Eugênia Augusta Gonzaga *
Nesse dia dos pais, em uma linda manifestação homenageando o seu pai, e também a milhões de pais brasileiros altruístas, honestos e trabalhadores – entre os quais tantos/as de nós incluímos nossos pais, o nosso querido jornalista Luís Nassif disse, na TV GGN, que “a família brasileira não é a família Bolsonaro”.
Enquanto eu ouvia a fala de Luís, fiquei pensando sobre o que seria a tal família brasileira, pois, no final das contas, foi ela que votou em Bolsonaro para presidente da República. Obviamente, pensei na minha família, da qual tantos membros também votaram nesse homem.
Consequentemente, pensei em meu pai, que se foi há quase vinte anos, e nunca me senti tão órfã. Meu pai me apoiava sempre, mesmo em temas que ele desconhecia, pelo simples fato de que sabia quem eu era e confiava em mim.
Nesse episódio, em que Bolsonaro me dispensou sumariamente da presidência da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, dos meus 07 (sete) irmãos/ãs consanguíneos/as, apenas uma irmã veio em meu apoio. Entre os demais, foi silêncio absoluto. Tenho certeza de que meu pai, se estivesse vivo e lúcido, me apoiaria incondicionalmente no enfrentamento a qualquer presidente da República, mas principalmente em relação a um cara tosco e apoiador de tortura como Jair Bolsonaro.
Bolsonaro, quando me exonerou, disse que o fez porque agora “o presidente é de direita”. Nem posso me considerar vítima de perseguição porque sempre fui uma autêntica “ignorante política”. No alto dos meus oito anos de idade, tentando entender um pouco o momento histórico vigente nos anos 70, perguntei: – pai, a gente é de direita ou de esquerda? Ele me disse que éramos de direita, “porque direita é o certo”. Foi essa formação política que ele me deu e sua resposta foi tão decepcionante para mim como quando eu perguntei qual era a sua bebida preferida e ele disse que era água, água da mina.
Na verdade, meu pai não era de direita e nem de esquerda – categoria que o apavorava, aliás. Ele era apenas um homem que cultivava princípios e que, mesmo detestando o Lula e o PT, jamais apoiaria um cara que idolatra a barbárie. Certa vez, aconteceu um crime terrível em nos0sa pequena cidade, Guaranésia (MG). O crime foi praticado por um jovem de 14 anos. As ‘pessoas de bem’ queriam linchar, prender na cadeia comum, etc. Meu pai, sem formação escolar e muito menos jurídica, colocou-se contra todos e disse: – é um menino! Tem que haver uma entidade para “chegar junto” e dar formação a ele. Ele nem sabia o que era o Estatuto da Criança e do Adolescente mas para ele os princípios do respeito à condição de pessoa em desenvolvimento e da integral proteção eram óbvios.
Portanto, fico pensando em que momento a sociedade brasileira degringolou tanto a ponto de um homem como meu pai ter filhos e netos que elegeram um Bolsonaro para a presidência da República. Tem algo de muito doente acontecendo. Alguns dizem que isso é resultado da falta de medidas de justiça de transição. Outros dizem que a culpa é da mídia tradicional.
Acho que o que falta mesmo é gente com mais amor aos princípios e valores humanos, algo que vai muito além da ideologia, como tinham nossos pais e que muitos filhos e filhas não assimilaram, deixaram perder pelo caminho...
* Procuradora Regional da República e ex-presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.
Segundo seu filho Vinícius: Procuradora Regional Federal dos Corpos Desaparecidos, demitida por Bolsonaro.
Publicado em Jornal GGN: https://jornalggn.com.br/direitos-humanos/pai-a-gente-e-de-direita-ou-de-esquerda-por-eugenia-gonzaga/
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