Carlos Eduardo Florence *
Sei que não é fácil entender, pois para mim é impossível, mas no cangote, como de touro xucro, me excita, apavora, fecunda, implode. Quando devaneio neste vento pela popa em brios e solidões, como agora, acordo sim, e já me fui ao orgasmo do indelével sem sentidos e estou pensando o que não queria pensar e não penso o que desejava. Ontem estava eu hoje fantasiando pedir desculpas pelo que não havia cometido e hoje estou matutando e corrigindo a estupidez que ontem cometi de verdade.
O galopar das minhas imaginações são donas absolutas das estrofes redomonas das prerrogativas do cavaleiro que me pretendo. Sou o que não penso e penso o que não sou. Não ria, ajude-me. Ele, pensar, me dirige, estupra, abusa. E transitam as ideias do meu cosmos emocional caleidoscópico, garimpando detalhes de pepitas fúteis entre sermões ininteligíveis, íntimos, do meu inconsciente fóbico até a esperança de andar nu em Paris ou transcender ao infinito como Monge Cartuxo nos Alpes. É como me descambo em ser um raciocino bruto, sem lapidar, para tentar conseguir esclarecer, sem explicar. Ainda assim sempre perdurou certa dose de petulância por eu pensar que medito o incompreensível do explicável. Impávido idiota, promulgo, prospero, falho sempre. Resta-me, assim, o amém, ermo.
Mentiroso, cínico, um tanto estroina, finjo entender-me e comandar, mas qual o que. Mas isto é detalhe de conversa só com a alma adoidada do fígado meu que nunca escuta as doze badaladas para se desencantar ao ludibriar o caos. Para concluir, não param estes refluxos endiabrados, a título de se dizer pensar, sem começos, mas principiam pelo fim do meu delírio previsto sem sentidos, de preferência por fingir segurança, até sem mais marcas na memória a se fazerem acarinhar, encerrando pelo absurdo predileto que é sonhar acordado, bolinar o inatingível ou mesclar as cores amarelas, azuis e vermelhas que se confundem para sumirem ou brincarem de arco-íris quando agitadas. Desmioladas estas tessituras intimas, dentro destas entropias, põem-me a arrastar para a delícia imponderável ou para o inferno sofrer, onde me perco para sempre nas ideias soltas.
Não atracam, os conceitos, depois de partidos como naus-sem-rumo, sem portos tidos ou tais vezes, para as fantasias que crio, pois transcendem pelas hipérboles imprevisíveis e nem se dão a acostar sequer em algum impenetrável. Tudo então que fique muito claro, para que eu não entenda nada ou continue a chorar. Macon, meu vizinho e parceiro de cachaça, nem ameia há muito o pretérito destas esquizoides inconveniências, acho eu, mas tanto também que nunca desbraguei perguntar. Ele amorfa calado, sem apaziguar mesmo se houvesse uma sutil metamorfose grávida sendo infiltrada em seus desejos carnais e seria capaz de enxamear comigo pelos desnecessários. Calo-me como tanto não escuto, pois não perguntei e assim o advérbio de modo tornou-se peça de antiquário e outras demências afrodisíacas que procrio.
Relembro que estou só falando da reflexão, minha. Mastigo de boca aberta, babando, um pedaço de esperança com dúvida para ver se alguém me acompanha, segue e ou entende como igual. Quem dera. Mas considero que sou normal e outros até me tratam meio assim, ou quase, pois não ouvem meus ruminantes símbolos da cabeça assemelhados a uns pares de roupas velhas que bailam, sem procederes ou rotinas, ficando penduradas em um aleatório inexplicável para eu escutar o som de suas cores sem certeza de que me entenderei comigo antes da alma se despedir. Minto? Para quem? Lógico, só a mim. Azul ou trinca de azes vem à cabeça? Por quê? Todos me desconsideram, me engano ao verberar que me faço entender.
O além se aproxima covarde e traiçoeiro, sequer percebo ou creio, tanto que a sinfonia se tornou inacabada. Escuto o silêncio, ninguém me concede e nem faz sinal para o desvario parar na primeira volta depois da esquina das paralelas pedindo infinitesimais inacabamentos, sofreguidões, antes do nada e eu saltarmos de mãos dadas no vácuo. Pergunto, místico ou alegre, mas como os verbos são mais indecorosos na voz passiva fica melhor abordar o tema com certa relatividade imponderável quântica. Deus me acuda.
A vida, a que eu não pedi para me enloucar em suas entranhas, é mais voltada ao incompreensível, anotei, e um dia morrerei, mas no momento não dá para descer e andar por outras sarjetas tão tropeçadas ou desconhecidas, pois o inexplicável, ainda mais robusto, virá pela retaguarda para me atropelar sorrindo em delírios e solfejos guturais. Peço socorro ao ser, ao consciente, infinito, ao psiquiatra, à mulher grávida, ao faminto que se desarticula com seu desatino, profecia e obrigação de viver, ao dentista, bem como ao engraxate, plataforma do metrô atopetada, mutirão de angústias, aos desatinos. Estendo ainda o interrogar ao coitado que carrega a compra do que sobrou do salário, à criança que morreu de desinteria no cortiço da rua sem esgoto, para uma vela vermelha de Ogum, acesa para enfeitar a superstição ou a mentira, à boa ou má fé, à dúvida da encruzilhada, pão nosso de cada dia que não sei se ganharei jamais. Chega.
Estes simbólicos desencantados somem pelas entranhas do meu pensamento com a mesma porosidade com que eu os crio. Não crês? Sofro ou deliro? Escuto, por hábito ou descuido, a fêmea entrar no cio e eu a desejar, mas ela me enxota. Mereço, logo penso, assim insisto ou desisto? Existo ou penso? Puta merda. Pois só sei que o beija-flor e o Pandêncio, casado com a filha do monsenhor, não se preocupam com estas estrofes minimalistas. Um por ser de sina amorosa pescadora ao ver o rio se estreitar para o além, carregar suas fantasias e aquecer as preguiças e o colibri por delicadeza de mascar o imponderável do invisível entre os perfumes abstratos da sutileza. Pois veja, é assim que a mente escapa para o lado mais incisivo do azul e fica encantada com o choro infantil ensinando a mãe a amá-lo para aliviar os seios e não o descartar do Complexo de Édipo e adjacências.
Freud deveria ter criado o complexo com adjacências. Nunca entendi; por que não o fez? Isto tudo me veio surdinado, de forma muito inútil para eu tirar o melhor proveito, quando acompanhei um dia em Carepá das Agruras os eventos miúdos escalando as paredes preguiçosas dos casarios centenários vendo os melindres furtivos olhando por trás das janelas que se recusavam a mentir. Conto, reconto mesmo a tal não chego satisfeito ao definitivo ou ao recado, mas lanço:
Bem assim se foi como se deu, por não serem santas nem mundanas, embora o azul estivesse em sintonia com o imprevisível dos astros, eram sete as moças casadoiras, lembranças ficaram. A missa fazia-se começar e uma solidão, sem más intenções ou preconceitos religiosos, atravessou a rua subindo no sentido da esperança para encontrar uma senhora pedindo esmola no sopé da escada da Matriz. Não conseguiu ajudá-la, não obstante o sacristão tenha mandado todos se sentarem para compartilharem a solidariedade. As sete moças casadoiras comungaram uma só vez para repor pequenos desejos com os quais iriam infringir a meia virgindade na semana do carnaval. Olhei pela janela e uma mosca mal informada batia-se ao vidro à cata de seu destino entre umas mangas podres caídas ao acaso na calçada fronteira ou morrer no bico de um sabiá, sem metodologia ou preconceito darwinista, tentando seduzi-la.
Encantei- me com a mosca ansiosa e hesitada em seus dilemas existenciais. Sabia manter as asas delicadamente sincopadas entre uma angústia ainda em formação, bipolar, atazanando o vidro que impedia seus desejos. Ocorreu-me, inclusive, se o vidro teria também tanto o desejo de atazaná-la, sadicamente, para tentar uma ejaculação vitral. Metaforicamente esta dialética ocorreu-me no momento, pois trazia como ponto central esta única opção que ofereci e que poderia, fatalmente, sem dúvida, descambar em fatalidade. Como poderia eu dialogar com a exuberância e prepotência do vidro que, indiferente, ironizava a mosca perplexa clamando pelo seu existir em outro abstrato preferido de seu imponderável e futuro.
Mas volto à cabeça idiota para perguntar-me, sem ter resposta, se estes manejos envidraçados do proceder mosqueado entretecido de volteios belos, mas inexplicáveis, estas altivezes melodramáticas da mosca atormentada e atormentando, este vidro prepotente e submisso, são obras reais da criação e da criatura ou desta mente tresloucada que carrego e acredita que existe por que penso, sem me informar se sou a coisa ou o imaginário é que me é? Drama existencial implantado.
Fiz uma análise regressiva de desejos, sublimei dois preconceitos entrosados de linhas lacanianas e kardecistas de um inexplicável passado da complexidade da transferência psicológica e cuja alma, simultaneamente, teve a ousadia de reencarnar como mosca, com a devida perda da memória e das motivações sexuais mais sofisticadas humanoides. Talvez fosse a solução cartesiana mais factível, pois a alma não morre, transmuda de matéria e corpos pelos aléns dos infinitos.
Nisto, o sermão da igreja, voltando ao sopé da escadaria da pedinte, constatou que o demônio fora instruído para ocupar os corpos dos porcos e liberar os loucos para serem aproveitados só mais tarde pela escravidão, pelas cruzes, catecismo, depois pela inquisição e por último pela imprensa livre, a novela e o celular. Voltei à minha existência sadomasoquista, onde a esperança da espiritualização reencarnada da mosca liberta sobre o futuro inexplicável do vidro sádico teria a potência de desestabilizar o infinito, pois eu não teria com que me entreter mais e ficaria deprimido. Como cheguei a este ponto contornando meus delírios, duvidando de meus raciocínios, tomando este café requentado, horroroso, da estação do trem e perguntando; “penso, logo existo, para que existo? Basta, atinei, pensei ou desisti?”
O trem deu sinal de partida e o adeus não conseguiu chegar nas pontas dos pés de uma moça chorando por ... (a palavra fugiu). Os moços se enfeitaram de absurdos, o vento pediu aos telhados e aos silêncios um minuto de loucura para o nada se instalar na minha mente à cata de suas entropias. Corri atrás do meu raciocínio que os lixeiros, enganados, jogaram na caçamba do caminhão. Pedi mais uma pinga, que alegria, estou livre, nunca fizeram falta mesmo as ideias atrapalhadas que sempre foram lixos.
Sábado é dia de ... esqueci! Ainda bem. Livre dos compromissos, dos sisos e dos omissos, suicidei-me.
* o autor é economista, blogueiro, escrevinhador, e diretor-executivo da AMA – Associação dos Misturadores de Adubos
Publicado em http://carloseduardoflorence.blogspot.com/2021/01/por-no-graficoem-do-maior-com-outros.html
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