Por Anderson Galvão *
Há trinta anos, vivíamos em um mundo onde acreditávamos na
robustez da União Soviética e a sua capacidade de fazer frente aos Estados
Unidos, o muro de Berlim seguia firme dividindo a tradicional capital alemã e,
no Brasil, estávamos no apagar das luzes do regime militar. A China, com suas
incontáveis bicicletas, era uma mera curiosidade para nós ocidentais. No
ambiente econômico, vivíamos as incertezas da crise dos países emergentes, após
a moratória do México para o pagamento de suas dívidas junto ao Fundo Monetário
Internacional. O Brasil estava na mira como o próximo país a quebrar!
Na cultura da soja, o país semeava uma área de 8,4 milhões
de hectares, sendo que desse total, a região Sul representava 72% e o cultivo
em Mato Grosso, apenas 4% da área total. A produtividade média era de 29 sacas
por hectare e o equipamento padrão nas propriedades era um trator CBT 1105 ou,
para os mais modernos, um 2105. Em 1983, o produtor de soja no Mato Grosso
iniciou o ano vendendo seu produto a Cr$ 2.159,90 por saca de 60 quilos e
encerrou com preço de Cr$ 12.779,5, com uma valorização nominal de 492% no ano!
Nesse período, desbravadores do Sul do país se encontravam
em pleno processo de ocupação do vasto Centro-Oeste brasileiro, numa época
marcada pela carência de tecnologias produtivas e ferramentas de mercado. Um
período marcado por inúmeras históricas de dificuldades, fracassos e, também
sucessos.
Naqueles tempos, o mercado da soja – e outras commodities agrícolas – era marcado por
uma relativa simplicidade que decorria da extrema dificuldade em obter
informações sobre o comportamento desse mercado. Era a época onde o principal
segredo comercial do sojicultor era guardar soja na safra para vender na
entressafra. Por falar nessa operação, os Cr$ 2.159,90 de janeiro de 1983
representavam US$ 8,21 e no final do ano, os Cr$ 12.779,5 de dezembro
equivaliam a US$ 13,52 por saca, o que representa um diferencial de
safra-entressafra de expressivos 64%, mas bem abaixo dos 492% mascarados pela
inflação do período.
Diante das incertezas desse período que perduraram até a
estabilização da economia, em 1994, a força da criatividade e – sobretudo – da
necessidade resultou no que pode ser considerado uma das razões do sucesso da
soja no Brasil: a precificação dos insumos, serviços e bens em sacas de soja. A
precificação em sacas de soja ao longo da década de 1980 e 1990 deu senso real
ao valor das coisas, a começar para a terra que era e continua sendo
precificada em sacas de soja. Esse sistema possibilitou que o sojicultor
tivesse algum norte em meio às tormentas econômicas e financeiras da época.
Passados esses trinta anos, o sojicultor mato-grossense
dispõe de ferramentas de comércio eletrônico e gestão em tempo real que lhe
permitem não só travar preços no futuro, mas também auxiliá-lo na condução no
dia a dia dos seus negócios.
A comercialização da soja se tornou muito mais sofisticada,
não bastando apenas reter a produção entre a época da colheita e o segundo
semestre para ter certeza de lucro. Fixações de preço (em moeda corrente, em
dólares), trocas por insumos, contratos a termo, passaram a ser parte do dia a
dia do sojicultor, trazendo novos e grandes desafios. A China, das bicicletas
de outrora, importa nada menos do que dois terços da soja brasileira e é,
atualmente, a principal formadora do preço do produto, pelo lado da demanda. E
a produtividade em Mato Grosso ultrapassou a barreira das 50 sacas por hectare,
com vários produtores indo além das 60 sacas, com o trator CBT ocupando
monumentos públicos e privados!
Os próximos trinta anos reservam novos desafios para o
sojicultor brasileiro e, em particular o mato-grossense. Quanto à
comercialização, a integração de tecnologias como agricultura de precisão com o
mercado físico e futuro permitirá vendas quase que em tempo real da produção,
por talhão, com monitoramento à distância (por satélites) do comprador do
produto, algo que em alguma proporção já ocorre.
A gestão profissional dos negócios agrícolas deve ser vista
como condição básica para a continuidade dessas empresas, devido a atual
característica da produção de soja, onde o conhecimento agronômico sozinho já
não é suficiente para assegurar o sucesso do negócio. Espera-se do gestor,
competências que passam por conhecimentos na área de estratégia empresarial,
gestão de pessoas, conhecimento das tecnologias de informação e, além de tudo
isso, continuar produzindo bem.
As condições acima são necessárias para aproveitar o grande
desafio do setor que será preparar a transição para uma nova geração, que tem a
tarefa de dar continuidade ao projeto iniciado por pais e avôs desbravadores. A
profissionalização efetiva da atividade agrícola, em toda a sua extensão já é
há algum tempo o grande desafio para o setor e será, certamente, o principal
fator de contínua diferenciação para o empresário rural brasileiro. Preparar
novas lideranças, no âmbito das empresas e do setor público é –
indiscutivelmente – um desafio fenomenal não para os próximos trinta anos, para
o amanhã.
Os próximos 30 anos reservam ao Brasil, a oportunidade de
efetivamente se tornar o celeiro do mundo, atendendo a necessidade de
alimentos, fibras e biocombustíveis para o mercado interno e externo. O
crescimento populacional leva ao natural crescimento da demanda, enquanto a
melhoria na renda de consumidores mundo a fora resulta num consumo de melhor
qualidade. Ambas as oportunidades – quantidade e qualidade –proporcionarão um
salto de desenvolvimento para o setor agrícola brasileiro, capitaneado pela
soja, levando não só crescimento, mas desenvolvimento econômico a uma boa parte
do Cerrado brasileiro, trazendo bem estar a uma importante parcela da população
brasileira. Esse é, sem dúvida alguma, o coroamento do movimento de ocupação do
Cerrado brasileiro, iniciado há três décadas, e que agora reside na capacidade
da geração desbravadora pavimentar o caminho para a sucessão, permitindo assim,
a sustentabilidade dos negócios no longo prazo.
* o autor é Engenheiro Agrônomo, e sócio fundador da
Céleres, empresa de consultoria em agronegócios baseada em Uberlândia,
Minas Gerais.
OBS. Este blogueiro recomenda a leitura de 2 artigos, publicados aqui no blog em 2007, como uma espécie de continuação do artigo acima:
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O colega refere-se à continuidade pela nova geração. A lembrar que os jovens são motivados por ganhar bem, por tecnologia atualizada e pela aventura, como tiveram os desbravadores seus antepassados.
ResponderExcluirDias atrás na Soc. Rural Bras. Lancei o desafio de 100 milhões de ha cultivados daqui a 30 anos. Vamos remover os entraves e chegaremos lá. P.ex.:Porque desperdiçar 35% de cerradão no Norte de MT? Porque não está pronta a rodovia até Santarem?
A lembrar também o que disse Borlaug em 1995 em carta a mim dirigida:
“Estou convencido de que o que está ocorrendo no Cerrado é um dos mais espetaculares eventos de desenvolvimento agrícola que se realizou no mundo nos últimos cem anos. Eu jamais poderia imaginar que durante minha vida pudesse presenciar o desenvolvimento de uma tecnologia que iria converter essas grandes áreas de solo infértil e com boas chuvas, de uma vegetação de campo e arbustos para um solo agrícola altamente produtivo. Eu ouso prever que lá pelo ano 2010 haverá uma tremenda quantidade de grãos básicos arroz, milho, sorgo, soja e feijão a ser exportada para os mais diversos países do mundo, a qual terá sido produzida no cerrado”.
Dr. Fernando,
Excluirparafraseando um famoso slogan dos anos 1970, que é aplicável sobre seu comentário e sobre a profecia de Borlaug: "Estas são verdades bem ditas"