Richard Jakubaszko
Desde que se iniciou a pandemia, lá por março 2020, e depois de uns 2 meses que a gente estava escondido em casa, ouve-se falar no futuro "novo normal", que seria uma espécie de novo estilo de viver e conviver do ser humano, especialmente o brasileiro. Um novo normal, conforme definido na Wikipédia, é um estado ao qual uma economia, sociedade etc.,
se instala após uma crise, quando esta difere da situação que prevalecia
antes do início da crise. Em minha opinião ficou capenga, como definição, faltam pernas e braços neste novo normal.
Ao mesmo tempo, emitiram-se nos butecos virtuais e especialmente na web pitacos estilosos de tudo quanto foi jeito e maneira, expressos pelos intelectuais, filósofos, e, como sempre, por "famosos", ricos ou não, fossem jogadores de futebol, atrizes e atores, modelos, empresários, investidores, gente do mercado, e as prostitutas de salto alto do higth society, sobre como seria esse novo normal.
Nas estapafúrdias opiniões registradas, os seres humanos sobreviventes lá no pós pandemia serão adeptos incondicionais da trilogia filosófica-ideológica da liberdade-igualdade-fraternidade. Nada é mais imbecil do que esse aforismo alienígena afrancesado. Precisaria da inversão para dar certo e colocar as coisas em ordem. Essa trilogia é um desiderato de gente otimista, a fraternidade como foi pregada por Cristo deve ser o primeiro degrau, porque a partir daí teríamos a igualdade, e só depois obteríamos a liberdade. Nada a ver, portanto, com ideologias extemporâneas, como se poderia pensar.
De toda forma, vem aí o "novo normal", que será mais egoísta e ególatra do que nunca. No novo normal o ser humano estará mais hedonista, vaidoso, ególatra, competitivo, moralista, e cada vez mais agnóstico, e quem não estiver em cima do muro, estará ateu ou fanático religioso. Com máscara ou sem, por causa da epidemia do Covid-19, que demonstra a tendência de que veio para ficar.
Quem está saindo da pandemia depois de muitas perdas e prejuízos vai querer recuperar em menos de 4 ou 5 semanas os 20 meses perdidos. Ou seja, vai atropelar, vai acelerar nas curvas, sem medo de derrapar, e vai passar por cima de quem estiver na frente.
Teremos alguns safanões sociais, aqui e mundo afora, por conta do desemprego que vai perdurar e piorar, e da inflação, que, como sempre, vai esmagar mais ainda as classes sociais mais baixas. Essas classes desfavorecidas, e despreparadas para enfrentar o mundo moderno, em pontos isolados do planeta, vão protestar, alguns de forma veemente. Serão mais agressivos na pedida de uma esmola, mas outros poderão participar de verdadeiros assaltos coletivos, os chamados arrastões, especialmente em shoppings centers, onde a classe média se esconde da chuva, dos pedintes e dos bandidos, pra poder gastar seu rico dinheirinho. É só verificar que os pobres, com destaque para crianças, cada vez mais estão presentes dentro desses centros de compras, pedindo esmolas ou vendendo balas e quinquilharias. Por enquanto fazem pequenos roubos e furtos, de celulares e bolsas de mulheres, e saem correndo. Dificilmente são pegos. As vicissitudes dos pobres, a continuar do jeito que está, vai provocar os arrastões, é só questão de tempo.
Este é só um aspecto do novo normal a que vamos assistir. Arrastões em cidades do interior, com assaltos altamente profissionais e tecnológicos a bancos, por exemplo, já se tornaram comuns Brasil adentro. Arrastões em prédios de classe média alta também, e olha que isso nem é novo. Claro que, agora temos o ladrão bate-carteira de antigamente, que hoje só leva seu celular, sem causar ferimentos, mas depois zera a sua conta bancária nos créditos positivos da conta corrente, da poupança e demais investimentos, e faz até empréstimos no cheque especial disponível em seu nome, com valores sempre limitados, é claro, ao tamanho de seu potencial de crédito, não importando que, depois, o banco te assalte também com os juros levemente exorbitantes que estarão praticando a partir de agora que a Selic começou a subir de novo, relembrando tempos que os mais velhos nem querem lembrar e os mais jovens nem sabem o que é isso.
Efetivamente, é o que se assiste, e olha que não estou pessimista. Diria que realista, diante do que se pode perceber. E o problema não é exclusivamente brasileiro, é mundial. O mesmo receio que sentimos, de insegurança, e até mesmo medo ao andar a pé no centro velho de São Paulo, no final do dia, quando começa a escurecer, ou nos finais de semana, com gente de todo tipo, famílias inteiras se acomodando nas portas de lojas que encerram o dia de trabalho. Debaixo das marquises dos prédios há depósitos de seres humanos, uns doentes, outros bêbados, muitos com fome e frio, e, como já disse, esse cenário não é exclusivo de São Paulo, observei isso em Roma e Paris, cidades onde fiz escalas de voos recentes, em 2018 e 2019. Lá como cá existem seres humanos rejeitados pela sociedade, excluídos, descartados como lixo por causa das novas tecnologias que causam desemprego, e também pela ganância de empresários. É a imbecilização e a estupidez em andamento, seguindo seu curso natural.
O "novo normal" vai aprofundar uma tendência que já havia se manifestado antes da pandemia, a do "compliance". O compliance, na verdade, é a nova prática da dissimulação, é a ação do politicamente correto, onde se estabelecem leis do que pode e do que não pode. As elites - a mídia, e os pobres também - acreditam que todos somos iguais perante as leis. É um "me engana que eu gosto". Nada mais mentiroso do que isso, pois é aí que o "compliance" entra, e mostra que a lei é para todos, mas que alguns são diferenciados perante as leis, e que estas não se aplicam a eles, e a isso se chama de privilégio, aspectos embutidos nas leis para proteger a elite e a quem tem dinheiro para contratar bons advogados. É por leis assim que permitem ao trabalhador se aposentar, mas só depois dos 68 anos e com "benefícios" de um salário mínimo, enquanto que juízes, procuradores, membros do legislativo e do executivo podem se aposentar com salário integral, o que pode ser algo como 30 ou 50 vezes maior que o salário mínimo.
O "novo normal", entenda o leitor destas bem traçadas linhas, é a hipocrisia da elite em forma de requintes legislatórios, coisa que sempre existiu desde que os tempos são tempos. Há pouco mais de um século havia leis que davam direitos a ricos de possuir escravos. A escravidão era imoral, sempre foi, mas era legalizada pelas legislação... Viu só como a dissimulação funciona? É com a hipocrisia, disfarçada de lei, para proteger as elites. Como rico não tem salário, porque não trabalha, mas faz investimentos e "gera empregos", a lei que é igual para todos e determina que sobre salário o trabalhador tem de pagar imposto de renda, enquanto que o acionista, o patrão do trabalhador, não paga imposto de renda, porque não tem trabalho, pois ele recebe dividendos e sobre isso não se paga impostos, porque a empresa pode ter ou não ter lucros.
Assisto nas TVs, entre divertido e horrorizado, repórteres neoliberais denunciando que os desassistidos estão nas ruas, pobres sem emprego e sem comida, e os apelos dos jovens focas pedindo aos governos para que façam justiça, que abriguem essas multidões, que reduzam o sofrimento dessas pessoas, esquecendo de que para isso os governos precisam de dinheiro, ou melhor, recursos, que são provenientes de impostos que os ricos não querem pagar, e que a classe média nem pode pagar hoje em dia, porque tiraram os degraus que suportavam sua estabilidade. Será assim o novo normal, todo mundo reclamando? Ai, ai, ai, acho que podemos todos afundar.
O "novo normal" será tão igual como sempre foi a hipocrisia e dissimulação das elites, que escolhem os candidatos a deputado federal e senador, para que votem leis que beneficiem as elites, e os pobres, iludidos com a democracia vigente, votam nos candidatos que conhecem, escolhidos pelas elites para serem eleitos, os chamados artistas, alguns famosos, e ou jogadores de futebol, os tiriricas e os romários da vida, para que votem leis que favoreçam a população pobre, mas isso nunca acontece, porque esses famosos já foram seduzidos pelas elites, e só aprovam leis que favoreçam as elites. Até parece o Centrão em época de trabalho... Eita mundo marvado, né não?
As zelites voltaram com tudo no "novo normal", comendo seus apetitosos brioches. Fico pensando em como seria se o povão descesse dos morros e provocasse uma nova queda da bastilha, seria traumatizante como foi a queda da bastilha original?
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