Carlos Eduardo Florence *
O sol
castigava de manso os passos calmos de Joca no aconchego do sozinho.
Acomoda-se para enfiar isca para dourado sabido, que vinha driblando
seus critérios de conhecedor das artimanhas dos matreiros. Nascera e
fora criado naquelas bandas e margens de rio, acasalou com Rosinha,
vizinha dos aconchegos, com os conformes todos dos flertes, das flores e
das vergonhas pensadas e das apalpadas, enterrou pai e cuidava da mãe,
educou filharada forte e sadia e sabia que seu destino e suas
necessidades estavam arribando nas chegadas horas que as águas corridas
contavam. Olhou o tempo manso dos temperamentos das corredeiras sabidas
aonde se lê os futuros e as intenções dos porvires. Joca chegara da
Venda do Cato e seguiu direto para a ceva gorda da curva brava, na
esperança de arrematar as pendências com o peixe caprichoso, com quem se
havia em teimas há mais dos esquecidos.
Por que pescava na mesma rotina branda e viciada, no mesmo lugar e por
tantos janeiros? Antes de se saber gente, acompanhava o pai repondo o
jacá de milho na mesma ceva. Ali era o ponto de encontro com seus
consigos mais íntimos, das tratativas de conformar as realidades dos
passados com esperanças dos futuros. As águas corridas são exatamente a
vida, ruminava Joca. Aquelas já passadas, que seguiram destino acabado,
deixaram marcas boas e más para preencher um presente no qual se pesca
os desejos, as realidades, os valores, as posses, as ambições, os
afetos, as raivas e, para não ir mais longe, as imaginações todas que
crescem, querendo ou não, nestes pensamentos xucros que fantasiavam as
manias. Pretendia criar os destinos, mas as águas encharcavam o futuro
nas correntezas por onde restava deixar correr a canoa e remar da proa
para não emborcar com as marolas.
Acorda Joca, ponha
sentido no rio e na vara solta. Fisgou o dourado, dá linha para que o
tranco não arruíne a estorva e arrebente. Ali se forma uma dupla
singular, unívoca, em que o jogo é imaginar o próximo lance do
adversário. Não é o que cada um quer que conta, mas intento do outro. O
dourado, na folga dada à linha, apruma para a quiçassa de tronqueiras
aonde Joca sabe o destino. Os desafios empacam num empatado sem volta a
espera da iniciativa do desafeto. O sol começa a ficar cansado, boceja e
se prepara para puxar as montanhas mais altas sobre si, com medo do
sereno, e para dormir mais justo. A conversa entre o peixe e Joca corre
pela linha tensa sem se chegar à conclusão dos arremates.
A boca da noite fechou-se e o fisgado, esperto, sabia-se
mais manhoso, neste então, do que Joca, que não poderia mais ouvir os
seus pensamentos no escuro, tarimbado, abandona-se manso na correnteza e
deixa a linha ir se emaranhando pelas taboas despencadas ao acaso.
Fincada, era só puxar a linha e arrebentar. Danou-se. Joca, conformado,
desestica a luta para findar só no outro sábado. Cortou linha, recolheu
tralha. Andar andeja, que a sorte se deu transversa. Tresanda as sanhas
nas desavenças da beira do rio e, por último, em caminhando, resta
remate de sonhar com os carinhos de Rosinha na prontidão do esperado,
depois do abanhado e dos salpicos das águas de cheiro que, pelo menos
aos sábados, o destino nunca deixou de provar e prover. Ah! Rosa.
Rosinha; assanha que hoje é sábado.
* o autor é economista, blogueiro, escrevinhador, e diretor-executivo da AMA – Associação dos Misturadores de Adubos.
Publicado no https://carloseduardoflorence.blogspot.com.br/
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