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sexta-feira, 11 de setembro de 2015
A geografia da pele
É o 40º livro de Evaristo de Miranda. Haja fôlego e conhecimento para escrever tanto
Lançamento nacional do livro “A Geografia da Pele” acontece em Campinas
Livro conta experiências, aventuras e traz à tona o delicado toque da humanidade através das lembranças da experiência vivenciada pelo autor na África
No próximo dia 14 de setembro, acontecerá, na Livraria Cultura do Shopping Iguatemi, em Campinas, o lançamento nacional do livro “A Geografia da Pele”, do escritor e pesquisador Dr. Evaristo Eduardo de Miranda. O lançamento é uma parceria da livraria Cultura com a Editora Record. O evento terá início a partir das 19h, com um bate-papo entre o autor e o jornalista Fernando Kassab, no piso Térreo da livraria.
Sobre o livro
A obra reúne experiências vivenciadas pelo pesquisador ao longo de três anos no Níger, país africano esquecido por rotas de turismo e cuja história e geografia são pouco conhecidas. Miranda conta suas aventuras, descreve ambientes e expressa emoções, frutos de sua convivência com tribos africanas entre 1976 e 1979, período em que participou de um programa da pesquisa agropecuária francesa. A viagem teve o intuito de analisar a relação entre os desequilíbrios agrícola e ecológico, estudo até então inédito. No entanto, a rica experiência em solo africano não se deteve no campo do conhecimento técnico. Miranda percebeu que geografia da região imprime marcas na pele e na alma de todos aqueles que nela habitam. Com ele não seria diferente. Elementos da natureza, como o sol e o vento, modificaram o tom da pele do pesquisador, enquanto que o contato com o povo africano e a inserção em sua rica cultura transformaram para sempre a vida do jovem paulistano. Os resultados de sua pesquisa e de seu doutorado acabaram levando a Embrapa e contratá-lo e designá-lo para criar e instalar a Embrapa Semi-Árido em Petrolina (PE) na década de 1980.
Entrevista de divulgação - “A geografia da pele”, com o agrônomo e pesquisador da Embrapa, Evaristo de Miranda.
A África é tema frequente na literatura, em livros de viagem e na mídia, sobretudo nos documentários de TV. O que difere sua “Geografia da Pele” do que se conhece sobre o continente?
O Niger, o país onde vivi, está fora das manchetes. Lá não há leões, nem gorilas, elefantes ou safáris. É um dos pontos mais centrais da África, ao sul do deserto do Saara. Um ponto de cruzamento entre diversas etnias, as últimas a serem dominadas pelos colonizadores europeus. O Niger não está em filmes de natureza, nem frequenta roteiros de viagens ou de safáris fotográficos. É o país mais pobre do mundo e, no entanto, sua população não é famélica. A região onde trabalhei é feita de areia, pastagens, choupanas de palha, tradições, cabras, ovelhas e campos infindáveis de cereais, povoada por animais invisíveis, em meio a acácias e baobás.
Você adota as palavras “imerso” e “profunda” no subtítulo do livro (“um brasileiro imerso na África profunda”). O que o fez caracterizar as experiências relatadas com tais palavras?
Não passei por lá apenas numa viagem de aventuras, nem fiz rápidas visitas turísticas. Eu vivi como agrônomo e pesquisador, durante vários anos, com a população local: os nômades, os pastores, os agricultores. Aprendi a falar suas línguas, morei nas aldeias, comi sua comida e compartilhei de seu modo de vida para tentar entender – e ajudar a reduzir - os desequilíbrios agrícolas e ecológicos que afetam a região. Foi realmente uma imersão numa África profunda, pouco conhecida e extremamente surpreendente.
Em quais momentos dos anos passados nessa África “profunda” você se sentiu num beco sem saída, seja por questões culturais, seja por limitações físicas?
No livro “A geografia da pele” relato diversos desses episódios. Foram situações muito variadas, desde ser convidado a comer morcegos fritos até a dificuldade em encontrar a maneira certa, não ofensiva, de recusar uma jovem escrava buzú, que me foi ofertada em sinal de amizade por um grupo tuaregue, para que eu a levasse à França. E houve também situações de real perigo, no deserto do Saara, e em meio a experiências surreais, em estados alterados de consciência.
Por que você esperou mais de trinta anos para publicar suas vivências? Quando estava lá, você já acumulava os relatos com ideia de compor a obra ou só se dedicou ao resgate de memórias recentemente?
Durante todo o meu tempo na África eu registrei minhas experiências, como faço até hoje ao trabalhar com os pequenos agricultores do Nordeste ou da Amazônia. Num determinado momento, após uma progressiva vivência com a população hauçá, eles decidiram me revelar alguns segredos sobre sua produção agrícola, alguns costumes secretos e o destino de seus cereais. Antes, porém, me fizeram jurar que manteria o segredo por 28 anos. Foi o que fiz: mantive a promessa. Nem em meu doutorado mencionei tais coisas. Agora, o mestre do tempo me autoriza falar, nesse livro.
Você voltou a percorrer os caminhos daquela época? Acha que aquelas paisagens e aquela diversidade de culturas permanecem vivas? Ou eles vão sucumbir com a entrada de movimentos como o Boko Haram?
Nunca mais. Às vezes tento identificar, em imagens de satélite, as transformações na vegetação, estradas e aldeias da região. É uma de minhas especialidades científicas na Embrapa: monitorar a agricultura por satélite. Com a ajuda da tecnologia, enxergo poucas mudanças: vilarejos cresceram, estradas melhoraram, mas a paisagem segue igual, assim como os arranjos de vegetação relacionados ao cultivo de alimentos e manejo do gado. Alguns ecos de grandes alterações vêm pela imprensa, como essa ameaça do Boko Haram e do islamismo radical. Os militantes desses movimentos agem livremente, sequestram mulheres, atacam vilarejos, incendeiam igrejas, estupram e escravizam jovens cristãs. Ao norte, a revolta armada dos tuaregues, a derrubada do ditador Kadafi na Líbia, a criação abortada de um Estado islâmico pela Al-Qaeda no Mali e a intervenção militar da França e dos países africanos trouxeram violência e insegurança, inéditas para os nômades do Saara e para os vilarejos nas fronteiras do Sahel com o grande deserto, onde eu vivi. Em meio a emboscadas, combates, bombardeios e controles militares, eu imagino os agricultores e os pastores que conheci prosseguindo silenciosamente na busca de seus humildes sonhos verdes.
Qual a sua interpretação, hoje, das marcas em suas pernas e braços que compõem “A geografia da pele”?
Como digo no início de meu livro, minha pele não suportou anos no deserto do Saara. Animado pela ousadia dos deuses da juventude, não percebi o quanto ela era tatuada pelo sol, vento, vegetação, animais e seca. Uma estranha geografia marca minha epiderme. Percorro suas manchas, rugas, máculas, dobras e cicatrizes como quem caminha entre colinas, montanhas, cordilheiras, países e continentes. Nas entranhas da memória, diversas sonoridades identificam essas paisagens africanas de meu corpo. Mas não consigo entender. Há trinta anos estou mudo em hauçá. Não ouço, nem falo ou leio. A areia do tempo apagou e soterrou essa língua africana em meu coração. Após estarem por anos em minhas noites, os olhares peuls, a luta dos hauçás, as espadas dos tuaregues, as interrogações de um guia zarolho e até o sorriso de uma jovem parteira sem braços desapareceram de sonhos e pesadelos. Na memória ficaram sinais hieroglíficos, espelhados nos céus da epiderme, que o tempo não apagou. Diluíram-se em meio a outros, amazônicos, polares e nordestinos. Mas à noite, eles ainda cintilam.
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Um comentário:
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Livro do Evaristo de Miranda só pode ser coisa boa. O Evaristo é uma das melhores cabeças da Embrapa.
ResponderExcluirHélio Tollini