Este blog é um espaço de debate onde se pode polemizar sobre política, economia, sociologia, meio ambiente, religião, idiossincrasias, sempre em profundidade e com bom humor. Participe, dê sua opinião. O melhor do blog está em "arquivos do blog", os temas são atemporais. Se for comentar registre nome, NÃO PUBLICO COMENTÁRIOS ANÔNIMOS. Aqui no blog, até mesmo os biodesagradáveis são bem-vindos! ** Aviso: o blog contém doses homeopáticas de ironia, por vezes letais, mas nem sempre.
segunda-feira, 29 de setembro de 2014
A indústria da distorção da notícia assusta até os jornais
Carlos Castilho
A infiltração de interesses políticos e econômicos disfarçados de informação no noticiário jornalístico deixou de ser uma exceção para transformar-se numa regra que já preocupa até os grandes jornais e revistas como o The New York Times e The Economist.
A preocupação resulta do fato de que é cada vez mais difícil distinguir dados de interesse público de fatos, números e interpretações de interesse privado, o que compromete a credibilidade do noticiário e consequentemente o faturamento das empresas jornalísticas de todos os tipos e tamanhos.
Os mais novos protagonistas no esforço para moldar a opinião pública por meio de notícias apresentadas como jornalísticas são os chamados think tanks, expressão inglesa que poderia ser traduzida como grupos de estudo e pesquisa. Eles passaram a ocupar o lugar dos lobistas e dos chamados spin doctors, outra expressão inglesa muito usada no submundo da distorção informativa. Os spin doctors são especialistas em interpretar um dado de acordo com as conveniências de quem o contratou.
Os think tanks já existem há muito tempo e muitos deles surgiram associados a instituições acadêmicas, que lhes conferiram credibilidade e respeitabilidade. Mas com a intensificação da guerra pelo controle do noticiário, os grupos de pesquisa passaram a ser usados pelos lobistas para produzir estudos financiados por empresas e governos. Em alguns casos, os think tanks chegam até a contratar jornalistas para produzir reportagens e informes, também financiados por alguém, como é o caso de algumas organizações não governamentais como Save the Children e Oxfam.
O sistema funciona da seguinte maneira: a instituição recebe um financiamento para produzir um estudo analítico ou uma pesquisa sobre um tema de interesse do financiador; as conclusões do trabalho são levadas aos jornais, revistas e telejornais como material inédito e relacionado a algum tema de atualidade. A partir da publicação, as conclusões passam a ser citadas por políticos, empresários e governantes para justificar ou refutar alguma questão em debate no Parlamento.
Esta prática tornou-se tão comum que os próprios jornais começaram a tentar encontrar maneiras de reduzir o mercado de notícias sob encomenda. Há casos claros em que a empresa participa como cúmplice dessa estratégia de vender gato por lebre, mas aumentou enormemente o número de casos em que jornais e revistas são manipulados sem saber. Algumas publicações passaram a exigir que os autores de artigos de opinião declarem empregos e posições ocupadas anteriormente. Quando se trata de relatórios ou informes, discute-se a exigência de identificação de financiadores.
Só que isso é restrito a algumas poucas organizações jornalísticas, nos Estados Unidos e Europa. Aqui no Brasil o tema ainda é tabu na grande imprensa, embora algumas tímidas iniciativas de buscar mais transparência sobre a autoria tenham sido feitas pela Folha de S.Paulo. O grande obstáculo é a complexidade da questão porque a ocultação de interesses pode obrigar jornais, revistas e telejornais a publicarem extensas explicações bem como investigações trabalhosas sobre o que está embutido numa reportagem ou notícia. Os executivos da imprensa reclamam muito do alto custo e do escasso beneficio imediato desta busca pela credibilidade por meio da transparência da autoria.
Agora o pobre do leitor passa a ter que avaliar não apenas o conteúdo da informação, mas também o seu autor, o que complica ainda mais a já difícil tarefa de separar o joio do trigo no dia a dia do noticiário. Isto reforça a necessidade de o público desenvolver o hábito da leitura crítica, algo que o Observatório da Imprensa vem promovendo há 18 anos. Como o tempo disponível pela maioria das pessoas é limitado, não há outro jeito senão apelar para o compartilhamento de leituras críticas, por meio de redes sociais, o que pode gerar a formação de comunidades de informação.
Alguns jornais começam também a avaliar a possibilidade de incluir informações de leitores na composição da ficha sobre autorias, interessados e financiadores de estudos e pesquisas, mas segundo o editor chefe do britânico The Guardian isso só poderá ser feito em casos específicos porque é inviável para todas as notícias e reportagens publicadas pelo jornal. Outra possibilidade é a colaboração entre órgãos da imprensa para reduzir a distorção e o viés nas notícias, dados e estudos. Mas isso esbarra na tradicional autossuficiência de empresas.
O resultado é que entramos decididamente na era da complexidade noticiosa, onde o hábito de ler jornais, ouvir noticiários radiofônicos ou assistir a telejornais deixa de ser algo simples e prazeroso para ser uma tarefa árdua e muitas vezes frustrante. Basta ver o que acontece hoje com o noticiário sobre a campanha eleitoral brasileira.
Publicado originalmente no Observatório da Imprensa, em 26/09/2014: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/posts/view/a_industria_da_distorcao_da_noticia_assusta_ate_os_jornais
Sobre o tema acima, este blog já publicou diversos posts, dos quais destacam-se dois, por serem mais relevantes:
1 - “As 10 estratégias de manipulação midiática” (janeiro 2011):
http://richardjakubaszko.blogspot.com.br/2011/01/as-10-estrategias-de-manipulacao.html
2 - “Vou parar de ler jornais” (janeiro 2008): http://richardjakubaszko.blogspot.com.br/2008/01/vou-parar-de-ler-jornais.html
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por participar, aguarde publicação de seu comentário.
Não publico ofensas pessoais e termos pejorativos. Não publico comentários de anônimos.
Registre seu nome na mensagem. Depois de digitar seu comentário clique na flechinha da janela "Comentar como", no "Selecionar perfil' e escolha "nome/URL"; na janela que vai abrir digite seu nome.
Se vc possui blog digite o endereço (link) completo na linha do URL, caso contrário deixe em branco.
Depois, clique em "publicar".
Se tiver gmail escolha "Google", pois o Google vai pedir a sua senha e autenticar o envio.