terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Mar morto

por Xico Graziano *

(publicado no jornal O Estado de São Paulo, nesta data)

Passada a ressaca do carnaval, terminam pra valer as férias. Milhões de brasileiros se deliciaram com as belezas do litoral. A areia da praia se acalmará. O mar, tristemente, estará mais poluído.
Embalagens, sacos plásticos, garrafas, fraldas descartáveis, camisinhas, tudo quanto é porcaria da civilização tende, desgraçadamente, a rumar para o oceano. Os dejetos chegam nadando nas águas da chuva e dos rios, eles próprios quase sempre enegrecidos e mal cheirosos. Basta conferir algumas capitais brasileiras situadas na orla.

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Quem viajou ao Nordeste ultimamente pode testemunhar a tragédia crescente da poluição marítima. Em Maceió, por exemplo, a bela praia de Jatiúca sofre com a feia agressão ambiental. Turistas, muitos deles estrangeiros, se arrependem de deixar as piscinas do hotel para caminhar na areia salgada. Seus passos trombam com pedaços de boneca, tubos de pasta de dente, potes de macarrão barato e, sempre, muitos materiais plásticos, de todas as cores, formatos, texturas, tamanhos, finalidades. Uma barbaridade.

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Como se não bastasse o lixo, algas escuras se prendem nos detritos sobre a praia, formando um esquisito encaracolado que se enrosca no pé do cidadão ao caminhar. Ou no pescoço do fulano, caso ele se arrisque a dar um pulo nas ondas do mar. Dá até dó dos teimosos pescadores, que não se cansam de limpar suas redes e anzóis dessa gosma mal cheirosa que turva a natureza.

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Eutrofização. Assim os cientistas denominam tal fenômeno. Potássio, fósforo, nitrogênio, enxofre: os elementos químicos presentes em detergentes, restos de alimentos, óleo de cozinha, na urina e nas fezes humanas, nos fertilizantes agrícolas, formam um caldo de cultura favorável ao crescimento dos organismos aquáticos. A poluição, guardado limites, serve como adubo para as algas marinhas.
Os oceanos, em todo o mundo, se emporcalham de sujeira e se contaminam com a poluição. Afora os desastres com navios petroleiros - 4,5 milhões de toneladas de petróleo vazam por ano alhures – verdadeiras “zonas mortas” estão se constituindo distantes da costa, acumulando detritos. Elas se formam devido ao movimento circular das correntes marinhas. Parte do lixo se deposita no fundo do mar. O restante flutua ao sabor dos giros oceânicos.

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As primeiras "zonas mortas" foram descobertas na década de 1970, na costa Leste dos EUA e nos fiordes escandinavos. Hoje já se contam cerca 200 dessas áreas hipóxicas, quer dizer, com reduzido oxigênio, tenebrosamente espalhadas por todos os continentes. A proliferação exagerada de algas nesses sujos locais consome o oxigênio e ameaça o equilíbrio dos ecossistemas marinhos.
A poluição dos oceanos recebeu destaque recente na mídia, devido à grande mancha de lixo formada no Pacífico, a dois mil quilômetros do litoral do Havaí, no sentido da Califórnia. Trata-se do maior depósito marinho de entulhos que se conhece. Estima-se que o volume de garrafas, plásticos, redes de pesca, roupas, entre outros, alcance 3 milhões de toneladas nessa grande mancha. Algo como 500 mil caminhões carregados de lixo boiando na água. Horror da civilização.

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Mar Morto. Ensina-se desde a escola fundamental que os peixes não sobrevivem naquele estranho mar do Oriente Médio. Alimentado pelas águas do bíblico rio Jordão, a elevada salinidade - dez vezes superior ao nível normal dos oceanos - impede ali a vida. Sua agonia aumenta, já que nos últimos 50 anos consta ter ele perdido um terço de sua superfície, secando sua maré. Um desastre ecológico irreversível no berço do cristianismo.

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As “zonas mortas” dos oceanos, porém, podem ser combatidas e evitadas. Basta estancar a sujeira que nele se deposita. A começar pela limpeza das praias. O serviço de limpeza urbana das cidades litorâneas do Brasil deixa a desejar. Não é caro, nem difícil manter limpas as praias. Trata-se de querer fazer, priorizar. Mas a administração pública apenas agora começa a prestar a devida atenção na agenda ambiental. E a maioria da população, ainda sofrida com as durezas do cotidiano, mal conhece a crise ecológica. Falta, assim, decisão política a favor da preservação da natureza.
O poder público municipal, a quem cabe a tarefa da limpeza urbana e do tratamento dos esgotos domésticos, costuma empurrar com a barriga a solução dos antigos problemas ambientais. As notícias, todavia, como essas da morte dos mares, tornam-se assustadoras. Já não bastavam os vergonhosos lixões a céu aberto do interior, agora são os oceanos que se entopem dessa fétida mistura de lixo e alga. Vida e morte.

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O pessoal da cidade grande, com certo preconceito, julga os agricultores caipiras. Pode ser uma vantagem. Lá na fazenda, porém, o contato direto com a natureza permite uma tomada de consciência mais rápida sobre o drama ecológico que afeta o mundo. E nessa matéria do lixo, o campo tem uma lição a ensinar.

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Também na roça se acumulavam montanhas de embalagens, só que de agrotóxicos. Ninguém sabia o que fazer com tais perigosos vasilhames, frascos e galões, de vidro ou com duros plásticos, coloridos conforme o marketing das empresas que vendem todo tipo de veneno agrícola. Há cerca de 15 anos, todavia, com a concordância de todo o setor agrícola, surgiu a solução.
Hoje o Brasil é líder mundial (acima de 90%) no recolhimento de embalagens vazias de agrotóxicos. A lei estabelece: quem vende se obriga a receber de volta o resíduo gerado. As empresas e as cooperativas organizaram esquemas com logística adequada. Os agricultores foram conscientizados. Demorou um pouco, mas funcionou uma maravilha.
Dá vontade de convidar uns caipiras para ajudar a salvar da agonia os oceanos.

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* Xico Graziano é Engenheiro Agrônomo, secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, e editor da AgroBrasil.
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sábado, 14 de fevereiro de 2009

Língua lambida

Roberto Barreto, de Catende
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Urupês, o livro de contos de Monteiro Lobato, chacoalhou um monte de coisas no Brasil. Criou expressões que entrariam em definitivo nos dicionários e no falar cotidiano – quem não sabe o que significa Jeca? -, balançou o coreto da indústria editorial brasileira, com a criação da Companhia Editora Nacional, e bateu de frente no trem da reforma ortográfica da época. Como estamos de caneta e teclado em punho nos esbatendo contra a reforma ortográfica atual, divirtamo-nos com o mestre que classificava como involução o acento grave, o trema e a acentuação de um monte de palavras, coisas que mereciam "pau, pau e mais pau".
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Comparava o português e o francês, ricas em acentos, com a língua inglesa, esta despida desses penduricalhos que a transformariam em aparatos de derrota contra outros povos. Diz nosso Lobato que, enquanto os ingleses empolgavam o mundo, os franceses, como vítimas, estavam preocupados em colocar acentos em palavras. O pai de Narizinho considerava a obrigatoriedade dos acentos uma lei idiota, mais além, morta, assinada por paspalhões com canetas impotentes. Trema, acento grave e o pronome outro, com circunflexo, eram, para ele, imbecilidades puras, marcas do "carneirismo, do servilismo a tudo quanto cheira a oficial". Na fazenda Buquira, herdada do avô, escreveu Jeca Tatu, símbolo nacional.
Urupês surgiu quando a primeira grande Guerra estrebuchava. Noventa e um anos depois, uma nova reforma ortográfica dá razão a Monteiro Lobato, pelo menos no tocante ao trema, espécie de reticência mutilada que, agora, cai, mas pairava como cataporas extraterrestres sobre a letra u no português do Brasil, conquanto abolida do de Portugal desde 1º de janeiro de 1946.
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Lobato afirmava não ser "mé" e não admitia acentos em coisa alguma do que escrevia, além de não ler nada que os trouxesse. Diante da atual batalha no campo da grafia, sinto falta do nosso sansão de Taubaté, que com certeza continuaria combatendo a crase e os hífens e diacríticos com a esperteza de um Matimpererê ou Matintaperera, ou seja, de um Saci, guardião das nossas florestas, que dispensa uma das pernas para pular e fazer suas diabruras, azedando o leite, quebrando pontas de agulhas, botando moscas na sopa, queimando o feijão no fogo e gorando os ovos das ninhadas.
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Cá, nos trópicos, há quem defenda o chapéu em virtude dos perigos da insolação, sem a camada de ozônio, sobre frágeis vogais. Respeite-se, porque, lingüisticamente – ainda com o trema que o sistema de Bill Gates continua defendendo –, não vejo como ir de encontro a argumento tão sério.
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Quanto a suprimir certas consoantes, não vejo problema, afinal, coisas como acção, óptimo, exacto e similares representam um desperdício inaceitável de prolação, tinta, tempo e espaço. Há aqueles que acham que seu vôo, com circunflexo, vai mais longe, ótimo, terão até 2012 para brincar com o mesmo como pipa. Se você considera que sua idéia se enfraquece, sem acento agudo, lixe-se para os reformistas. Qual a sua opinião sobre a idéia de que o hífen desaparece quando se perde a noção da composição de outras duas palavras? Girassol, por exemplo, fica mais formosa com ou sem? E se desaparece o traço de tira-teima? Finalmente, você acredita numa Academia Brasileira de Letras que tem, entre seus membros, José Sarney, com seus "baldes de juçaras e de sofrimentos?"
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( (Comentário do blogueiro: concordo com Roberto Barreto, de Catende, e dou fé, mas lamento informar aos lingüistas que sou um pouquinho mais radical. Acho, na verdade, que além de suprimir todos os acentos da língua portuguesa, deveríamos suprimir as letras com sons iguais, ou seja, eliminar o Ç ou o SS, optar pelo J ou pelo G, o S com som de Z. Mas isso vai ficar para a próxima reforma, lá pelo fim do Século XXI, não tenhamos dúvidas.)
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terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Clichê: antigamente era assim...

Richard Jakubaszko
Clichê pra você quer dizer o quê? Uma frase chavão e repetida por todos em determinadas situações? 
Pois antigamente, até a década de 60, era um artefato feito em uma chapa grossa de chumbo, em alto relevo, onde se gravavam as imagens e textos de um anúncio, e que o jornal usava para gravar nas chapas que iriam para as rotativas imprimir o jornal. 
Os clichês eram gravados espelhados, ou seja, a imagem que se via estava invertida, só se podia ler o que estava escrito se colocássemos o clichê contra um espelho, eram pesados (os office boys sofriam um bocado para transportá-los até os jornais, eu mesmo ganhei diversos calos nas mãos naquela época em que fui boy na JWT, escritório de Porto Alegre), e muitas vezes tinham um suporte de madeira, com 2 cm de espessura, no tamanho exato deles, onde o clichê era fixado, para evitar deformações ou que entortasse. 

Para economia dos custos de produção das campanhas, em algumas situações os clichês eram retirados de um jornal para serem entregues em outro, e apesar de previamente limpos sujavam os coitados dos office boys, mãos, braços e roupas, com uma tinta preta dificílima de sair. Clichês não davam boa impressão, e os jornais da época também sujavam de preto as mãos de seus leitores. 

Com o tempo, ainda década de 60, vieram os clichês de plástico enrijecido, vermelhos, mais baratos, mais leves, que aliviaram o trabalho dos boys, e logo em seguida apareceram os fotolitos, depois rotofilmes, e até desses a modernidade já vai se desfazendo, com o uso dos materiais digitais e virtuais, entregues via Internet banda larga num piscar de olhos, ou via CD. Simples, prático e eficiente. 

Contei isso porque outro dia mostrei a amigos, alguns deles  jovens  jornalistas, um folheto relativo a um prêmio de jornalismo existente na década de 70 e cuja capa tinha como ilustração uma foto de um clichê dourado, em relevo, sem a imagem invertida. Alguns perguntaram o que era aquilo, comprovando que aqueles jovens não conheciam clichês, até porque nasceram todos depois da sua extinção. 

Daí prá contar as pegadinhas da época foi um pulo, como a de mandar os estagiários ou boys novatos em caráter de urgência ao departamento comercial do jornal para buscar a calandra. Explico que a calandra era justamente a máquina onde se colocavam os clichês, lado a lado com outros clichês e com os textos das notícias para gravar, sob alta pressão, a imagem dos clichês em uma chapa para depois irem para as rotativas. As calandras eram máquinas que pesavam toneladas... 

O pessoal dos jornais levava na gozação a ignorância dos estagiários e boys e ao invés de “entregar” a calandra, conforme solicitado, mandavam o estagiário voltar com um pedido de esclarecimento, se a calandra era quente ou fria, e este retornava depois, ofegante, era quente, mas ainda teria que esclarecer se com tinta ou sem tinta, e depois qual a cor, o que provocava umas 4 ou 5 viagens do pobre infeliz. No fundo, eram brincadeiras sadias, que acabavam ensinando o jovem inexperiente. Com o tempo a expressão clichê tomou outro sentido, deixou de ser substantivo para ser adjetivo.
Era assim...
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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Aprender a ser

Recebi por e-mail de Bete Cervi,
"Divido com você um texto de Willian Shakespeare que gosto muito, e tenho guardado há um bom tempo." Bete Cervi

por Veronica Shoffstall, escritora americana (e não por Willian Shakespeare, conforme creditado anteriormente: ver as razões em "comentários", no rodapé deste artigo. Desculpem a falha deste blogueiro. Internet é uma praga!)
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Aprender a ser (título atribuído por este blogueiro)
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"Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença, entre dar a mão e acorrentar uma alma.
E você aprende que amar não significa apoiar-se e que a companhia nem sempre significa segurança.
E começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas.
E começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança.
E aprende a construir todas as suas estradas no hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos e o futuro tem o costume de cair em meio ao vazio.
Depois de um tempo você aprende que o sol queima se ficar exposto por muito tempo. E aprende que não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam...
E aceita que não importa quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e você precisa perdoá-la por isso.
Aprende que falar pode aliviar dores emocionais.
Descobre que leva-se anos para construir confiança e apenas segundos para destruí-la e que você pode fazer coisas em um instante, das quais se arrependerá pelo resto da vida.
Aprende que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias.
E o que importa não é o que você tem na vida, mas quem você tem na vida.
E que bons amigos são a família que nos permitiram escolher.
Aprende que não temos que mudar de amigos se compreendemos que os amigos mudam.
Percebe que seu melhor amigo e você podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos.
Descobre que as pessoas com quem você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa.
Por isso, sempre devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas - pode ser a última vez que as vejamos.
Aprende que as circunstâncias e os ambientes têm influência sobre nós, mas nós somos responsáveis por nós mesmos.
Começa a aprender que não se deve comparar com os outros, mas com o melhor que pode ser. Descobre que se leva muito tempo para se tornar a pessoa que quer ser, e que o tempo é curto.
Aprende que não importa onde já chegou, mas onde está indo. Mas se você não sabe para onde está indo, qualquer lugar serve.
Aprende que, ou você controla seus atos ou eles o controlarão, e que ser flexível não significa ser fraco ou não ter personalidade, pois não importa quão delicada e frágil seja uma situação, sempre existem dois lados.
Aprende que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer, enfrentando as conseqüências.
Aprende que paciência requer muita prática. Descobre que, algumas vezes, a pessoa que você espera que o chute quando você cai, é uma das poucas que o ajudam a levantar-se.
Aprende que maturidade tem mais a ver com os tipos de experiência que se teve e o que você aprendeu com elas, do que com quantos aniversários você celebrou.
Aprende que há mais dos seus pais em você do que você supunha.
Aprende que nunca se deve dizer a uma criança que sonhos são bobagens, poucas coisas são tão humilhantes e seria uma tragédia se ela acreditasse nisso.
Aprende que quando está com raiva tem o direito de estar com raiva, mas isso não lhe dá o direito de ser cruel.
Descobre que, só porque alguém não o ama do jeito que você quer que ame, não significa que esse alguém não o ama com tudo o que pode, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não sabem como demonstrar ou viver isso.
Aprende que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes você tem que aprender a perdoar a si mesmo.
Aprende que com a mesma severidade com que julga, você será, em algum momento, condenado.
Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não pára para que você o conserte.
Aprende que o tempo não é algo que possa voltar atrás.
Portanto, plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores.
E você aprende que realmente pode suportar... que realmente é forte, e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais.
E que realmente a vida tem valor e que você tem valor diante da vida! "
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sábado, 31 de janeiro de 2009

Erros de agrônomos e de médicos

Richard Jakubaszko 
Muito conhecido por todos que labutam no agronegócio o aforismo que nos informa que “Os erros dos agrônomos a terra mostra e os erros dos médicos a terra esconde”. Essa é a história de um agrônomo que não errou, e consta que teria sido ele o criador da já famosa máxima. 

Pois o Dr. Jarbas, como era chamado, era conhecido, respeitado e admirado como produtor rural exemplar na sua região, no planalto central gaúcho. Plantava arroz, principalmente, e criava gado. O arroz era irrigado, nas áreas de várzea, para melhorar as pastagens para o gado. 

Um dia, já nos anos dourados da década dos sessenta, estava ele na lavoura quando chegou correndo esbaforido um empregado, e dava notícias de um acidente com a Dona Maria, esposa do Dr. Jarbas. 
Ele pegou a camioneta e foi “voando” até a sede da fazenda, que ficava a meia dúzia de quilômetros de onde estava. Encontrou a esposa queixando-se de fortíssimas dores, e já acomodada na cama pelas empregadas da casa. Havia escorregado na banheira e batera com as costas na borda da dita cuja. 

Chamaram o médico da família e este chegou rápido. Depois de um exame clínico na Dona Maria recomendou a remoção urgente para a capital, pois seria provável uma cirurgia de emergência. No município não havia ambulância para o transporte da acidentada. 
Dr. Jarbas ligou para Porto Alegre e mandou vir um avião, que alugou por telefone mesmo, afinal era homem de posses e não faria economia numa situação daquelas. 

Menos de quatro horas depois estavam na capital e Dona Maria foi hospitalizada e submetida a inúmeros exames. Naqueles tempos não havia modernidades como a tomografia computadorizada, e os médicos tinham de interpretar uma radiografia. 
Foi depois da leitura e análise de várias radiografias que o médico da capital, chamado de Dr. Cardoso, mas ainda muito jovem, determinou apenas a internação para observação da paciente. 

Alguns dias após a internação, e apesar dos remédios, as fortes dores de Dona Maria se mostravam renitentes em ir embora e seu quadro piorava. Passou a ter febre, enjôos, mal-estares diversos, e a pressão baixava repentinamente, ia “lá nos calcanhares”, colocando as enfermeiras em polvorosa. Chegaram a enfaixar o tórax de Dona Maria para que ela suportasse as dores. 

Jarbas, o marido e agrônomo, já estava desesperado, irritado e angustiado, e via o quadro clínico da patroa piorar dia a dia. Resolveu chamar um outro médico, professor da faculdade, e este após examinar a Dona Maria fez a ameaça: “Tem de operar agora, cada minuto perdido será um enorme perigo, e de graves prejuízos, ela está com 3 costelas trincadas e o baço rompeu-se, está com hemorragia e corre perigo até de vir a falecer, ou no mínimo ficar paraplégica”. 

Jarbas autorizou de imediato a delicada intervenção cirúrgica. 
A cirurgia durou mais de 8 horas, com a participação de uma grande equipe médica. Já no dia seguinte à operação o professor e médico avisou da possibilidade de Dona Maria ficar com problemas de locomoção, pois haviam demorado muito em tomar providências, os tecidos e músculos haviam inchado de tal maneira que pressionavam a coluna e outras costelas e dificultaram muito os delicados procedimentos cirúrgicos. 
Os dias se passaram, Dona Maria teve uma boa recuperação em relação às dores, mas não conseguia movimentar-se direito. 
Quase um mês depois teve alta, já com a certeza de que deveria fazer muita fisioterapia especializada para tentar recuperar movimentos de pernas, e teria de usar cadeira de rodas, provavelmente pelo resto da vida. 

Ao fechar a conta no hospital o Dr. Jarbas deu de encontro com um recibo do jovem médico Dr. Cardoso, que internara Dona Maria. Recibo de altíssimo valor, já para aquela época, digamos, em dinheiro de hoje, equivalentes a mais de dez mil dólares. 
Pois o Dr. Jarbas disse que só pagaria aquela despesa se fosse pessoalmente, não pagaria ali na boca do caixa. Quitou todas as outras dívidas, deduzidos os valores apresentados pelo jovem médico. Nesse meio tempo veio o aviso de que o Dr. Cardoso poderia receber o Dr. Jarbas. 

Depois de entrar na sala do jovem médico Dr. Jarbas sentou-se na cadeira, fez o cheque no valor apresentado, e nem regateou desconto, mas disse em alto e bom som que estava pagando porque não havia perguntado antes quanto custariam os serviços do médico. 
Acrescentou que, devido aos problemas causados pelo erro de diagnóstico, ele pagava aquele valor absurdo na expectativa de que o jovem médico comprasse, com aquele dinheiro, todos os livros de medicina possíveis, e fizesse muitos cursos suplementares. 

E enfatizou: “não sabes quase nada de medicina, ainda, meu jovem, e espero que com o que vieres a aprender nos livros que vais comprar não cometas novos erros com outras pessoas inocentes”. 
E lascou a famosa frase de que “os meus erros a terra mostra, os teus a terra esconde”. 
Foi assim. 

O texto acima foi extraído e adaptado do livro “Meu filho, um dia tudo isso será teu”, de minha autoria, a ser lançado nos próximos meses, e que trata de como transmitir vocação e aptidão para o trabalho na área rural, além de contar segredos de como fazer a transmissão de patrimônios aos herdeiros.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O marketing rural está em crise e sem lideranças

Richard Jakubaszko 
Não poderia ser diferente, só se fala em crise no planeta. A grande mídia reflete isso nas más notícias publicadas, mal escritas e ideologizadas, a falta de rumo dos dirigentes do planeta. Mundo que foi liderado nos últimos 8 anos por um presidente americano que sai de cena mais sujo que pau de galinheiro. Espero que os novos ventos e os novos tempos tragam um norte aos dirigentes do planeta, e também aos dirigentes das associações e empresas, porque do jeito que está o baile a situação vai de mal a pior. 

Aqui no nosso mundinho do marketing rural brasileiro também ninguém se entende, falta liderança e estamos em crise. Faz algum tempo já que a associação do segmento, a ABMR&A – Associação Brasileira de Marketing Rural & Agronegócio, não representa um consenso do setor, e nem mesmo entre seus próprios associados. Basta ouvir um pouco o que rola de fofoca e diz-que-diz entre os membros da própria diretoria e dos associados, inclusive de ex-associados, tudo isto pela ausência de uma comunidade associativa, de falta de participação dos membros, de inexistência de liderança representativa. 

Os inúmeros comitês internos designados para debate e troca de informações não funcionam, não andam pra frente, e alguns nem de lado. A ABMR&A lamentavelmente, não funciona como associação e entidade da classe e do segmento e carece de um novo fôlego, de novas idéias, novas lideranças, novos rumos e novos objetivos, e assim seria melhor encerrar atividades. 

Não pretendia escrever aqui no blog sobre o que vem acontecendo com o marketing rural, a ABMR&A e seus membros, mas a tal da nova pesquisa do "Perfil Comportamental e Hábitos de Mídia do Produtor Rural Brasileiro - Edição 2009" (e os inúmeros desdobramentos que vem tomando) me deixou muito contrariado, diria mesmo irritado e desgostoso. 
Explico: participei da reunião em 19 de dezembro último, na sede da ABMR&A, para apresentação do instituto escolhido pela diretoria para efetuar a pesquisa, o IPSOS / MARPLAN, tradicional empresa do setor. Tradicional, porém embarcou numa canoa furada como veremos adiante. 
Tentei, já naquela reunião, manifestar minha opinião de que várias questões técnicas deveriam ser reavaliadas. Sugeri alterações no tamanho da amostra, tipos de produtores a serem entrevistados (com exclusão de suinocultores, avicultores e produtores de leite, por exemplo, pois não se pode pretender fazer projeções desses segmentos com 100 entrevistas no mercado nacional, daria um viés incalculável e obsceno), e ainda a definição de quais produtores deveriam ser entrevistados. 
Sugeri, inclusive, um novo filtro para produtores rurais, que inclua a posse de tratores, e não pelo tamanho da área, pois agricultor sem trator não é agricultor, mas fui informado que isso seria definido posteriormente. 
Fiquei quieto. 
Na seqüência (vai com trema, pois ainda não aderi ao "esquema" da nova ortografia...) da reunião tive a informação de que o custo total da nova pesquisa terá um valor cerca de 10% maior quando comparado ao custo da anterior, e, assim, desde que se mantenha o mesmo número de cotistas o valor de cada cota seria semelhante ao do estudo anterior. 
Porém, uma "novidade" apareceu no estudo, na metodologia de cobrança das cotas: a idéia de que as empresas de mídia deveriam pagar a mais pelo estudo, pois seriam "as maiores beneficiadas" com o acréscimo de faturamento advindo dos resultados da pesquisa. Retruquei que isso somente seria válido para as empresas que conquistem a liderança, e que de mais a mais o estudo não é exclusivamente de "hábitos de mídia", afora o fato de trazer outras informações com menor interesse ou de interesse indireto das empresas de mídia. 
Sugeri que os valores das cotas fossem como nos estudos anteriores, iguais para todos, com a diferença, se houvesse, apenas de quem é sócio ou não da ABMR&A. Desconversaram e pediram para aguardar, que a proposta viria nos próximos dias. 
Fiquei aguardando. 
Dias depois chegou ao meu e-mail uma proposta formal para a DBO Editores, e nosso valor de cota seria de R$ 50 mil pelo estudo. Verifiquei que dobrou o valor da cota em relação ao estudo anterior, o que não se justificaria, porque o valor total do estudo de mercado aumentou apenas 10%, como já vimos. 
Fui conversar com outras empresas cotistas, inclusive das empresas de mídia e agências, e aí descobri o que para minha concepção de bom senso é algo inacreditável: o valor da cota foi feito conforme a "cara e o bolso do freguês". 

Tem agência com cota de R$ 30 mil, e outra de até 50 mil, tem editora de revistas, como nós, com cota de R$ 50 mil e outras com valor de cota bem maior, e tem emissora de TV com cota de R$ 87 mil e outra com cota de R$ 180 mil!!! 
Entre as empresas cotistas, ainda não confirmei, mas parece existir o mesmo critério de "tamanho", definido sabe-se lá por quem e quando, mas fácil de identificar que foi feito por gente com pouca prática no marketing rural, que desconhece a prática do mercado de "trocar figurinhas" e informações. 

Não é difícil a gente constatar que esse estudo não será realizado, pelo menos da forma como está sendo "administrado e conduzido". 
Então, resolvi jogar a merreca na transparência e colocar um pouco de agitação do ventilador. Publico aqui no meu blog a minha contrariedade a respeito do problema apresentado, peço às lideranças do setor que decidam e reavaliem não apenas a questão da pesquisa, mas a continuidade da própria diretoria da ABMR&A. 
Acho até que já que se tornou moda, no Brasil e no mundo, pedir o impeachment de presidentes, portanto, minha sugestão ao conselho da ABMR&A: peçam o impeachment do atual presidente e de toda a atual diretoria, diretoria que já mudou diversas vezes, desde a eleição anterior, com a saída de diversos diretores, por puro descontentamento com o que se faz na ABMR&A atualmente. 
Não será novidade, quando ainda se chamava ABMR, nos anos 90, houve um impeachment e a associação sobreviveu e até mesmo voltou a crescer em importância. 
Cadê o conselho efetivo (composto pelos ex-presidentes) e o conselho consultivo de administração da ABMR&A, meus amigos e companheiros de luta pela divulgação do marketing rural há mais de 35 anos. 
Cadê os ex-presidentes da ABMR&A, como Doly Ribeiro Jr., Tejon Mejido, Eduardo Daher, Tereza Sanches, Nivaldo Carlucci, José Roberto Monteiro? 

Permitam-me a sugestão: não sou o mais velho entre vocês... mas sou o mais antigo no marketing rural, sou o decano da turma que está aí, já que o Guido Gatta resolveu aposentar-se. Não tive e nem tenho pretensões a cargo algum na ABMR&A, jamais me candidatei, e nem irei me candidatar, mas sempre fui um associado, em todas as empresas por onde trabalhei. Já vi também a ABMR&A passar por dificuldades no passado, mas jamais acompanhei um processo maluco como o atual, sem liderança, sem rumo, disparando decisões e critérios de interesses pessoais a torto e a direito. 

Entendo ainda que, se uma associação discrimina seus associados, para que justificar sua existência? 

Devemos encontrar uma solução, urgentemente, com ou sem impeachment, que não é uma proposta, apenas uma lembrança de que até isso pode ser pensado. 
Desde já coloco este blog à disposição de todos para um debate aberto, transparente, franco, para que possamos continuar a ter um marketing rural neste país. Esse é um dever e um direito de todo cidadão, e se fizéssemos assim em todas as pendengas deste nosso Brasil tenho a certeza de que teríamos um país melhor e mais justo. 
É só postar um comentário no espaço aí embaixo, clicando em "comentários" ou mandar um e-mail com sua resposta, prometo que publico na íntegra e dou resposta a cada comentário que vier a ser enviado. 
Coloque seu nome no texto se não tiver o gmail, caso contrário o comentário virá como "anônimo", e nesses casos não publico nada. 
A omissão é a pior atitude de cada cidadão que se diz consciente. Nenhum omisso tem o direito de criticar absolutamente nada, caso não participe.

ET. Esta minha atitude é de caráter pessoal e de minha exclusiva competência profissional, nada tem a ver com a DBO Editores Associados, onde exerço o cargo de editor e publisher da revista DBO Agrotecnologia. Publico este texto, inclusive, aqui no blog, que é um espaço entre amigos, com esta ressalva, a pedido da diretoria da empresa. Esclareço, adicionalmente, que não tenho nenhuma pendência ou diferença pessoal com qualquer um dos profissionais que atualmente estão na diretoria ou presidência da ABMR&A, tudo o que coloquei é o meu jeito caboclo e franco de ser e agir, talvez por isso muita gente goste de mim, e também pela mesma razão muita gente não queira me ver nem pintado de ouro. Como dizem alguns amigos, não sou polêmico, sou apenas mal compreendido...
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quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Escrevo o que não sou

Enviado por Bete Cervi, de Vila Velha, ES.

Escrevo o que não sou
* Rubem Alves



Há uma pergunta que, quando feita a um poeta ou escritor, dói mais que picada de escorpião. A mim, pessoalmente, nunca fizeram. Mas fizeram a amigos meus. "Ele é do jeito mesmo como ele escreve?" É uma pergunta nascida do amor: acharam bonitas as coisas que escrevi e agora estão curiosos para saber se me pareço com o que escrevo. Como disse, nunca me fizeram a pergunta, diretamente. Mas eu respondo. "Não, eu não sou igual ao que escrevo".
Sou um fingidor.
Quem disse isso, que o poeta é um fingidor, foi Fernando Pessoa: o poeta é um fingidor.
Finge tão completamente que chega a fingir que é dor. A dor que deveras sente.
Fingir é palavra feia. Sugere uma mentira, com o intuito de enganar. No mundo de Fernando Pessoa ela tem um outro sentido. Fingimento é aquilo que faz o ator no teatro: para representar ele tem de "fingir" sentimentos que não são dele. E finge tão completamente que sente, realmente, uma dor que não é dele, mas de um personagem fictício, ausente.

Assim é o poeta. Como pessoa comum, ele sofre. Essa pessoa sofredora não sabe escrever poemas. Ela só sabe sofrer. Mas nessa pessoa que sofre mora um outro, o poeta, o duplo, heterônimo. Esse poeta olha para si mesmo, sofredor, e "finge", deixa-se possuir por aquela dor que é dele como se fosse de um outro: "chega a fingir que é dor a dor que deveras sente". Sou um fingidor.
O que escrevo é melhor que eu. Finjo ser um outro. O texto é mais bonito que o escritor. Fernando Pessoa se espantava com isso. Ele tinha clara consciência de que ele era muito pequeno quando comparado com a sua obra. Num dos seus poemas ele diz o seguinte: Depois de escrever, leio... Por que escrevi isto? Onde fui buscar isto? De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu...
Vinha-lhe então a suspeita de que aquilo que ele escrevia não era obra dele, mas de um outro: seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos? Contaram-me que ele, Fernando Pessoa, certa vez, aceitou encontrar-se com Cecília Meireles, e marcaram lugar, data e hora para o dito encontro. Cecília compareceu e esperou. Pessoa não foi e mandou, no seu lugar, um menino com uma desculpa esfarrapada. Esse incidente sempre me intrigou. Será que Pessoa era um grosseiro indelicado?
Depois, lendo o Livro do Desassossego, de Bernardo Soares, encontrei uma curta afirmação que esclareceu tudo: "Nunca pude admirar um poeta que me foi possível ver."
Ao marcar o encontro com Cecília, movido pela delicadeza ou entusiasmo, ele se esqueceu disso. Foi só na hora que lembrou. Cecília amava os seus poemas. Na ausência, certamente, fizera aquilo que todos fazem: imaginou que o poeta se parecia com os seus poemas. Agora, em algum hotel de Lisboa, ela se preparava para se encontrar com a beleza dos poemas na sua forma viva, verbo feito carne. A decepção seria muito grande. "Nunca pude admirar um poeta que me foi possível ver". Assim, para poupar Cecília da decepção, ele preferiu não aparecer.
Àqueles que fazem essa pergunta a meu respeito, que imaginam que eu possa ser parecido com o que escrevo, aconselho: "Não compareçam ao encontro. Fiquem com o texto." Não é mentira, não é falsidade: a poesia é sempre assim. A poesia não é uma expressão do ser do poeta. A poesia é uma expressão do não-ser do poeta. O que escrevo não é o que tenho; é o que me falta. Escrevo porque tenho sede e não tenho água. Sou pote. A poesia é água. O pote é um pedaço de não-ser cercado de argila por todos os lados, menos um. O pote é útil porque ele é um vazio que se pode carregar. Nesse vazio que não mata a sede de ninguém pode-se colher, na fonte, a água que mata a sede. Poeta é pote. Poesia é água. Pote não se parece com água. Poeta não se parece com poesia. O pote contém a água. No corpo do poeta estão as nascentes da poesia.
Escher, o desenhista mágico holandês, tem um desenho chamado "Poça de Lama": numa estrada encharcada pela chuva um caminhão deixou as marcas dos seu pneus, onde a água barrenta se empossou. Coisas feia e sujas, as marcas dos pneus de um caminhão, cheias de água barrenta: nenhum turista seria tolo de fotografar uma delas, quando há tantas coisas coloridas para serem fotografadas. Pois Escher desenhou uma delas. E o que ele viu é motivo de espanto: na superfície de lama suja, refletidas, as copas dos pinheiros contra o céu azul. Pensei que a poesia é isso: poça de lama onde se reflete algo que ela mesma não contém. A copa dos pinheiros contra o céu azul não está dentro da lama, não é parte do ser da lama. Apenas reflexo: mora no seu não-ser.
Pensei que assim é o poeta: poça de lama onde o céu se reflete.
Nietzsche, escrevendo sobre a poesia de Ésquilo, diz que ela "é apenas uma imagem luminosa de nuvens e céu refletida no lago negro da tristeza". E Fernando Pessoa, no poema daquele verso que todo mundo canta - Valeu a pena? Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena -, diz o seguinte: Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas nele é que espelhou o céu. É nessa contradição: o céu se fazendo visível, refletido, na poça de lama, no lago negro da tristeza, no perigo e no abismo do mar. Não. Não escrevo o que sou. Escrevo o que não sou. Sou pedra. Escrevo pássaro. Sou tristeza. Escrevo alegria. A poesia é sempre o reverso das coisas. Não se trata de mentira. É que nós somos corpos dilacerados - "Oh! Pedaço arrancado de mim!" O corpo é o lugar onde moram as coisas amadas que nos foram tomadas, presença de ausências, daí a saudade, que é quando o corpo não está onde está...
O poeta escreve para invocar essa coisa ausente. Toda poesia é um ato de feitiçaria cujo objetivo é tornar presente e real aquilo que está ausente e não tem realidade. Enquanto pensava sobre essa crônica ouvi, por acaso, aquela balada que diz: "like a bridge over troubled waters" - "como uma ponte sobre águas revoltas...". Letra e música sempre me comoveram. Na liturgia do casamento do meu filho Sérgio com a Carla, liturgia que preparei, pedi ao Décio, cirurgião pianista, que tocasse essa canção: pois isso é o máximo que alguém pode ser para a pessoa amada: ponte sobre águas revoltas. Pensei, então, que eu sou "águas revoltas" (onde eu mesmo quase me afogo). O que escrevo é uma ponte de palavras que tento construir para atravessar o rio.
Assim, considero respondida a pergunta: não sou igual ao que escrevo. Guardem o conselho de Fernando Pessoa. É mais seguro não comparecer ao encontro.

"Ler é fazer amor com as palavras."

* Rubem Alves, poeta, escritor, professor, mineiro.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Ai, ai, ai, coitadas das árvores!

Richard Jakubaszko
Faz tempo que estou para escrever sobre as barbaridades que se cometem contra as árvores, não apenas nas áreas urbanas brasileiras, mas em todo o mundo urbano do planeta. 
A questão é relativamente simples de se explicar para qualquer um que disponha de bom senso: quando você olha uma árvore o que você enxerga de verdade é apenas metade da árvore, ou seja, a outra metade está "submersa" na terra. 
Parece-me que essa informação é básica, no meu tempo de criança aprendia-se isso nos dois primeiros anos de escola, hoje em dia acho que não explicam isso nem nas faculdades. Assim, a metade enterrada da árvore é representada por raízes que são tão profundas como a sua altura visível a partir do solo, e tão largas quanto a sua copa, que proporciona uma agradável sombra para nos refrescar. 
A natureza dotou as árvores de raízes tão profundas e largas quanto suas copas por dois motivos elementares: primeiro, para buscar água no lençol freático quando o tempo está seco, ou, como se diz nas cidades, quando o tempo “está bom”, ou melhor, não está chovendo. 
Segundo, porque se as raízes tivessem pouca profundidade, ou fossem superficiais e de pouca largura, a árvore não conseguiria sustentar-se em pé. Seria a mesma coisa que um sujeito de 1,95 metros de altura com um pé, digamos, tamanho 25. Ou vira equilibrista ou desaba.  

E por que coitadas das árvores?  
Com a modernidade, tivemos a urbanização nas cidades, onde é tudo asfaltado, e as pessoas parecem ter medo ou nojo de terra, seja por causa do pó ou do barro, das formigas, bicho-do-pé, minhocas, vermes, enfim, essas coisas que vivem na terra. Aí decorre o fenômeno da imbecilidade que os jardineiros, planejadores paisagísticos, e até agrônomos urbanos, funcionários públicos das prefeituras, praticam com desenvoltura e plena ignorância, como podemos ver na foto: troncos de árvores com cimento em volta, no máximo uns 20 cm de cada lado do tronco para “poder entrar água”. 
A árvore que se vire com o tiquinho de água que pode entrar por ali. Qual a conseqüência disso? As árvores não crescem, não se desenvolvem, e morrem mais cedo, porque como tudo na vida, árvore também obedece ao ciclo determinado pela natureza: nasce, cresce, se desenvolve, amadurece, envelhece e morre. 
Nada escapa desse ciclo, nem as pedras, nem os planetas, nem as estrelas, nem mesmo as galáxias, somos todos iguais, exceto pelo tempo de vida de cada espécie. O que nos diferencia é a humana e inesgotável capacidade de demonstração de ignorância.  

Cadê aquele montão de água?  
Com pouca água uma árvore que poderia ter uns 5 ou até 10 metros de altura em, digamos, 7 ou 8 anos de vida, conforme a espécie, ela terá a metade disso, se tanto. Observe as árvores de seu bairro, no seu trajeto de casa para o trabalho, se forem árvores muito antigas podem ter atingido já uma altura considerável, mas porque foram plantadas há muito tempo, tempo em que não se fazia essa barbaridade que se faz hoje em dia com as árvores. 

Se forem mais novas, plantadas nos últimos 15 ou 20 anos, observe como não se desenvolveram, são mini-árvores, não dão sombra e nem seguram ventos, ou melhor, desabam quando tem uma ventania um pouco mais forte. É por essa razão que tem caído tanta árvore nos últimos tempos em qualquer temporal de verão, desses bem típicos de São Paulo, porque não dá para chamá-los de furacão, não é? Preste atenção nas árvores que desabam, pois são árvores plantadas em calçamentos bem simétricos, cheios de beleza cimentada, com asfalto ao lado, onde a água escorre e vai para as partes baixas da cidade, alagando tudo lá por baixo, entupindo os bueiros com a ajuda da sujeira levada na sua tresloucada correria. A água passa e a árvore deve ficar se perguntando: cadê aquele montão de água que passou por aqui agora mesmo? Não penetrou na terra, não saciou a sede da árvore e nem formou lençol freático, simplesmente se foi. Com muita pressa. Observe, também, que árvores plantadas em parques, sem as caixas de cimento, não desabam nunca, agüentam o tranco de qualquer ventania. 
É por essa razão também que o centro da cidade de São Paulo apresenta uma temperatura média de 4 a 5 Graus Celsius superior ao da Cantareira, bairro com distância inferior a 15 km do centro em linha reta. No centro temos asfalto, cimento e não temos árvores, ou melhor, quase nenhuma, e todas pequenas.

Resumindo  
Repassem este texto para alguém da sua prefeitura, façam campanhas para plantar árvores, é bonito isso, publiquem esse texto nos blogs, jornais, mas alerte-se que é necessário obedecer ao que se conhece como normas da natureza, e isto significa não barbarizar as árvores com asfalto ou cimento à sua volta. 
Outro problema, aproveitando o ensejo, são as ervas-de-passarinho. Conhece? Então olhe as 2 fotos aí do lado, numa delas a erva tomou conta da copa da árvore, na outra foto a árvore já está quase morta, seca e esturricada, sem folhas, mas a erva-de-passarinho está lá, viva e verde, sugando tudo o que pode, pois é um dos raros parasitas, assim como o vírus da AIDS, que mata o hospedeiro, mesmo sabendo que vai morrer depois.  

1 - Abaixo o asfalto. Só deveria ser permitido nas grandes avenidas. Nas ruas intermediárias retomemos o bom e velho paralelepípedo, que permite infiltração da água no subsolo. Em volta das árvores, se necessário também: paralelepípedos, com 2 a 3 metros em volta do tronco. 

2 – Abaixo as caixas de cimento murando os troncos de árvores nas calçadas, deveria ter no mínimo 1,5 metros de distância e não 20 ou 30 cm. E nesse espaço poderiam ser colocados paralelepípedos, e não cimento. 

3 – Poda anual das árvores, limpeza das ervas-de-passarinho, e sem as caixas de proteção de arame. Guia é uma coisa, mas essas caixas não apenas não são guias e não protegem, como limitam o crescimento das árvores.  
As fotos que ilustram esse artigo são de autoria do engenheiro agrônomo Hélio Casale com quem conversei muito a respeito. Trocamos informações, falei das caixas de cimento nas árvores e ele das guias de proteção e das ervas-de-passarinho. 
É assim a vida, a gente conversa e soma conhecimentos nessa troca de informação. Na foto à esquerda árvores no bairro de Perdizes, tomadas por erva-de-passarinho. À direita, outra árvore no mesmo bairro, mas só a erva-de-passarinho sobrevive. A árvore, a qualquer momento vai cair em cima de automóveis ou de gente. Que estupidez! Essas coisas os ambientalistas deviam vigiar e criticar.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

VENDEM-SE INGRESSOS PARA O SHOW DO AGRICULTOR BRASILEIRO

Eng. Agr. Mairson R. Santana *
Não agüento mais escutar sobre os shows da Madona! Qualquer noticiário tem que trazer um comentário sobre a tal. Não tenho nada contra, mas, é demais! Ainda mais pensando que o preço médio dos ingressos é acima de R$ 300,00. É uma total inversão de valores. Anos atrás estava no saguão do aeroporto em São Paulo, lendo uma revista, e justamente a noticia de um médico paranaense que havia inventado uma técnica cirúrgica que consistia em retirar um naco do coração do paciente e salvá-lo da morte, um grande avanço da ciência, por coincidência ele estava desembarcando e alguém do lado comentou que o havia visto na TV, no entanto no mesmo vôo desceu um pagodeiro da ocasião... Adivinha para quem foi toda a atenção? O pagodeiro, nada contra, gosto de pagode, mas o que importava era o show naquele momento e não o feito magnífico de salvar vidas.



Por isso proponho ao agricultor que comece a cobrar ingressos! Produziu 70 sc de soja? Divulgue o feito, chame a TV, anuncie e mostre a colheita, mas cobre ingresso! Tá colhendo arroz em sequeiro mais de 100 sc/ha? Nossa Senhora! É menos gente que vai passar fome nesse mundo, esse teria que pagar uns R$ 500,00 para cada ingresso! Veja o outro agricultor reduzindo os custos, usando menos pesticidas, recorde de safra, saldo positivo na balança comercial, maior responsável pelo aumento do PIB! Palmas para ele! Que lindo show! Autógrafos!


O agricultor é o verdadeiro artista! Entende de economia; vejam qual setor foi primeiro afetado pela crise econômica mundial, pela valorização do câmbio na hora do plantio, pelo aumento dos custos de produção e pela falta de crédito na hora de plantar a safra; VEJA COMO REBOLA O ARTISTA! Entende de aplicação de risco: que bolsa de valores, que ações, que nada! Risco é pagar R$ 2.000,00 na tonelada de adubo, mais outro tanto em defensivos e sementes, colocar no chão e esperar a natureza fazer sua parte... Num momento reza para chover, no outro reza para parar de chover... e o vizinho do lado tá rezando ao contrário! Haja coração!


Meus ídolos são os agricultores deste país! Os profissionais do setor que a cada nova safra colocam mais fartura nas mesas de muita gente no Brasil e no mundo afora! Produzem riquezas em regiões remotas, onde qualquer “moço bem educado da cidade” jamais sonharia colocar os pés! Sem estrada, sem infra-estrutura, sem financiamento decente! O duro é agüentar todo dia somente notícias ruins e sensacionalistas, sendo que há um verdadeiro show dos nossos agricultores em andamento! Mas, o que ele faz é produzir alimentos, nada de sensacional, isso não tem luz, não tem holofotes, não tem glamour, não tem IBOPE!


* Eng. Agr. Mairson R. Santana
Agro Norte Pesquisa e Sementes Ltda
Sinop - MT
66 3517.1900
www.agronorte.com.br

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Vingue-se: acerte uma sapatada no Bush!!!

Richard Jakubaszko

Recebi de um amigo o link abaixo, e recomendo: clique nele e acerte o Bush. Imperdível!

http://bushbash.flashgressive.de/

ESSE OUTRO É FANTÁSTICO... Pode-se ficar horas vendo isto!!! Dizem que é a proteção de tela mais famosa nos Estados Unidos, hoje em dia. Clique no link abaixo. Se o Bush ficar entalado, clique nele e arraste-o com o mouse... http://www.planetdan.net/pics/misc/georgie.htm

domingo, 7 de dezembro de 2008

Mesmo com 70% de aprovação Lula vai segurar a crise?

Richard Jakubaszko 
Esta parece ser a pergunta que ainda não tem resposta, nem do povo e nem da mídia. Sabemos que índices de popularidade presidencial não seguram crises, políticas ou econômicas, mas não tenhamos dúvidas de que ajudam. Até porque o presidente Luiz Inácio Lula da Silva alcança esse espantoso e inédito índice de aprovação ao final do sexto ano de mandato, e isso não é normal. Já deveria haver algum sinal de desgaste, apesar da mídia oposicionista. 

Lula chega aos 70% de “ótimo e bom” na pesquisa do Datafolha, mas nos tempos de FHC a mídia considerava o quesito “regular” como aprovação. Assim, neste raciocínio, hoje Lula teria 93% de aprovação, e apenas 7% de desaprovação. De Norte a Sul, de Leste a Oeste, em todas as classes sociais. A razão desse fenômeno? É simples: Lula faz um governo com inclusão social das classes menos favorecidas, não massacrou a classe média como fez FHC, e ainda deixou a classe que está no topo da pirâmide ganhar mais dinheiro ainda. Fez um governo para todos os brasileiros.

Por que acontece isso? 
As explicações acima não são minhas, são dos cientistas políticos e das pesquisas. As minhas explicações incluiriam afirmar que Lula é um excepcional comunicador, é espontâneo, é natural, autêntico, não dissimula, fala a linguagem que o povo entende, vai do sífu à diarréia, do pão com margarina e mortadela, do “pergunta pro Bush”, de criticar a seleção brasileira quando joga mal, é um brasileiro integrado com todas as classes sociais, está sempre rindo, é corintiano, toma suas biritas, gosta de churrasco, gosta de pagode, de futebol... 
E ainda está fazendo um bom governo, na opinião do povão e até dos banqueiros e industriais. É um fenômeno! Se ele irá eleger um poste para presidente, transferindo votos, ainda não se sabe, mas que deve levar o poste ao segundo turno, isso é bem possível, depois desses índices de 93% de aprovação, ou melhor, 70% como querem os jornais...
E a crise? 
Noticia-se tanto nos jornais e telejornais que ela deve chegar por aqui, já tem até alguns setores industriais colocando o pé no freio, demitindo, reduzindo investimentos, os bancos segurando os créditos, mas vejo as lojas cheias, os supermercados idem, a rua 25 de março, em São Paulo, sábado pela manhã, dia 6, não tinha espaço pra ninguém caminhar, pareciam turistas na Capela Sistina. 
Na Saara, tradicional comércio popular no Rio de Janeiro tinha gente saindo pelo ladrão... 
Por enquanto, ao menos no comércio, a crise ainda não chegou, mas tem sido anunciada a sua iminência a qualquer momento pela imprensa, nuvens negras são pintadas diariamente, como se houvesse o desejo de que ela chegue, até para derrubar os índices de popularidade presidencial. 
Depois chamam a nós jornalistas de pessimistas, de urubus, e quando ouço isso tenho de me calar, é o mínimo a fazer, não dá para defender a classe nessas horas. 
Mas imagino o comércio neste Natal batendo recordes de vendas, pois essas são as expectativas anunciadas pelos próprios comerciantes. Na mídia os colunistas de economia informam que a crise vai chegar brava mesmo é a partir de janeiro e fevereiro de 2009... 
Entretanto, o Datafolha contrapõe: 78% dos brasileiros estão otimistas e acham que a vida vai melhorar em 2009.
Para 2009, como vai ser? 
Tem uma variável muito interessante e relevante para 2009 e que não vi nenhum colunista de economia analisar até agora. Chama-se China. Se ela vai entrar em crise também é outro problema, ou se vai chegar por lá só umas marolinhas conforme Lula previu para nós. 
É claro que a China deve sentir os efeitos na queda das suas exportações para os EUA e Europa. Deve reduzir seu crescimento anual de 9% ou 10% para, digamos, uns 6% ou 8%, e toda a mídia vai dizer que a crise também chegou lá. 
No que diz respeito ao Brasil, somos fornecedores dos chineses na exportação de alimentos, soja e carne, frango, alguma coisa de café, um pouco de laranja, e o nosso porco deve crescer em 2009. Tudo isto porque a China fez inclusão social de mais de 350 milhões de chineses nos últimos 15 anos, vindos da área rural para as cidades, para trabalhar na indústria. 
Antes de serem urbanizados produziam a própria comida num pequeno pedaço de terra, e hoje compram no mercadinho na esquina. 
Alguém aí, que me lê nesse momento, acha que o governo chinês vai deixar o equivalente a esses dois brasis de 350 milhões de consumidores com fome? Ou melhor, 1,3 bilhões de pessoas com fome? Com um fundo de caixa em moedas fortes perto dos 2 trilhões de dólares? 

Para acreditar nisso precisa ser muito pessimista. Nem precisa falar da Índia e da Rússia, os outros dois componentes do BRIC. Também, tudo isto, independentemente de haver acordo na Rodada de Doha, ainda este ano, para liberalizar o comércio. 
Como lembrete final: as exportações do agronegócio representam quase  a metade da nossa balança comercial, e saibam que os estoques de alimentos (grãos) são os mais baixos da história contemporânea no pós-guerra. Parece-me que a isso se chama de “fundamento de mercado”, ou isso não tem mais importância? As coisas vão melhorar a partir do momento em que o etanol da cana-de-açúcar virar commoditie internacional, mas isso é outra história.

Que ladrem os pessimistas, mas observem os índices de popularidade do presidente Lula, pois eles podem continuar subindo nas próximas pesquisas, mesmo que não segure a crise. 
E aí, vão dizer o quê? Ah! Tem uma coisa, vão dizer que é a sorte...
A foto abaixo foi publicada hoje, 9/12/2008, lá no blog do Azenha:

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Carta do Zé agricultor para Luis da cidade.

Richard Jakubaszko
recebi e-mail do engenheiro agrônomo Eleri Hamer, lá de Rondonópolis, MT (obrigado Eleri!), me encaminhando a fictícia carta de um agricultor a um seu amigo da cidade. O texto seria, conforme registra o e-mail, de autoria do deputado federal Luciano Pizzatto (DEM/PR). Tentei, mas não consegui manter contato com o deputado para confirmar a autoria, por isso registro a autoria, apesar de não ter certeza, eis que na internet essas questões são falseadas a torto e a direito. Mas o texto é delicioso, e tem preciosidades dignas de registro. 
Luciano Pizzatto (*)
Luis, Quanto tempo. Sou o Zé, seu colega de ginásio, que chegava sempre atrasado, pois a Kombi que pegava no ponto perto do sítio atrasava um pouco. Lembra, né, o do sapato sujo. A professora nunca entendeu que tinha de caminhar 4 km até o ponto da Kombi na ida e volta e o sapato sujava.
Lembra? 
Se não, sou o Zé com sono... he he. A Kombi parava às onze da noite no ponto de volta, e com a caminhada eu ia dormi lá pela uma, e o pai precisava de ajuda para ordenhá as vaca às 5h30 toda manhã. Dava um sono... Agora lembra, né Luis?! 
Pois é. Tô pensando em mudá aí com você. Não que seja ruim o sítio, aqui é uma maravilha. Mato, passarinho, ar bom. Só que acho que tô estragando a vida de você Luis, e de teus amigos ai na cidade. Tô vendo todo mundo fala que nóis da agricultura estamo destruindo o meio ambiente.

Veja só. O sitio do pai, que agora é meu (não te contei, ele morreu e tive que pará de estuda) fica só a meia hora ai da Capital, e depois dos 4 km a pé, só mais 10 minutos da sede do município. Mas continuo sem Luz porque os Poste não podem passar por uma tal de APPA que criaram aqui. A água vem do poço, uma maravilha, mas um homem veio e falô que tenho que fazê uma outorga e pagá uma taxa de uso, porque a água vai acabá. 
Se falô deve ser verdade. 
Pra ajudá com as 12 vaca de leite (o pai se foi, né...) contratei o Juca, filho do vizinho, carteira assinada, salário mínimo, morava no fundo de casa, comia com a gente, tudo de bão. Mas também veio outro homem aqui, e falô que se o Juca fosse ordenhá as 5:30 tinha que recebe mais, e não podia trabalha no sábado e domingo (mas as vaca não param de fazê leite no fim de semana...).
Também visitô a casinha dele, e disse que o beliche tava 2 cm menor do que devia, e a lâmpada (tenho gerador, não te contei!) que estava em cima do fogão era do tipo que se esquentasse podia explodi (não entendi?). 
A comida que nóis fazia junto tinha que fazê parte do salário dele. Bom, Luis tive que pedi pro Juca voltá pra casa, desempregado, mas protegido agora pelo tal homem. Só que acho que não deu certo, soube depois que foi preso na cidade roubando comida. 
Do tal homem que veio protegê ele, não sei se tava junto. 
Na Capital também é assim né, Luis? Tua empregada vai pra uma casa boa toda noite, de carro, tranquila. Você não deixa ela morá nas tal favela, ou beira de rio, porque senão te multam ou o homem vai aí mandar você dar casa boa, e um montão de outras coisa. É tudo igual aí né? 
Mas agora, eu e a Maria (lembra dela? pois casei com ela) fazemo a ordenha as 5:30, levamo o leite de carroça até onde era o ponto da Kombi, e a cooperativa pega todo dia, isso se não chovê. Se chovê perco o leite e dô pros porco. Té que o Juca fez economia pra nóis, pois antes me sobrava só um salário por mês, e agora eu e Maria temos sobrado dois salário por mês. Melhorô. 
Os porco não, pois também veio outro homem e disse que a distancia da pocilga com o rio não podia ser 20 metro e tinha que derrubá tudo e fazê a 30 metro. Também colocá umas coisa pra protegê o rio. 
Achei que ele tava certo e disse que ia fazê, mas que sozinho ia demorá uns trinta dia, só que mesmo assim ele me multô, e pra pagá vendi os porco e a pocilga, e fiquei só com as vaca. 
O promotor disse que desta vez por este crime não vai me prendê, e fez eu dá cesta básica pro orfanato. Ô Luis, aí quando vocês sujam o rio também paga multa, né? 
Agora a água do poço eu posso pagá, mas tô preocupado com a água do rio. Todo o rio aqui deve ser como na tua cidade Luis, protegido, tem mato dos dois lado, as vaca não chegam nele, não tem erosão, a pocilga acabô .... Só que algo tá errado, pois o rio fede e a água é preta e já subi o rio até a divisa da Capital, e ele vem todo sujo e fedendo aí da tua terra. 
Mas vocês não fazem isto, né Luis? Pois aqui a multa é grande, e dá prisão. 
Cortá árvore então, vige! Tinha uma árvore grande aqui no sítio que murchô e ia morrê, então pensei eu de tirá, aproveitá a madeira, pois até podia cair em cima da casa. Como ninguém respondeu aí do escritório que fui, pedi na Capital (não tem aqui não), depois de uns 8 meses, quando a árvore morreu e tava apodrecendo, resolvi derrubar, e veja Luis, no dia seguinte já tinha um fiscal aqui e levei uma multa. Acho que desta vez vão me prendê. 
Tô preocupado Luis, pois no radio deu que a nova Lei vai dá multa de 500,00 a 20.000,00 por hectare e por dia da propriedade que tenha algo errado por aqui. Calculei por 500,00 e vi que perco o sitio em uma semana. Então é melhor vendê, e ir morá onde todo mundo cuida da ecologia, pois não tem multa aí. Tem luz, carro, comida, rio limpo. Olha, não quero fazê nada errado, só falei das coisa por ter certeza que a Lei é pra todos nóis. 
E vou morar com vc, Luis. Mais fique tranqüilo, vou usá o dinheiro primero pra comprá aquela coisa branca, a geladeira, que aqui no sitio eu encho com tudo que produzo na roça, no pomar, com as vaquinha, e aí na cidade diz que é fácil, é só abri e a comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem precisá de nóis, os criminoso aqui da roça.
Até Luis. 
Ah, desculpe Luis, não pude mandar a carta com papel reciclado pois não existe por aqui, mas não conte até eu vendê o sitio. 
(Todos os fatos e situações de multas e exigências são baseados em dados verdadeiros. A sátira não visa atenuar responsabilidades, mas alertar o quanto o tratamento ambiental é desiqual e discricionário entre o meio rural e o meio urbano.)
* É engenheiro florestal, especialista em direito socioambiental e empresário, diretor de Parques Nacionais e Reservas do IBDF/IBAMA 88/89, deputado federal desde 1989, e detentor do 1º Prêmio Nacional de Ecologia.

domingo, 23 de novembro de 2008

Sábado, 22 de novembro!

Richard Jakubaszko
Recebi o e-mail abaixo, de Odemar Costa, nesta madrugada de domingo, 23 de novembro 2008. Por si só o texto se explica e registra a história como de fato aconteceu, e não como foi interpretada. É a minha forma de homenagear ao grande amigo Odemar Costa.
Sábado, 22 de novembro!
Por Odemar Costa

Os telejornais, esta noite, não sei se todos, omitiram um fato jornalístico que me foi muito importante, há exatamente 45 anos! Haver sido o primeiro radialista do país a noticiar o falecimento de John Fitzgerald Kennedy, presidente americano.
Naquela sexta-feira, 22 de novembro de 1963, Odemar Costa, locutor catarinense que deixara Itajaí, onde, além de repórter, era o mais jovem vereador do país,
eleito em 62 com apenas 20 anos e que se transferira da Difusora Itajaí para a Rádio Bandeirantes de São Paulo, há apenas seis dias, viu uma estrela em seu caminho.
Passando, casualmente, pela porta da Bandeirantes, naquela tarde, na rua Paula Souza, zona da 25 de março, fui informado pelo porteiro da emissora de que Kennedy fora baleado em sua visita a Dallas, Texas. Subi ao andar onde
funcionava o departamento de Jornalismo e Moacir Fernandes, sub chefe, que acabara de noticiar o atentado, disse-me: - que bom que apareceu alguém! Estou sozinho. Não há nenhum locutor na casa, agora, e preciso que você me ajude, pois meu negócio é redigir e não ler notícias.
Assim, ele e eu nos revezávamos para ler as notícias que chegavam pelos teletipos, (máquinas que na época escreviam as notícias enviadas pelas agências internacionais aos jornais e emissoras que assinavam essa prestação de serviço). E os locutores famosos foram aparecendo para marcar presença naquela cobertura que despertava grande interesse.
E o chefe Alexandre Kadunc chegou em seguida e foi categórico!
- Em time que está ganhando não se mexe. Quero apenas o Moacir e o catarina Odemar Costa nessa cobertura.
Resolvi usar minha habilidade em sintonizar emissoras em ondas curtas. E de repente, ouço uma voz dizendo: The President Kennedy is dead! Era Dan Ratter famoso anos mais tarde pelo programa 60 Minutes. Imediatamente repeti em português pela Bandeirantes. - O Presidente Kennedy está morto!



Assim, fui o primeiro a noticiar o fato no Brasil! As emissoras do Rio estavam fora do ar por causa de uma greve. E a Bandeirantes nesse dia faturou grande índice de audiência, superando a Difusora São Paulo, que era sempre a primeira quando se tratava de assunto bombástico. E por haver mostrado essa habilidade com a notícia fui encarregado de ler o Nosso Correspondente em sua edição matinal, justamente dentro do programa " O Trabuco" de Vicente Leporacce, possuidor de grande audiência.
Hoje, quando cruzo no Brooklin a rua Vicente Leporacce, emociono-me. Ninguém difundiu nacionalmente meu nome como esse jornalista tão famoso. Ao abrir uma pausa para que eu lesse o Nosso Correspondente, todos os dias gastava alguns segundos pra falar algo a meu respeito. Um dia mencionava que eu era de Urussanga; Outro dia citava que eu era o mais jovem vereador do Brasil. em Itajaí (Sim, eu conciliava o exercício do mandato com meu emprego na Bandeirantes. Eu ganhava bem e podia, uma vez por mês, tomar um avião e reassumir meu mandato na Câmara de Itajaí). Para que tenham uma idéia, saibam que ganhava 30.000 na Difusora Itajaí e fora contratado pela Bandeirantes por 150.000! Num outro dia Leporacce se referia ao Odemar como sendo o Gilmar dos pobres (Gilmar era o goleiro do Santos de Pelé e Odemar, o goleiro do Scratch do Rádio, o time de futebol da Bandeirantes, que participava de jogos beneficentes no interior de São Paulo. E a nós cabia a tarefa de autografar as cadernetas escolares de todas as moçoilas e adolescentes que compareciam aos estádios para nos ver jogar.


Valeu 23 de novembro de 1963! Naquela tarde, nenhum outro radialista desse país brilhou mais que Odemar Costa.
(Eu, por gostar de política acompanhara todos os debates da campanha Kennedy / Nixon, em 1960. Sabia de minúcias dessa campanha através do livro do jornalista norte americano Theodore White, "Como se faz um Presidente da República".
E, por haver sido chefe de rádio jornalismo na Difusora Itajaí, conhecia detalhadamente todos os fatos sobre os foguetes russos em Cuba e o bloqueio aéreo naval da ilha autorizado por Kennedy e também a fracassada tentativa de invasão de Cuba por mercenários na Baía dos Porcos. E, enquanto novas notícias não chegavam, eu enfeitava o pavão com esse grande conhecimento que tinha da administração Kennedy.


Hoje, depois de 45 anos, sinto-me envaidecido por minha atuação na cobertura desse fato tão importante da história contemporanea, a notícia em primeira mão da morte de John Fitzgerald Kennedy. Como radialista, isso foi o ápice de minha carreira e eu precisava contar isso a vocês.
Um grande abraço.
Odemar Costa. www.odemarcosta.com

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Como a imprensa apresenta o mesmo assunto para atender seus leitores

Richard Jakubaszko
Chapeuzinho Vermelho na imprensa - Diferentes maneiras de contar a mesma história:
JORNAL NACIONAL (William Bonner): "Boa noite. Uma menina chegou a ser devorada por um lobo na noite de ontem...". (Fátima Bernardes): "... mas a atuação de um caçador evitou uma tragédia".
FANTÁSTICO (Glória Maria): "... que gracinha, gente. Vocês não vão acreditar, mas essa menina linda aqui foi retirada viva da barriga de um lobo, não é mesmo?"
CIDADE ALERTA (Datena): "... onde é que a gente vai parar, cadê as autoridades? Cadê as autoridades?! A menina ia para a casa da avozinha a pé! Não tem transporte público! Não tem transporte público! E foi devorada viva... Um lobo, um lobo safado. Põe na tela!! Porque eu falo mesmo, não tenho medo de lobo, não.
VEJA Lula sabia das intenções do lobo.
REVISTA CLÁUDIA Como chegar à casa da vovozinha sem se deixar enganar pelos lobos no caminho.
REVISTA NOVA Dez maneiras de seduzir um lobo.
FOLHA DE S. PAULO Legenda da foto: "Chapeuzinho, à direita, aperta a mão de seu salvador". Na matéria, box com um zoólogo explicando os hábitos alimentares dos lobos e infográfico mostrando como Chapeuzinho foi devorada e depois salva pelo lenhador.
O ESTADO DE S. PAULO Lobo que devorou Chapeuzinho seria filiado ao PT.
O GLOBO Petrobrás apóia ONG do lenhador ligado ao PT que matou um lobo pra salvar menor de idade carente.
ZERO HORA Avó de Chapeuzinho nasceu no RS.
AGORA Sangue e tragédia na casa da vovó. 
REVISTA CARAS (Ensaio fotográfico com Chapeuzinho) Na banheira de hidromassagem, Chapeuzinho fala a CARAS: "Até ser devorada, eu não dava valor para muitas coisas da vida. Hoje sou outra pessoa".
PLAYBOY (Ensaio fotográfico) Veja o que só o lobo viu.
ISTO É Gravações revelam que lobo foi assessor de político influente.
GAZETA DO POVO - PR Lobo que devorou menina teria cargo de Assessor no Palácio Iguaçu e teria sido visto na Granja do Canguiri.

sábado, 1 de novembro de 2008

Novas tecnologias para aplacar a fome no mundo

Richard Jakubaszko


A presença da fome ameaça a crescente e incontrolável população mundial. Mas as novas tecnologias das indústrias de máquinas mostram que a ciência está atenta, pois desenvolve as oportunidades mercadológicas proporcionadas pelo gigantesco contingente de mão-de-obra mal aproveitada nas urbes, e que está disponibilizada para o trabalho no agronegócio.

As fotos exibidas neste blog, de uma nova colheitadeira de pepinos na Rússia, comprovam essa questão com uma vantagem adicional: a mão-de-obra demonstra que trabalha em confortável posição num dia-a-de-campo (também se faz isso na Rússia), o que evita críticas de "trabalho escravo", provenientes do pessoal politicamente correto, e ainda desmente o falatório sobre a profissão mais antiga da humanidade, de que trabalhar deitado é moleza. Ô raça!

O referido material pode ser visto no endereço (link) abaixo, mais um indicativo de que a Internet é uma das maravilhas do mundo moderno:
http://www.toroller.com/2008/09/10/only-in-russia-weirdest-harvest-machine-ever/

Vejam as fotos:

















Observe-se o que tem de pepino na esteira da colheitadeira, e que a responsável pela colheita na linha da esquerda tirou uma folga...
Espero que todos tenham gostado de conhecer as modernas tecnologias de colheita dos russos, desenvolvidas para aplacar a fome mundial. Com o que tem de gente na China vai ficar fácil para eles desenvolver e aprimorar essas novas tecnologias. Essa máquina russa aí tem apenas 10 linhas...