Luis Nassif
Duas pesquisas recentes ajudam a demolir alguns mitos midiáticos.
A primeira, da Big Data Ideia, mostrando que a maioria do povo brasileiro –provavelmente no universo das redes sociais – não compactua com o retrocesso moralista.
A segunda, mais óbvia, constatando o baixo impacto das declarações de Fernando Henrique Cardoso junto ao eleitorado.
Comprova-se o óbvio
O radicalismo dos últimos anos, com o aparecimento de dinossauros, brontossauros, pterodátilos, vampiros e harpias, foi uma construção midiática.
O que havia era uma sociedade que respeitava determinadas regras sociais, que mantinham sob controle os vultos das profundezas. As redes sociais romperam com as regras, passando a dar voz a esses grupos. E o movimento se ampliou com o incômodo da classe média com os novos emergentes.
Os primeiros a perceber essa onda foram Jô Soares, e suas meninas, e Arnaldo Jabor e suas verrinas, passando a vociferar um ranço de classe, ainda distante do ódio dos momentos seguintes.
Vociferar, aliás, talvez não seja o termo correto, perto do que ocorreu com a revista Veja, quando Roberto Civita traz dos Estados Unidos a fórmula Rupert Murdok de jornalismo de guerra.
Inaugurava-se um novo estilo, truculento até a medula, introduzido na Veja por um jornalista de confiança de Civita, Tales Alvarenga. Depois se amplia, quando colunistas de variedades, como Diogo Mainardi, recebem autorização para tratar adversários políticos com linguajar de boteco. Inaugura-se a era do jornalismo de esgoto.
Por culpa de uma direção de redação medíocre, o estilo se esparramou por todos os espaços da revista, em um exercício de suicídio editorial inédito que transformou a principal revista do país em um pasquim malcheiroso.
A Editora Record percebeu o novo veio que se abria e passou a editar os neo-direitistas impulsionados pela mídia.
Foi uma onda, como a onda da auto-ajuda, das biografias, dos livros de aventura, com elementos de marketing, como o chapéu Panamá, que cumpria o papel simbólico dos camisas verdes dos novos tempos.
Quando abriram vagas para o novo estilo, pulularam candidatos de todos os níveis, de cronistas diáfanos e colunistas de tecnologia, de economistas palestrantes a procuradores palestrantes. Surgem o sub-Jabor, depois o sub-sub-Jabor, depois o sub-sub-sub-Jabor, apenas entre os cronistas musicais.
A onda turbinada
Essa onda não teria passado disso, mais uma onda, não fosse o impacto da campanha de ódio deflagrado pela mídia, na cobertura do “mensalão” e da Lava Jato e sua adesão incondicional ao estilo esgoto.
Agora, a onda está prestes a passar no território da mídia, substituída pela onda “direita britânica”, conservadora na economia, liberal nos costumes e sóbria no linguajar, espécie de fineza à Miami. Tipo Luis Roberto Barroso. Um estilo que despreza povo, mas abomina o grotesco.
E toca uma corrida insana, com os gladiadores trocando os machados, as peixeiras, por adagas florentinas, o linguajar de zona do cais por um data vênia, por conceitos jurídicos, aprendendo a comer com talheres. Tudo porque montaram um banquete dos mendigos. E o dono da casa entrou em pânico quando bateu à porta um tal de Bolsonaro.
A onda neocon, o MBL e congêneres, serviu apenas de escada para vários desses colunistas ganharem espaço nas publicações, veículos se posicionarem no mercado, e os golpistas povoarem a campanha do impeachment.
Agora, os articulistas mais talentosos, que utilizaram a malta de escada, estão tratando de jogá-la ao mar. Os demais não conseguirão se reciclar para perfis mais sofisticados: afundarão no esgoto.
Os sobreviventes que ascenderem, como novos ricos do sistema, não querem nem que lembrem que um dia beijaram na boca, prometeram juras de amor eterno, andaram de mãos dadas trocando olhares apaixonados, se deixaram fotografar com harpias arfantes, com tipos com ideias secas e rostos suarentos.
É um jogo complexo no qual as mentes mais lentas, que não conseguem prever o rumo dos ventos, acabam pegando o barco atrasado.
É o caso de um candidato retardatário a neocon, jornalista econômico experiente, que dias atrás publicou post no Estadão atacando colegas que criticaram o MBL, e a esquerda que “domina todas as redações”. E ficou com o paintball na mão.
Em engano igual embarcou João Dória Jr., que cai mais na conversa de vendedor de bíblias que as beatas dos filmes de faroeste.
A nova onda
A atuação do MBL e dos demais parceiros da direita tosca foi e é meramente midiática.
Aprenderam a “causar”. Meia dúzia deles faz um carnaval em uma exposição ou agride uma escritora conhecida. Ou então publicam artigos preconceituosos para “causar”. Imediatamente é repercutido pelos veículos de mídia e pela militância de esquerda. Ao reagir em massa contra os factoides, paradoxalmente os adversários ajudam a lhes conferir relevância.
Na outra ponta, Blogueiros que ganharam notabilidade pela capacidade de ofensa, e pela capacidade de ofensa ascenderam profissionalmente, agora que a Arca de Noé começa a afundar, tentam se qualificar, investindo contra a direita bárbara, troglodita e, data vênia, comportando-se com formalismo e dignidade de um guarda-livros do século 19.
A própria Veja tenta a todo custo recuperar um mínimo de dignidade, investindo em matérias legítimas – como a bela reportagem sobre a morte do reitor da UFSC -, e de defesa da diversidade, mas sempre ficando presa ao passado, com os ectoplasmas das bestas se interpondo no seu caminho.
A grande questão é que a tentativa de se voltar ao jogo político tradicional não tem futuro. Quando inaugurou a campanha de ódio, a mídia queimou as caravelas. Não consegue mais atuar como mediadora. Não tem candidatos, nem ideias. E não conseguirá celebrar o centro democrático porque a radicalização rasgou o território comum à esquerda e à direita modeadas.
Os dois partidos que garantiram a governabilidade pós-redemocratização – PT e PSDB – foram envolvidos em uma luta fratricida. E 2018 vem a galope, com apenas uma tática explícita: inviabilizar a candidatura Lula e impedir o candidato Bolsonaro.
* o autor é jornalista, editor do Jornal GGN. Publicado originalmente em https://jornalggn.com.br/noticia/sai-o-mbl-nanderthal-entra-a-direita-britanica-por-luis-nassif
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