O mundo não conseguiu ainda sair do espanto causado pelas revelações do soldado Bradley Manning – cujo julgamento por traição começou há dias – e uma denúncia ainda mais grave foi encaminhada ao Guardian pelo ex-técnico da CIA Edward Snowden. O denunciante era, até o dia 20 de maio, um dos maiores especialistas em segurança de informações da Booz Allen, contratada pelo governo norte-americano para assessorar a NSA (Agência Nacional de Segurança).
quinta-feira, 13 de junho de 2013
Nada a fazer, tudo a fazer.
Mauro Santayana
O mundo não conseguiu ainda sair do espanto causado pelas revelações do soldado Bradley Manning – cujo julgamento por traição começou há dias – e uma denúncia ainda mais grave foi encaminhada ao Guardian pelo ex-técnico da CIA Edward Snowden. O denunciante era, até o dia 20 de maio, um dos maiores especialistas em segurança de informações da Booz Allen, contratada pelo governo norte-americano para assessorar a NSA (Agência Nacional de Segurança).
O mundo não conseguiu ainda sair do espanto causado pelas revelações do soldado Bradley Manning – cujo julgamento por traição começou há dias – e uma denúncia ainda mais grave foi encaminhada ao Guardian pelo ex-técnico da CIA Edward Snowden. O denunciante era, até o dia 20 de maio, um dos maiores especialistas em segurança de informações da Booz Allen, contratada pelo governo norte-americano para assessorar a NSA (Agência Nacional de Segurança).
De acordo com os documentos oficiais, filtrados por Snowden,
e não desmentidos, Obama determinou a invasão dos sistemas de comunicação
eletrônicos do mundo inteiro – também no
próprio território norte-americano. Os meios técnicos permitem aos invasores
capturar mensagens e documentos, apagar, reescrever, reendereçar emails. Mais
ainda: os hackers oficiais poderão intervir no sistema de comandos dos
computadores. Em tese, e de acordo com a tecnologia disponível, serão capazes
de alterar a rota dos aviões, provocar incidentes militares nas fronteiras,
falsificar telegramas diplomáticos, de forma a intrigar governos contra
governos.
Atos de espionagem e de provocação são comuns na História,
mas os meios tecnológicos de hoje os tornam catastróficos. A única esperança de
que planos como o do presidente Obama sejam
divulgados está nos cidadãos dos próprios países agressores que, os
conhecendo, como é o caso de Bradley Manning e de Edward Snowden, se disponham
a denunciá-los ao mundo.
Snowden, como Manning, é um homem ainda jovem. Aos 29 anos,
ganhando um bom salário, de 200 mil dólares brutos por ano, vivia com conforto
no Havai, com sua jovem namorada, quando, ao tomar conhecimento das 18 páginas
das diretivas de Obama aos serviços de segurança, resolveu revelá-los.
O governo norte-americano tenta minimizar a gravidade da
denúncia, ao afirmar que um tribunal criado para supervisionar os serviços de
informação e segurança aprovou a medida, da qual, também as comissões especiais
do Congresso tomaram conhecimento e lhe deram endosso.
Há várias questões postas, que devem ser examinadas com
serenidade. Em primeiro lugar, aquela velha presunção norte-americana de que
eles foram predestinados ao domínio universal, e foi definida pelo senador Fullbright como “a
arrogância do poder”. Sentindo-se os mais poderosos, assim como os soberanos, julgam-se
irresponsáveis pelos seus atos e inimputáveis.
Não consideram que haja acima deles nenhum poder punitivo. Seus
fundamentalistas protestantes, entre eles Bush II, acreditam agir com a cumplicidade de Deus. Foi assim
que o então presidente justificou a segunda guerra contra o Iraque: – em
conversa com o Todo Poderoso, dele ouviu a ordem de caçar Saddam Hussein e
eliminá-lo.
A espionagem e os atos de provocação são antigos na história
do poder. Todos os grandes sistemas da Antiguidade deles se valeram. Bismarck
foi um mestre na recuperação dessa
perfídia, ao falsificar um telegrama sobre encontro entre o embaixador francês
em Berlim e o kaiser Guilherme I, e, assim, provocar a Guerra Franco-Prussiana
de 1870. Mas nem o “Chanceler de Ferro”, nem Hitler, outro mestre nesse jogo
canalha, dispunham dos meios técnicos de manipulação como os de nosso tempo.
Outra lição do fato é a de que não há mais segredos no
mundo, principalmente quando o rege a lógica do mercado. Há, de acordo com as
informações oficiais, 25.000 pessoas envolvidas no sistema nacional de
segurança dos Estados Unidos, a maior parte delas funcionárias de empresas
privadas, como a Booz Allen, cujo faturamento, em 98%, é obtido em contratos
com a Agência Nacional de Segurança. É impossível, assim, manter essas
operações em sigilo.
Outra grande surpresa é o cinismo do presidente Barack
Obama, que irrompeu no cenário norte-americano como aquele predestinado a
recuperar os mais altos valores dos “pais fundadores” da grande república. Na
campanha eleitoral de 2008, ele qualificou os vazamentos do mau comportamento
do governo como “atos de coragem e patriotismo, que podem, muitas vezes, salvar
vidas e, com frequência, poupar dólares dos contribuintes, e devem ser
encorajados, em lugar de combatidos”, como ocorria durante a administração
Bush.
Na reação contra Manning e Assange, Obama absolve o
“guerreiro” Bush. Snowden, em entrevista ao Guardian, diz que se sente mais ou
menos seguro em Hong Kong, aonde chegou há 3 semanas. Mas os republicanos do Congresso
pediram ao governo que exija a sua extradição. Como se sabe, a autonomia da
antiga colônia britânica é limitada: o território está sob a soberania estatal
chinesa. Será interessante verificar se o governo chinês decidirá acatar um
pedido de extradição que um pequeno país, como o Equador, se nega a atender, no
caso de Julián Assange.
Os observadores se dividem, na previsão do que virá a
ocorrer, diante desse novo escândalo mundial. A maioria, com a mente já
colonizada pela hegemonia norte-americana, acha que nada há a fazer. Em suma, é
inevitável aceitar o mando norte-americano, para que nos salvemos do
“terrorismo islamita”, assim como foi melhor aceitar as inconveniências da
Guerra Fria, para que nos livrássemos do comunismo ateu.
Há, no entanto, os que sabem ser necessária uma aliança da
inteligência e da dignidade dos homens, a fim de reagir, enquanto há tempo,
contra essa tirania universal.
Saiu no JB Online, artigo de Mauro Santayana
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