Qual a situação real da Amazônia? O que o Brasil pretende fazer com a Amazônia? Essas duas perguntas precisam ser respondidas.
A Amazônia é apresentada de forma fragmentada, aqui e no exterior, em função de grupos de interesse, ideologias, oportunidades, oportunismos, etc. É urgente superar o paradoxo colocado em 1909 por Euclides da Cunha: “A Amazônia, ainda sob o aspecto estritamente físico, conhecemo-la aos fragmentos. Mais de um século de perseverantes pesquisas e uma inestimável literatura, de numerosas monografias, mostram-no-la sob incontáveis aspectos parcelados. (...) A inteligência humana não suportaria, de improviso, o peso daquela realidade portentosa”.
Quem quer saber a real situação da Amazônia se perde num cipoal de opiniões, informações e desinformações de instituições governamentais ou não, multiplicas via redes sociais, com pouca participação regional e muitos interesses geopolíticos. É preciso unificar os conhecimentos e produzir um relatório anual completo sobre a região. Uma espécie de State of de Amazon Region, com ciência, dados, sínteses e análises dos principais temas, desafios e processos.
A Amazônia precisa ser conhecida e reconhecida em sua história e complexidade em pelo menos cinco dimensões inseparáveis: as dos quadros natural, agrário, agrícola, de infraestrutura e socioeconômico.
O quadro natural inclui 50 tipos de vegetações florestais, mistas e não florestais. Desmatamento e regeneração vegetal são indicadores. O tema ainda inclui solos, riquezas minerais, recursos hídricos, energéticos etc.
No quadro agrário cabe considerar as 330 terras indígenas, as 204 unidades de conservação integral (parques nacionais, estações ecológicas...), as muitas reservas extrativistas, de desenvolvimento sustentável, áreas de proteção permanente e terras quilombolas. Além dos 2.132 assentamentos, onde foram instaladas 499.586 famílias, e da urgente regularização fundiária de posses e terras não tituladas, áreas devolutas e títulos sobrepostos.
O quadro agrícola traz o rosto de 1 milhão de produtores e unidades de produção da Amazônia. Não há agropecuária mais diversificada: desde os mais simples sistemas extrativistas até as mais modernas fazendas de grãos e algodão, no norte de Mato Grosso. Quase 90% são pequenos agricultores, desde os 116.118 cadastrados em Rondônia até os de origem japonesa, campeões na produção de pimenta-do-reino, no Pará.
O quadro de infraestrutura varia desde Roraima, o único Estado não interligado ao sistema elétrico nacional, até o Pará, exportador de eletricidade. A rede viária é precária e regrediu. Estradas asfaltadas até os anos 1980 perderam operacionalidade, caso da Porto Velho-Manaus. A hidrovia do Madeira cresceu e a do Tocantins não existe, mesmo com a eclusa de Tucuruí concluída. Cada Estado tem demandas muito diversas.
O quadro socioeconômico apresenta os piores indicadores, salvo onde prosperou o agronegócio. Na pandemia, o Amazonas – Estado mais preservado da região – é retrato dessa tragédia social. De seus 62 municípios, apenas Manaus tinha UTIs. Faltaram caixões para enterrar os mortos. Culpa da covid ou da infraestrutura de saúde? Na Amazônia, mais de 25 milhões de brasileiros vivem em 500 e tantas cidades. Todos têm direito à alimentação, a saneamento, educação, saúde e progresso.
Tais dimensões, além das institucionais, deveriam estar num Relatório Anual da Amazônia. Oferecendo aos interessados dados idôneos, abertos, amplos. Pautando debates. Instigando contribuições efetivas. Definindo prioridades. A portentosa realidade amazônica é desafio, e não obstáculo às inteligências.
Mas também é preciso um plano de ação. Desde a Coroa portuguesa, passando pelo Império do Brasil, pelo Estado Novo e pelo regime militar, o País sempre teve planos para a região. O último foi o Programa Nossa Natureza, do governo Sarney, há 25 anos. Criou o Ibama, o monitoramento do desmatamento e uma série de leis. Desde então se amontoam iniciativas setoriais, parciais, desencontradas e conflitivas. Muitas criminalizam atividades humanas e fortalecem, na prática, os conflitos e a Amazônia Ilegal. Esse plano de Estado, estratégico, de longo prazo, deve ser definido com a população da Amazônia.
Qual o plano, nos próximos 10, 30 e 50 anos, para as áreas intocadas, as áreas de agropecuária e urbanização consolidadas e as fronteiras de expansão? Quais são os grandes objetivos e metas? Como o plano deve ser comunicado, a brasileiros e estrangeiros, para provocar discussões pertinentes e produtivas? Como Estados, setor privado, países e instituições internacionais poderiam contribuir?
Dezenas de universidades e centros de pesquisa da Amazônia têm dados e estudos sobre a realidade e sua dinâmica. O Conselho da Amazônia, coordenado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, pode ser o locus da produção anual do relatório e um núcleo de cristalização do plano para o futuro.
E é bem disso que se trata: o futuro fica em cima do futuro, e não embaixo do passado!
* o autor é engenheiro agrônomo, doutor em Ecologia, e pesquisador da Embrapa Territorial.
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