, dizem os estudos, tem peso considerável: são 13,5 quilos de gases por quilo produzido. Assim, calculam que a produção de gado responde por 18% das emissões de gases com efeito estufa, percentagem superior à provocada pelos automóveis. Conclusão: gado polui mais que petróleo.
Embora sejam emitidos desde os tempos do Paraíso, os poderosos gases bovinos ameaçam agora o clima do planeta e essa carne deve ser banida já da mesa dos homens. Talvez passem a ser úteis em alguns rituais religiosos da Índia, que veneram vacas, com ou sem gases.
É nesse cenário que vem a proposta de criar a carne artificial para, segundo o investigador holandês Mark Post, reduzir em 60% o estrago ambiental. Provas? Nem pensar.
A pergunta é: e o Brasil, como fica? Com cerca de 200 milhões de cabeça de gado, é hoje o maior exportador mundial de carne bovina, vendida a mais de cem países. Cumprimos as mais rigorosas exigências, principalmente da União Europeia, nosso maior cliente. Inicialmente, a preocupação dos importadores era com a higiene e a qualidade dos produtos, o que é elementar.
Nosso sucesso sempre decorreu de nossa competência, da capacidade de produzir a baixo custo, com qualidade. Mas esse custo, a seguir, foi subindo, com sucessivas novas exigências: o bem-estar do animal, a proteção ao ambiente (com restrições à criação de gado na região amazônica) e a sustentabilidade do sistema --todas sempre atendidas.
Eis, porém, que, agora, já não se discute a produção e sua ambiência, mas a própria atividade pecuária. O que há de verdade nisso e o que há de guerra comercial? Eis um debate que, internamente, não se abriu e que, desde já, está colocado aos candidatos à Presidência da República.
KÁTIA ABREU, 52, senadora (PMDB-TO) e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), escreve aos sábados na Folha de São Paulo.
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