terça-feira, 26 de junho de 2012
Espécies quase extintas
Rogério Arioli *
Dentre as espécies amazônicas ameaçadas de extinção uma delas tem sido negligenciada pelos preocupados com a manutenção da diversidade: tratam-se dos agricultores. Acuados pelo sistemático processo de criminalização a quem têm sido constantemente submetidos, o número de produtores rurais diminui a cada ano que passa. Ficou mais fácil e seguro entrar na fila da bolsa isto ou do vale aquilo, do que aguardar um dos muitos fiscais que, ávidos por aplicarem seu rosário de multas, periodicamente visitam as propriedades rurais.
Santarém é um exemplo deste fato. Possuiu há poucos anos atrás duzentos e tantos produtores de soja e hoje restam pouco mais de cem. A área de produção explorada que chegou a mais de oitenta mil hectares hoje é realizada em pouco mais de trinta mil. A desistência de permanecer na produção agrícola também é visível em quase toda a extensão das comunidades localizadas ao redor da BR 163 no estado do Pará. Muitos ex-agricultores são encontrados contando histórias de suas produções passadas, muitas delas deterioradas pela absoluta falta de logística e atualmente inviabilizadas pela pressão ambientalista. Várias destas comunidades estão condenadas ao atraso, pois não lhes restará atividade econômica viável, a não ser a promessa da renda gerada pelos produtos da floresta, o que hoje ainda parece uma grande utopia.
As pessoas que atualmente se encontram nas margens da BR 163 foram incentivadas por governos passados com o objetivo de promoverem a interiorização do país. Necessitavam, portanto, naquela época, proceder a abertura de parte de suas áreas de modo a obterem sua regularização. Hoje quase quatro décadas depois (a BR 163 foi aberta nos anos de 72 a 74) muitos proprietários ainda não possuem seus títulos e, além disso, foram criminalizados por terem aberto suas áreas e tentado produzir. Eram bandeirantes, hoje são chamados de criminosos, vivendo num limbo jurídico que talvez jamais seja regularizado.
O censo do IBGE mostra que os estabelecimentos de até 100 ha correspondem a 20% da área ocupada no estado e é responsável por 73% da produção de feijão, 67% do milho e 54% do arroz. Contudo, parece um absurdo constatar-se que apenas 15% destes agricultores detenham a posse definitiva de suas terras. A renda auferida destas propriedades na maioria das vezes seria risível se não fosse deplorável. Muitos plantam apenas para seu consumo e alguns sequer possuem condições de comprar o querosene necessário ao abastecimento de seus lampiões, uma vez que nos locais aonde a energia já chegou ela é tão periódica quanto a sazonalidade das safras. Esta realidade é potencializada pelo fato de que a região Norte tem sido aquela menos contemplada pelo PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) desde a sua criação em 1995, com menos de 10% dos contratos contra 34% no Nordeste e 39% na região Sul.
Não deixa de ser curioso observar-se que, vez por outra, ao longo da 163 existem placas rogando pelo cuidado com a travessia de animais silvestres, entre eles répteis, capivaras, lobos e onças. Todavia não existe nenhuma preocupação com as pessoas que foram jogadas por lá, à margem do desenvolvimento, passando privações e necessidades de toda ordem. Protegem-se as cobras, negligenciam-se as pessoas.
Esta perigosa inversão atinge contornos mais preocupantes ao se analisar o que ocorreu na região de influência do porto de Santarém. Grande parte da comunidade santarense incorporou o discurso ambientalista das mais de 500 ONGs operantes na região e vê o aumento da produção de soja como uma ameaça ao invés de uma oportunidade. Alguns imaginam (ou fazem de conta) que apenas seus piscosos rios sejam capazes de manter economicamente sua população, enquanto esperam as promessas de que as riquezas da floresta sejam revertidas em aumento de sua renda. Hoje existem cinco ONGs para cada produtor de soja da região o que suscita duas incômodas perguntas: Todo este empenho será mesmo preocupação com o meio ambiente, ou enseja outros interesses inconfessáveis? Haverá em outro local do planeta ingerência tão forte como esta, afetando os desígnios de uma região?
Os ex-agricultores que hoje se encontram em várias regiões do Norte brasileiro, a maioria deles provenientes de outros estados da federação partiram, em outras épocas, na busca de um sonho de prosperidade onde o trabalho e não o assistencialismo seria seu alicerce de crescimento. Infelizmente esbarraram na incapacidade dos governos de acompanhá-los provendo suas necessidades mais urgentes, principalmente relacionadas à infraestrutura de estradas, energia e crédito.
Estes brasileiros, hoje marginalizados e considerados de segunda classe por grande parte da sociedade, promoveram a interiorização do país, mas hoje estão em vias de extinção, pois não há mais a disposição de abandonar o conforto das cidades para embrenhar-se no sertão inóspito e desassistido.
* O autor é Engº Agrº e produtor rural no MT
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