segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015
A crise da água e a transferência de responsabilidades
Vladimir Safatle
(Na Carta Capital) - No caso da crise hídrica de São Paulo, a causa tem nome e sobrenome: Geraldo Alckmin.
Já em plena crise hídrica, o patético esforço da oligarquia tucana para explicar o desastre que ela própria provocou.
A metáfora não poderia ser melhor. O Brasil tem em seu território uma das maiores reservas hídricas de água potável do mundo, algo em torno de 12% de toda a reserva mundial. Em 2015, o estado mais rico da federação, comandado por uma oligarquia que se perpetua no poder há mais de 20 anos, está prestes a colocar em marcha uma política de guerra para racionar água, acrescentando assim outro capítulo ao “racionamento que tem medo de dizer seu nome” aplicado há meses no estado.
Até mesmo a hipótese de evacuação parcial da cidade de São Paulo foi discutida. Ou seja, mesmo quando temos todos os recursos disponíveis conseguimos chegar em uma situação de catástrofe.
Poderíamos começar aqui por fazer explicações, as mais inteligentes e elaboradas, remetendo as razões da crise hídrica ao “patrimonialismo ibérico”, ao “despreparo dos governantes”, à “falta de estatura moral do povo”, ao “degelo da Era Glacial” ou qualquer outro candidato a significante vazio da vez. No entanto, muitas vezes fazemos de tudo para procurar causas distantes e genéricas simplesmente para não tomar providências diante das causas diretas e visíveis a qualquer um que queira ver.
No caso da crise hídrica de São Paulo, a causa tem nome e sobrenome: o governador Geraldo Alckmin, assim como seus antecessores diretos, todos eles ligados ao mesmo grupo político. Não é possível que setores da população de São Paulo continuem com essa incapacidade patológica de responsabilizar claramente quem tem a responsabilidade direta sobre o problema. Foi tal incapacidade que se expressou, por exemplo, na maneira errática com que setores hegemônicos da imprensa trataram o problema e suas causas, sem aquele ímpeto investigativo conhecido de todos quando é questão de explorar as responsabilidades do governo federal. Foi ela que deu a tais governos a sensação de impunidade, de poder fazer o que bem entender, escondendo informações da população, jogando com a sorte para ver se chove no lugar certo. Tudo isso até chegarmos nesse ponto deplorável.
Os estudos agora começam a se avolumar, mostrando a ausência de um planejamento mínimo de longo prazo, assim como falta de investimento em obras essenciais, desconhecimento completo de problemas ecológicos e de impacto ambiental, complacência com a especulação imobiliária em áreas de mananciais. Ou seja, uma quantidade tão grande de inépcia e ausência de reconhecimento honesto dos problemas diante da população, ––nos confere o direito de perguntar se realmente precisamos de governo estadual. Ter deixado tudo sem administração não teria produzido resultados muito diferentes dos atuais.
Por exemplo, pergunte-se há quanto tempo o Rio Tietê está “em processo de despoluição” e quais são seus maravilhosos resultados. Se a política que, salvo engano, começou no governo Fleury, tivesse sido conduzida de maneira séria, poderíamos ter um rio integrado ao sistema hídrico estadual. Pergunte-se qual a última vez que um reservatório foi construído no estado ou qual o resultado efetivo da abertura do capital da Sabesp. Sim, há muitas perguntas a serem formuladas.
No entanto, o que não podemos mais fazer é nos escondermos no cinismo covarde de quantos reconhecem o caráter insuportável da situação, mas se apressam a dizer: “Bem, não há alternativa mesmo, então melhor não fazer nada”. As alternativas são criadas quando mostramos nossa indignação e recusamos o que tenta se impor a nós com a única justificativa de dever continuar porque aqui já está. São Paulo é um estado com grande inteligência e capacidade de criação, com duas das mais importantes universidades do Brasil capazes de estudos que o governo estadual ama ignorar. Setor algum da população é ouvido na discussão de políticas que afetam a todos. Apenas a arrogância tecnocrática de sempre, com seus resultados patéticos de sempre.
Por fim, há de se lembrar de que um país com os recursos hídricos do Brasil não teria o direito de impor tamanha humilhação à sua população, em especial o setor mais pobre, que sofre as consequências da irresponsabilidade governamental há tempos. O esgotamento do cenário político nacional é acompanhado de um esgotamento ainda mais impressionante no plácido cenário estadual do Tucanistão. Há de se virar todas as páginas.
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