Richard Jakubaszko
Um dos discursos mais lúcidos que já li ou ouvi, verdadeira poesia de humanismo.
Lindo, e ao mesmo tempo utópico, lamentavelmente. Humano, inegavelmente, mas tornar-se-á uma espécie de antevisão do fim, ou, exemplo de aviso prévio para a humanidade, que caminha para o precipício de forma coletiva, em vista do crescimento populacional, que não apenas polui, mas que esgota e consome todos os recursos disponíveis do planeta.
Lindo, e ao mesmo tempo utópico, lamentavelmente. Humano, inegavelmente, mas tornar-se-á uma espécie de antevisão do fim, ou, exemplo de aviso prévio para a humanidade, que caminha para o precipício de forma coletiva, em vista do crescimento populacional, que não apenas polui, mas que esgota e consome todos os recursos disponíveis do planeta.
Transcrevo abaixo.
Discurso de José
Mujica, na ONU.
Presidente uruguaio criticou o
capitalismo e o individualismo em discurso que empolgou nas Nações Unidas
Amigos, sou do sul, venho do
sul. Esquina do Atlântico e do Prata, meu país é uma planície suave, temperada,
uma história de portos, couros, charque, lãs e carne. Houve décadas púrpuras,
de lanças e cavalos, até que, por fim, no arrancar do século 20, passou a ser
vanguarda no social, no Estado, no Ensino. Diria que a social-democracia foi
inventada no Uruguai.
Durante quase 50 anos, o mundo
nos viu como uma espécie de Suíça. Na realidade, na economia, fomos bastardos
do império britânico e, quando ele sucumbiu, vivemos o amargo mel do fim de
mudanças funestas, e ficamos estancados, sentindo falta do passado.
Quase 50 anos recordando o
Maracanã, nossa façanha esportiva. Hoje, ressurgimos no mundo globalizado,
talvez aprendendo de nossa dor. Minha história pessoal, a de um rapaz — porque,
uma vez, fui um rapaz — que, como outros, quis mudar seu tempo, seu mundo, o
sonho de uma sociedade libertária e sem classes. Meus erros são, em parte,
filhos de meu tempo. Obviamente, os assumo, mas há vezes que medito com
nostalgia.
Quem tivera a força de quando
éramos capazes de abrigar tanta utopia! No entanto, não olho para trás, porque
o hoje real nasceu das cinzas férteis do ontem. Pelo contrário, não vivo para
cobrar contas ou para reverberar memórias.
Me angustia, e como, o amanhã
que não verei, e pelo qual me comprometo. Sim, é possível um mundo com uma
humanidade melhor, mas talvez, hoje, a primeira tarefa seja cuidar da vida.
Mas sou do sul e venho do sul,
a esta Assembleia, carrego inequivocamente os milhões de compatriotas pobres,
nas cidades, nos desertos, nas selvas, nos pampas, nas depressões da América
Latina pátria de todos que está se formando.
Carrego as culturas originais
esmagadas, com os restos de colonialismo nas Malvinas, com bloqueios inúteis a
este jacaré sob o sol do Caribe que se chama Cuba. Carrego as consequências da
vigilância eletrônica, que não faz outra coisa que não despertar desconfiança.
Desconfiança que nos envenena inutilmente. Carrego uma gigantesca dívida
social, com a necessidade de defender a Amazônia, os mares, nossos grandes rios
na América.
Carrego o dever de lutar por
pátria para todos.
Para que a Colômbia possa
encontrar o caminho da paz, e carrego o dever de lutar por tolerância, a
tolerância é necessária para com aqueles que são diferentes, e com os que temos
diferenças e discrepâncias. Não se precisa de tolerância com aqueles com quem
estamos de acordo.
A tolerância é o fundamento de
poder conviver em paz, e entendendo que, no mundo, somos diferentes.
O combate à economia suja, ao
narcotráfico, ao roubo, à fraude e à corrupção, pragas contemporâneas,
procriadas por esse antivalor, esse que sustenta que somos felizes se
enriquecemos, seja como seja. Sacrificamos os velhos deuses imateriais.
Ocupamos o templo com o deus mercado, que nos organiza a economia, a política,
os hábitos, a vida e até nos financia em parcelas e cartões a aparência de
felicidade.
Parece que nascemos apenas
para consumir e consumir e, quando não podemos, nos enchemos de frustração,
pobreza e até auto exclusão.
O certo, hoje, é que, para
gastar e enterrar os detritos nisso que se chama pela ciência de poeira de
carbono, se aspirarmos nesta humanidade a consumir como um americano médio,
seriam imprescindíveis três planetas para poder viver.
Nossa civilização montou um
desafio mentiroso e, assim como vamos, não é possível satisfazer esse sentido
de esbanjamento que se deu à vida. Isso se massifica como uma cultura de nossa
época, sempre dirigida pela acumulação e pelo mercado.
Prometemos uma vida de
esbanjamento, e, no fundo, constitui uma conta regressiva contra a natureza,
contra a humanidade no futuro. Civilização contra a simplicidade, contra a
sobriedade, contra todos os ciclos naturais.
O pior: civilização contra a
liberdade que supõe ter tempo para viver as relações humanas, as únicas que
transcendem: o amor, a amizade, aventura, solidariedade, família.
Civilização contra tempo livre
que não é pago, que não se pode comprar, e que nos permite contemplar e
esquadrinhar o cenário da natureza.
Arrasamos a selva, as selvas
verdadeiras, e implantamos selvas anônimas de cimento. Enfrentamos o
sedentarismo com esteiras, a insônia com comprimidos, a solidão com
eletrônicos, porque somos felizes longe da convivência humana.
Cabe se fazer esta pergunta,
ouvimos da biologia que defende a vida pela vida, como causa superior, e a
suplantamos com o consumismo funcional à acumulação.
A política, eterna mãe do
acontecer humano, ficou limitada à economia e ao mercado. De salto em salto, a
política não pode mais que se perpetuar, e, como tal, delegou o poder, e se
entretém, aturdida, lutando pelo governo. Debochada marcha de historieta
humana, comprando e vendendo tudo, e inovando para poder negociar de alguma
forma o que é inegociável. Há marketing para tudo, para os cemitérios, os
serviços fúnebres, as maternidades, para pais, para mães, passando pelas
secretárias, pelos automóveis e pelas férias. Tudo, tudo é negócio.
Todavia, as campanhas de
marketing caem deliberadamente sobre as crianças, e sua psicologia para influir
sobre os adultos e ter, assim, um território assegurado no futuro. Sobram
provas de essas tecnologias bastante abomináveis que, por vezes, conduzem a
frustrações e mais.
O homenzinho médio de nossas
grandes cidades perambula entre os bancos e o tédio rotineiro dos escritórios,
às vezes temperados com ar condicionado. Sempre sonha com as férias e com a
liberdade, sempre sonha com pagar as contas, até que, um dia, o coração para, e
adeus. Haverá outro soldado abocanhado pelas presas do mercado, assegurando a
acumulação. A crise é a impotência, a impotência da política, incapaz de
entender que a humanidade não escapa nem escapará do sentimento de nação.
Sentimento que está quase incrustado em nosso código genético.
Hoje é tempo de começar a talhar
para preparar um mundo sem fronteiras. A economia globalizada não tem mais
condução que o interesse privado, de muitos poucos, e cada Estado Nacional mira
sua estabilidade continuísta, e hoje a grande tarefa para nossos povos, em
minha humilde visão, é o todo.
Como se isto fosse pouco, o
capitalismo produtivo, francamente produtivo, está meio prisioneiro na caixa
dos grandes bancos. No fundo, são o vértice do poder mundial. Mais claro,
cremos que o mundo requer a gritos regras globais que respeitem os avanços da
ciência, que abunda. Mas não é a ciência que governa o mundo. Se precisa, por
exemplo, uma larga agenda de definições, quantas horas de trabalho e toda a
terra, como convergem as moedas, como se financia a luta global pela água e
contra os desertos.
Como se recicla e se pressiona
contra o aquecimento global. Quais são os limites de cada grande questão
humana. Seria imperioso conseguir consenso planetário para desatar a
solidariedade com os mais oprimidos, castigar impositivamente o esbanjamento e
a especulação. Mobilizar as grandes economias não para criar descartáveis com
obsolescência calculada, mas bens úteis, sem fidelidade, para ajudar a levantar
os pobres do mundo. Bens úteis contra a pobreza mundial. Mil vezes mais
rentável que fazer guerras. Virar um neo-keynesianismo útil, de escala
planetária, para abolir as vergonhas mais flagrantes deste mundo.
Talvez nosso mundo necessite
menos de organismos mundiais, desses que organizam fóruns e conferências, que
servem muito às cadeias hoteleiras e às companhias aéreas e, no melhor dos
casos, não reúne ninguém e nada transforma em decisões...
Precisamos sim mascar muito o
velho e o eterno da vida humana junto da ciência, essa ciência que se empenha
pela humanidade não para enriquecer; com eles, com os homens de ciência da mão,
primeiros conselheiros da humanidade, estabelecer acordos para o mundo inteiro.
Nem os Estados nacionais grandes, nem as transnacionais e muito menos o sistema
financeiro deveriam governar o mundo humano. Sim, a alta política entrelaçada
com a sabedoria científica, ali está a fonte. Essa ciência que não apetece o
lucro, mas que mira o por vir e nos diz coisas que não escutamos. Quantos anos
faz que nos disseram coisas que não entendemos? Creio que se deve convocar a
inteligência ao comando da nave acima da terra, coisas assim e coisas que não
posso desenvolver nos parecem impossíveis, mas requeririam que o determinante
fosse a vida, não a acumulação.
Obviamente, não somos tão
iludidos, nada disso acontecerá, nem coisas parecidas. Nos restam muitos
sacrifícios inúteis daqui para diante, muitos remendos de consciência sem
enfrentar as causas. Hoje, o mundo é incapaz de criar regras planetárias para a
globalização e isso é pelo enfraquecimento da alta política, isso que se ocupa
de todo. Por último, vamos assistir ao refúgio de acordos mais ou menos
"reclamáveis", que vão plantear um comércio interno livre, mas que,
no fundo, terminarão construindo parapeitos protecionistas, supranacionais em
algumas regiões do planeta. A sua vez, crescerão ramos industriais importantes
e serviços, todos dedicados a salvar e a melhorar o meio ambiente. Assim vamos
nos consolar por um tempo, estaremos entretidos e, naturalmente, continuará a
parecer que a acumulação é boa, para a alegria do sistema financeiro.
Continuarão as guerras e,
portanto, os fanatismos, até que, talvez, a mesma natureza faça um chamado à
ordem e torne inviáveis nossas civilizações. Talvez nossa visão seja demasiado
crua, sem piedade, e vemos ao homem como uma criatura única, a única que há
acima da terra capaz de ir contra sua própria espécie. Volto a repetir, porque
alguns chamam a crise ecológica do planeta de consequência do triunfo
avassalador da ambição humana. Esse é nosso triunfo e também nossa derrota,
porque temos impotência política de nos enquadrarmos em uma nova época. E temos
contribuído para sua construção sem nos dar conta.
Por que digo isto? São dados,
nada mais. O certo é que a população quadruplicou e o PIB cresceu pelo menos
vinte vezes no último século. Desde 1990, aproximadamente a cada seis anos o
comércio mundial duplica. Poderíamos seguir anotando dados que estabelecem a
marcha da globalização. O que está acontecendo conosco? Entramos em outra época
aceleradamente, mas com políticos, enfeites culturais, partidos e jovens, todos
velhos ante a pavorosa acumulação de mudanças que nem sequer podemos registrar.
Não podemos manejar a globalização porque nosso pensamento não é global. Não
sabemos se é uma limitação cultural ou se estamos chegando a nossos limites
biológicos.
Nossa época é portentosamente
revolucionária como não conheceu a história da humanidade. Mas não tem condução
consciente, ou ao menos condução simplesmente instintiva. Muito menos, todavia,
condução política organizada, porque nem se quer tivemos filosofia precursora
ante a velocidade das mudanças que se acumularam.
A cobiça, tão negativa e tão
motor da história, essa que impulsionou o progresso material técnico e
científico, que fez o que é nossa época e nosso tempo e um fenomenal avanço em
muitas frentes, paradoxalmente, essa mesma ferramenta, a cobiça que nos
impulsionou a domesticar a ciência e transformá-la em tecnologia nos precipita
a um abismo nebuloso. A uma história que não conhecemos, a uma época sem
história, e estamos ficando sem olhos nem inteligência coletiva para seguir
colonizando e para continuar nos transformando.
Porque se há uma
característica deste bichinho humano é a de que é um conquistador
antropológico.
Parece que as coisas tomam
autonomia e essas coisas subjugam os homens. De um lado a outro, sobram ativos
para vislumbrar tudo isso e para vislumbrar o rombo. Mas é impossível para nós
coletivizar decisões globais por esse todo. A cobiça individual triunfou
grandemente sobre a cobiça superior da espécie. Aclaremos: o que é "tudo",
essa palavra simples, menos opinável e mais evidente? Em nosso Ocidente,
particularmente, porque daqui viemos, embora tenhamos vindo do sul, as
repúblicas que nasceram para afirmas que os homens são iguais, que ninguém é
mais que ninguém, que os governos deveriam representar o bem comum, a justiça e
a igualdade. Muitas vezes, as repúblicas se deformam e caem no esquecimento da
gente que anda pelas ruas, do povo comum.
Não foram as repúblicas
criadas para vegetar, mas ao contrário, para serem um grito na história, para
fazer funcionais as vidas dos próprios povos e, por tanto, as repúblicas que
devem às maiorias e devem lutar pela promoção das maiorias.
Seja o que for, por
reminiscências feudais que estão em nossa cultura, por classismo dominador,
talvez pela cultura consumista que rodeia a todos, as repúblicas frequentemente
em suas direções adotam um viver diário que exclui, que se distância do homem
da rua.
Esse homem da rua deveria ser
a causa central da luta política na vida das repúblicas. Os governos republicanos
deveriam se parecer cada vez mais com seus respectivos povos na forma de viver
e na forma de se comprometer com a vida.
A verdade é que cultivamos
arcaísmos feudais, cortesias consentidas, fazemos diferenciações hierárquicas
que, no fundo, amassam o que têm de melhor as repúblicas: que ninguém é mais
que ninguém. O jogo desse e de outros fatores nos retém na pré-história. E,
hoje, é impossível renunciar à guerra quando a política fracassa. Assim, se
estrangula a economia, esbanjamos recursos.
Ouçam bem, queridos amigos: em
cada minuto no mundo se gastam US$ 2 milhões em ações militares nesta terra.
Dois milhões de dólares por minuto em inteligência militar!! Em investigação
médica, de todas as enfermidades que avançaram enormemente, cuja cura dá às
pessoas uns anos a mais de vida, a investigação cobre apenas a quinta parte da
investigação militar.
Este processo, do qual não
podemos sair, é cego. Assegura ódio e fanatismo, desconfiança, fonte de novas
guerras e, isso também, esbanjamento de fortunas. Eu sei que é muito fácil,
poeticamente, autocriticarmo-nos pessoalmente. E creio que seria uma inocência
neste mundo plantear que há recursos para economizar e gastar em outras coisas
úteis. Isso seria possível, novamente, se fôssemos capazes de exercitar acordos
mundiais e prevenções mundiais de políticas planetárias que nos garantissem a
paz e que a dessem para os mais fracos, garantia que não temos. Aí haveria
enormes recursos para deslocar e solucionar as maiores vergonhas que pairam
sobre a Terra. Mas basta uma pergunta: nesta humanidade, hoje, onde se iria sem
a existência dessas garantias planetárias? Então, cada qual esconde armas de
acordo com sua magnitude, e aqui estamos, porque não podemos raciocinar como
espécie, apenas como indivíduos.
As instituições mundiais,
particularmente hoje, vegetam à sombra consentida das dissidências das grandes
nações que, obviamente, querem reter sua cota de poder.
Bloqueiam esta ONU que foi
criada com uma esperança e como um sonho de paz para a humanidade. Mas, pior
ainda, desarraigam-na da democracia no sentido planetário porque não somos
iguais. Não podemos ser iguais nesse mundo onde há mais fortes e mais fracos.
Portanto, é uma democracia ferida e está cerceando a história de um possível
acordo mundial de paz, militante, combativo e verdadeiramente existente. E,
então, remendamos doenças ali onde há eclosão, tudo como agrada a algumas das
grandes potências. Os demais olham de longe. Não existimos.
Amigos, creio que é muito
difícil inventar uma força pior que nacionalismo chovinista das grandes
potências. A força é que liberta os fracos. O nacionalismo, tão pai dos
processos de descolonização, formidável para os fracos, se transforma em uma
ferramenta opressora nas mãos dos fortes e, nos últimos 200 anos, tivemos
exemplos disso por toda a parte.
A ONU, nossa ONU, enlanguece,
se burocratiza por falta de poder e de autonomia, de reconhecimento e,
sobretudo, de democracia para o mundo mais fraco que constitui a maioria
esmagadora do planeta. Mostro um pequeno exemplo, pequenino. Nosso pequeno país
tem, em termos absolutos, a maior quantidade de soldados em missões de paz em
todos os países da América Latina. E ali estamos, onde nos pedem que estejamos.
Mas somos pequenos, fracos. Onde se repartem os recursos e se tomam as
decisões, não entramos nem para servir o café. No mais profundo de nosso
coração, existe um enorme anseio de ajudar para que o homem saia da
pré-história. Eu defino que o homem, enquanto viver em clima de guerra, está na
pré-história, apesar dos muitos artefatos que possa construir.
Até que o homem não saia dessa
pré-história e arquive a guerra como recurso quando a política fracassa, essa é
a larga marcha e o desafio que temos daqui adiante. E o dizemos com
conhecimento de causa. Conhecemos a solidão da guerra. No entanto, esses
sonhos, esses desafios que estão no horizonte implicam lutar por uma agenda de
acordos mundiais que comecem a governar nossa história e superar, passo a
passo, as ameaças à vida. A espécie como tal deveria ter um governo para a
humanidade que superasse o individualismo e primasse por recriar cabeças
políticas que acudam ao caminho da ciência, e não apenas aos interesses
imediatos que nos governam e nos afogam.
Paralelamente, devemos
entender que os indigentes do mundo não são da África ou da América Latina, mas
da humanidade toda, e esta deve, como tal, globalizada, empenhar-se em seu
desenvolvimento, para que possam viver com decência de maneira autônoma. Os recursos
necessários existem, estão neste depredador esbanjamento de nossa civilização.
Há poucos dias, fizeram na
Califórnia, em um corpo de bombeiros, uma homenagem a uma lâmpada elétrica que
está acesa há cem anos. Cem anos que está acesa, amigo! Quantos milhões de
dólares nos tiraram dos bolsos fazendo deliberadamente porcarias para que as
pessoas comprem, comprem, comprem e comprem.
Mas esta globalização de olhar
para todo o planeta e para toda a vida significa uma mudança cultural brutal. É
o que nos requer a história. Toda a base material mudou e cambaleou, e os
homens, com nossa cultura, permanecem como se não houvesse acontecido nada e,
em vez de governarem a civilização, deixam que ela nos governe. Há mais de 20
anos que discutimos a humilde taxa Tobin. Impossível aplicá-la no tocante ao
planeta. Todos os bancos do poder financeiro se irrompem feridos em sua
propriedade privada e sei lá quantas coisas mais. Mas isso é paradoxal. Mas,
com talento, com trabalho coletivo, com ciência, o homem, passo a passo, é
capaz de transformar o deserto em verde.
O homem pode levar a
agricultura ao mar. O homem pode criar vegetais que vivam na água salgada. A
força da humanidade se concentra no essencial. É incomensurável. Ali estão as
mais portentosas fontes de energia. O que sabemos da fotossíntese? Quase nada.
A energia no mundo sobra, se trabalharmos para usá-la bem. É possível arrancar
tranquilamente toda a indigência do planeta. É possível criar estabilidade e
será possível para as gerações vindouras, se conseguirem raciocinar como
espécie e não só como indivíduos, levar a vida à galáxia e seguir com esse
sonho conquistador que carregamos em nossa genética.
Mas, para que todos esses
sonhos sejam possíveis, precisamos governar a nos mesmos, ou sucumbiremos porque
não somos capazes de estar à altura da civilização em que fomos desenvolvendo.
Este é nosso dilema. Não nos
entretenhamos apenas remendando consequências. Pensemos nas causas profundas,
na civilização do esbanjamento, na civilização do usa-tira que rouba tempo mal
gasto de vida humana, esbanjando questões inúteis. Pensem que a vida humana é
um milagre. Que estamos vivos por um milagre e nada vale mais que a vida. E que
nosso dever biológico, acima de todas as coisas, é respeitar a vida e
impulsioná-la, cuidá-la, procriá-la e entender que a espécie é nosso
"nós".
Obrigado.
Tradução: Fernanda Grabauska
Publicado em Zero Hora, Porto
Alegre, 26/9/2013.
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