quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

O que será do agronegócio daqui a alguns anos?

Richard Jakubaszko
(artigo publicado no Agrolink em 15-08-2007, e na DBO Agrotecnologia, ago/set/2007) 
Não é uma tarefa tão difícil assim a de projetar como será o agronegócio daqui para frente, digamos de 15 ou 20 anos. Nem precisa de uma fértil imaginação. Ocorreu-me escrever sobre esse futuro a partir do gentil convite do Agrolink, fato que muito me honrou, para comemorar 2.000 crônicas já publicadas.

Pensei então sobre um dos mais profundos anseios humanos de todos os tempos, o de prever o futuro, um tema sobre o qual valeria a pena uma abordagem para comemorar as 2.000 brilhantes colunas já publicadas por este pujante site do agronegócio. É exatamente isso que as pessoas mais querem saber. Vamos ao futuro, ora, pois, e vejamos algumas projeções daquilo que imagino que vai e pode acontecer, ou seriam profecias idealizadas?

Assim, participem, critiquem, comentem, tem um espaço democrático aí embaixo, no fim da coluna, para o leitor se manifestar. Não há pessimismo ou otimismo em nada do que passo a conjecturar. 
A mais importante, e talvez a mais polêmica das minhas "profecias": dentro em breve, coisa para 15 ou 20 anos, no máximo, os alimentos de uma forma geral terão excepcional valorização monetária, irão agregar altíssimo valor ao trabalho do homem do campo. Não haverá necessidade de se fazer marketing para vender mais, e com isso se tentar agregar valor.

Nos próximos 10 a 15 anos os compradores ainda terão o privilégio de fazer o preço daquilo que o produtor rural vende hoje, ao contrário do que acontece com a indústria, que determina o quanto vai receber. Mas isso vai acabar, pela simples razão de que o aumento populacional irá atropelar a produção de alimentos, e não se conseguirá manter grandes estoques reguladores, ou de segurança – no caso segurança para os agentes financeiros de mercado.

Os fundos de investimento descobriram nesta primeira década dos anos dois mil que comida pode gerar muito lucro em suas especulações. Pelo menos quatro ou cinco questões variáveis justificam essa "profecia", que nada tem a ver com a teoria de Malthus, conforme alguns apressadinhos poderiam imaginar.

Afora o aumento populacional, que é a mais importante, a primeira variável diz respeito à melhoria na qualidade de vida de populações até então excluídas do consumo, em especial chineses e indianos. Somente a China, nos últimos 10 anos, urbanizou mais de 300 milhões de trabalhadores rurais, e outro tanto deve ser urbanizado nos próximos 10 anos, inclusos nessa  outra conta os indianos, além de trabalhadores de outros países orientais como Indonésia, Vietnã, Coréia, etc., que deixarão de produzir para sua subsistência e serão apenas consumidores urbanos, com seus automóveis e outros bens de consumo.

A segunda questão diz respeito à falta de áreas novas para a produção agrícola, áreas que no planeta são existentes em grandes extensões apenas no Brasil, e sem os críticos e neuróticos "policies" ambientalistas, como ocorre na Europa. O crescimento da área de plantio de cana-de-açúcar, no Brasil, não há dúvidas, vai absorver áreas de pastagens e até mesmo de plantio de grãos, empurrando-as para novas áreas do cerrado no Brasil Central.

Nos USA o plantio de milho continuará a crescer, para produção de etanol, e roubará áreas da soja, que ficará cada vez mais tropical e brasileira. Já o biodíesel brasileiro deverá estabilizar a produção utilizando-se da nossa maior diversidade de fontes de matérias primas. A soja será o parâmetro, funcionará como baliza e fiel da balança em relação às matérias primas. Se o preço da commodity soja cair no mercado o seu uso cresce como matéria prima do biodíesel, e se o preço subir outras fontes substitutas serão usadas. 
Acho que as duas coisas, somadas, já seriam explosivas, até porque os estoques de grãos começam a se reduzir.

Outras variáveis
Vejamos, entretanto, as variáveis climáticas. No hemisfério Sul há os fenômenos El Niño e La Niña, com excessos de chuva e seca, o que já ocorre faz alguns anos, sendo de todos conhecidos e temidos. Deverão ser intensificados, não tenhamos dúvidas, por conta do tal do aquecimento ambiental do planeta. Com isso teremos safras frustradas com maior freqüência. Essas variáveis climáticas vão atingir de forma mais intensa o hemisfério Norte. Não precisa de bola de cristal para prever que os furacões americanos serão mais freqüentes e destrutivos.

O mercado é um animal arisco, medroso, e o que mais gosta de fazer é especular. Lembremos dos preços do milho na última safra e safrinha, apesar dos recordes de produção, brasileiro e americano. Em outros tempos os preços teriam despencado e haveria uma quebradeira geral, tipo efeito dominó, com tsunami de sobremesa. Foi a primeira vez, em mais de 40 anos que acompanho o agronegócio, que vi commodity batendo recorde de produção e recorde de preço ao mesmo tempo. Um espanto.

Outra variável diz respeito aos ambientalistas. Pelo andar da carruagem, por exemplo, os transgênicos ainda levam de 5 a 10 anos para ter liberação de plantio comercial no Brasil. Lamentavelmente o Brasil se distancia de seus competidores – USA e Argentina - como fornecedor de grãos, porque a nossa tecnologia começa a se atrasar, perdemos competitividade, a ciência está travada, e não será fácil conquistar a dianteira no quesito produtividade.

Para complicar mais a vida dos agricultores os ambientalistas arrocham a fiscalização no quesito irrigação. Eles "entendem e imaginam" que a água vai acabar. Alegam que irrigação na agricultura "gasta" água, portanto deve ter o uso restrito, seja pela burocracia, seja pela cobrança de taxas. Será mais um fator limitante da agricultura competitiva, em especial no Centro-Oeste. 
Com isso a oferta adicional de alimentos, proveniente do Brasil, não será tão substancial como desejaríamos para atender os novos consumidores urbanos, sejam chineses ou indianos.

Lei de Murphy
Por fim, dentre as minhas "profecias", destaco a Lei de Murphy como variável que colocará os preços dos commodities em alta, para daqui a 15 ou 20 anos. Ou seja, se alguma coisa poderá dar errado para o consumidor, isso vai acontecer, não há dúvidas, a diferença é que o fenômeno Lei de Murphy pode ocorrer no mês que vem, ou daqui a 2 ou 3 anos, e antecipar o cenário que estou prevendo para daqui uns 15 ou 20 anos. Além de guerras e conflitos, a Lei de Murphy se apresenta por problemas pontuais que "enlouquecem" os agentes de mercado: um foco de Aftosa, como o que ocorreu meses atrás na Inglaterra é um bom exemplo. Ou a vaca louca nos USA e Canadá, ou mesmo a Aftosa aqui no Brasil ou Argentina. Os preços atingem níveis nunca vistos.

Bom, não esqueçamos da gripe aviária, ela anda voando por aí nas migrações de aves, sem passaportes e apátridas. Sabemos que o ser humano tem "cutucado a onça com vara curta", de forma irresponsável na questão ambiental, como se já não bastassem os desastres climáticos do tipo El Niño ou La Niña, mas os desastres que prevejo não necessariamente implicam na ação da natureza, mas na ação do homem.

Imaginem, por exemplo, como mais uma interferência da Lei de Murphy, o estouro ou desmoronamento de uma única das 10 ou 12 eclusas existentes no rio Mississipi, que serve de transporte para mais de 80% da produção do Corn Belt americano. Imaginou? Pois os preços praticados pelo mercado iriam explodir, em dois ou três dias bateriam todos os recordes históricos. Essa é uma catástrofe anunciada por alguns setores agrícolas dos americanos, que não conseguem as autorizações legais para fazer a manutenção das tais eclusas, por conta das dificuldades impostas pelos ambientalistas.

Ou seja, ambientalista brasileiro ou americano é tudo igual, é do contra, por princípio, sem nem saber porque, a qualquer hidrelétrica, barragem, até mesmo poço artesiano. Mexeu com água? Então não tem conversa, eles são contra. 
E aí? Dá para acrescentar algo de novo nesses cenários?

Devo explicar que não acredito no aparecimento de novas tecnologias salvadoras da pátria, para aumentar a produtividade, salvo um ou outro produto pontual, em especial nos agroquímicos, estimulando especialmente a fisiologia das plantas. Podemos ter aperfeiçoamentos e evoluções em máquinas, novos cultivares, quem sabe alguma evolução dos transgênicos, e ainda novas técnicas de manejo, mas nada significativo se vislumbra no horizonte. Daqui para frente o aumento da produção terá de ser pela incorporação de novas áreas e pela melhoria das produtividades médias, que ainda andam baixas perto das médias americanas e argentinas. Será ver para crer. Acredito que o horizonte do agronegócio brasileiro é risonho e altamente positivo. Não sou especialista como o agrônomo André Pessôa, mas também faço minhas previsões. 

Em tempo: após as minhas “previsões” acima, feitas em agosto último (2007), os preços dos commodities grãos estouraram no mercado. Errei no prazo, previsto para daqui a 10 ou 15 anos. Pois já começou. A revista The Economist, de 6 de dezembro 2007, fez matéria de capa sobre o tema, reconhecendo o aumento dos preços como definitivo. Vejam também a capa na aba lateral este blog.  Tenho, assim, a íntima satisfação de ter dado um "furo" nos ingleses. Entretanto, sem querer ser pessimista, a situação vai piorar, e pode ser já em 2008. Poderá até haver um certo equilíbrio de preços nos anos seguintes, mas entraram no jogo fatores de enorme influência, e que são os fundos de investimento. Eles descobriram nos commodities um excelente foco de especulação.
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Um comentário:

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