sábado, 14 de novembro de 2015

'Gênios' e genocídio: Síria, Israel, Rússia e muito petróleo.


Por F. William Engdahl  
As apostas geopolíticas no Oriente Médio acabam de subir uma ordem de magnitude. Misture uma pouco conhecida empresa de petróleo de Newark, no New Jersey, as disputadas colinas do Golan entre Síria e Israel, acrescente uma recém descoberta grande reserva de petróleo bem ali, exatamente quando a campanha de bombardeio russo em território sírio entra em altíssima rotação, agite bem, e aí está um potenCIAl detonador da 3ª Guerra Mundial.

IniCIAlmente – se se volta mais de uma década, até quando os think-tanks conservadores em Washington e o governo Bush-Cheney estavam concebendo a sua agenda de 'mudança de regime' para o Oriente Médio Expandido – gasodutos para gás natural para concorrer com os países da região através da Síria até a Turquia, ou via Líbano até o Mediterrâneo tiveram papel coadjuvante na guerra de Washington contra Assad da Síria. Agora, petróleo, muito, muito petróleo, entra em cena, e Israel anda dizendo que pertence ao "Estado judeu". O único problema é que não pertence.

O petróleo está nas colinas do Golan, que Israel tomou ilegalmente, em assalto, da Síria, na Guerra dos Seis Dias em 1967.

Gênio em garrafa putrefata
O que têm em comum Dick Cheney, James Woolsey, Bill Richardson, Jacob Lord Rothschild, Rupert Murdoch, Larry Summers e Michael Steinhardt? Todos eles são membros do Conselho de Aconselhamento Estratégico de uma empresa de de gás e petróleo chamada Genie Energy, com sede em Newark, New Jersey. Toda uma coleção de nomes.

Dick Cheney, antes de ser 'presidente-sombra' de George W. Bush em 2001, foi presidente executivo da maior empresa de serviços para campos de petróleo do mundo, a Halliburton, ligada à CIA, pelo que se diz, e também conectada à gangue da família Bush.

James Woolsey, neoconservador e ex-diretor da CIA no governo de Bill Clinton; é hoje presidente da "Fundação para Defesa das Democracias" (Foundation for Defense of Democracies) think-tank neoconservador, e é membro do Instituto Washington para a Política do Oriente Médio (Institute for Near East Policy (WINEP)), que opera a favor do partido Likud de Israel. Foi membro do infame Projeto para um Novo Século Americano (Project for a New American Century (PNAC)), ao lado de Cheney, Don Rumsfeld e da escória dos neoconservadores que, adiante, constituíram o governo Bush-Cheney. Depois do 11/9/2001, Woolsey referia-se à Guerra ao Terror de Bush-Cheney como "IV Guerra Mundial " (a Guerra Fria seria a III GM).

Bill Richardson é ex-secretário de energia dos EUA.

Rupert Murdoch, proprietário de vasta rede de veículos de comunicação nos EUA e Reino Unido, dentre os quais o Wall Street Journal, é o maior financiador do neoconservador Weekly Standard de Bill Kristol, que financiou o PNAC.

Larry Summers foi secretário do Tesouro dos EUA e inventor propositor das leis que desregularam os bancos nos EUA, tirando-os do alcance da Lei Glass-Steagall de 1933. De fato, com esse movimento, abriram-se completamente as comportas da inundação que ficou conhecida como crise finanCIA-eira dos EUA de 2007-2015.

Michael Steinhardt, o especulador dos fundos hedge é filantropo amigo de Israel, de Marc Rich e membro também da Fundação para a Defesa das Democracias de Woolsey.

E Jacob Lord Rothschild é ex-parceiro comercial do oligarca (petróleo) russo Mikhail Khodorkovsky, já condenado. Antes de ser preso, Khodorkovsky transferiu secretamente suas ações na Yukos Oil para Rothschild. E Rothschild é dono de parte das ações da Genie Energy que, em 2013 recebeu direitos exclusivos para explorar o petróleo e o gás num raio de 153 milhas quadradas [quase 400 mil quilômetros quadrados] na parte sul das colinas do Golan, direitos que lhe foram outorgados pelo governo Netanyahu.

Para encurtar a conversa, a Genie Energy é empresa de deixar qualquer um embasbacado.

Colinas do Golan e lei internacional
O governo de Israel deu a concessão à Genie, nas disputadas colinas do Golan em 2013, quando o processo liderado pelo EUA para desestabilizar o regime sírio do presidente Assad estava a pleno vapor. Convenientemente, no mesmo momento Israel também começou a construir fortificações que vedassem completamente o acesso da Síria às colinas do Golan ilegalmente invadidas e ocupadas, sabendo que pouco haveria que Assad ou a Síria pudessem fazer para impedir. Em 2013, com a Genie Energy já iniciando sua mudança para as colinas do Golan, engenheiros militares israelenses reforçaram a cerca de 45 milhas que acompanha a fronteira com a Síria, substituindo-a por uma barricada de aço que inclui arame farpado, sensores táteis, detectores de movimento, câmeras de infravermelho e radares no solo, construção que só se compara ao Muro que Israel construiu na Cisjordânia.

E agora, quando Damasco luta pela vida, parece que, de repente, a Genie Energy encontrou enorme campo de petróleo exatamente ali...

Mas a ocupação israelense nas colinas do Golan é absolutamente ilegal. Em 1981, Israel fez aprovar uma "Lei das Colinas do Golan", que impõe "leis, jurisdição e poder de governo" de Israel também nas colinas do Golan. Reação a essa violência, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução nº 242, que declara que Israel tem de retirar-se de todas as terras sírias ocupadas na guerra de 1967, inclusive das Colinas do Golan.

Novamente, em 2008, uma sessão da Assembleia Geral da ONU aprovou a Resolução nº 161-1, a favor de uma moção sobre as colinas do Golan que reafirmou a Resolução nº 497 do Conselho de Segurança, aprovada em 1981, depois de Israel ter feito o que se define por "anexação de fato”; a Resolução nº 161-1 declarou a Lei das Colinas do Golan "nula, vácua e sem efeito legal internacional"; e convocou Israel a desistir de "modificar o caráter físico, a composição demográfica, a estrutura institucional e o status legal do Golan sírio ocupado, e, especialmente, a desistir de estabelecer colônias (...) e de impor a cidadania israelense e documentos de identidade israelenses aos cidadãos sírios no Golan sírio ocupado, e a cancelar todas as medidas repressivas contra a população do Golan sírio ocupado."

Israel foi a única nação a votar contra a resolução
Em junho de 2007, o primeiro-ministro de Israel Ehud Olmert enviou comunicado secreto ao presidente Bashar al-Assad, dizendo que Israel daria as colinas de Golan, em troca de um amplo acordo de paz e do rompimentos de quaisquer laços entre a Síria e o Irã, e entre a Síria e grupos militantes na região.

Genie 'comunica' grande descoberta
Dia 8 de outubro, na segunda semana dos ataques russos, a pedido do governo Assad, contra o ISIS e outros terroristas ditos "moderados", Yuval Bartov, geólogo chefe da subsidiária israelense da Genie Energy, Afek Oil & Gas, disse à Channel 2 TV que sua empresa havia descoberto enorme reserva de petróleo nas colinas do Golan: “Encontramos estrato de 350 metros de altura no sul das colinas do Golan. A média mundial da altura dos estratos é de 20-30 metros; e essa é dez vezes maior; por isso estamos falando de quantidades significativas.”

Esse petróleo agora encontrado gás das colinas do Golan um "prêmio" estratégico que claramente está pondo o governo Netanyahu ainda mais determinado a semear o caos e a desordem em Damasco, e usá-los para criar uma ocupação israelense de facto irreversível do Golan e daquele petróleo todo. Um ministro do governo de coalizão de Netanyahu, Naftali Bennett, da Educação, ministro para as questões da diáspora, e líder do partido religioso de extrema direita O Lar Judeu, propôs que Israel, em cinco anos, implante 100 mil colonos israelenses nas colinas do Golan. Diz que com a Síria "em desintegração" depois de anos de guerra civil, é difícil imaginar algum estado estável ao qual as colinas do Golan possam ser devolvidas. Como se não bastasse, cresce em Telavive o coro dos que querem que Netanyahu exija dos EUA que reconheçam a anexação do Golan, em 1981, por Israel, como “salvaguarda adequada com vistas à segurança israelense, depois de assinado o acordo nuclear com o Irã”.

Guerras de energia sempre foram componente significativo da estratégia de EUA, Israel, Qatar, Turquia e, até recentemente, também da Arábia Saudita, contra o regime de Assad na Síria. Antes da recente descoberta de petróleo nas colinas do Golan, o foco contra Assad tinha a ver com grandes reservas de gás natural do Qatar e do Irã, como opostos e concorrentes do Golfo Persa, que incluem as maiores reservas de gás confirmadas, em todo o mundo, até hoje.

Em 2009, o governo do Qatar, hoje lar da Fraternidade Muçulmana e grande financiador do ISIS
(Estado Islâmico do Iraque e do Levante) na Síria e Iraque, reuniu-se com Bashar al-Assad em Damasco.

O Qatar propôs a Bashar que a Síria assinasse acordo que permitisse a passagem por seu território de um gasoduto que sairia do enorme Campo Norte do Qatar, no Golfo Persa, adjacente à também enorme reserva Pars Sul, de gás iraniano. O gasoduto do Qatar passaria por Arábia Saudita, Jordânia, Síria até a Turquia, para abastecer mercados europeus. Mais cruCIAlmente importante: deixava a Rússia de fora.

Matéria da Agência France-Presse noticiava que Assad só se interessara por "proteger os interesses de seu aliado russo, principal fornecedor de gás natural para a Europa”.

Em 2010, Assad integrou-se às conversações com Irã e Iraque, para construir gasoduto alternativo, de US$10 bilhões, que potencialmente permitiria ao Irã abastecer a Europa com o gás de seu campo Pars Sul nas águas iranianas do Golfo Persa. Os três países assinaram um Memorando de Entendimento em julho de 2012 – exatamente quando a guerra na Síria alastrava-se para Damasco e Aleppo.

Agora, uma aparente descoberta de grandes volumes de petróleo, por empresa de New Jersey de cujo board participam o arquiteto da guerra do Iraque, Dick Cheney; o neoconservador e ex-CIA James Woolsey e Jacob Lord Rothschild, parceiro de negócios de um dos mais furiosos críticos de Vladimir Putin, Mikhail Khodorkovsky, eleva muito as apostas em torno da intervenção russa a pedido da Síria de Assad, contra os terroristas do ISIS, Al-Qaeda e outros "terroristas moderados" apoiados pela CIA – e dá-lhes nova dimensão geopolítica.

O golpe dos EUA na Ucrânia em 2014, o treinamento e o financiamento para o ISIS e outras gangues de terroristas "moderados" na Síria, todos têm um alvo primário – a Rússia e sua rede de aliados, rede a qual, ironicamente, as políticas de Washington e Israel só fazem ajudar a expandir quase de hora em hora.


(Traduzido por Coletivo de Tradutores Vila Vudu para o site Tlaxcala)
Republicado do site GGN: http://www.jornalggn.com.br/blog/ricardo-cavalcanti-schiel/o-petroleo-o-gas-e-a-guerra-civil-na-siria
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quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Parabéns, atingimos a burrice máxima

Eliane Brum *

Simone de Beauvoir / Arquivo
A “baranga” Simone de Beauvoir e a importância de um livro que ensina a conversar com fascistas

A fogueira de Simone de Beauvoir a partir da questão do ENEM mostrou que a burrice se tornou um problema estrutural do Brasil. Se não for enfrentada, não há chance. Hordas e hordas de burros que ocupam espaços institucionais, burros que ocupam bancadas de TV, burros pagos por dinheiro público, burros pagos por dinheiro privado, burros em lugares privilegiados, atacaram a filósofa francesa porque o Exame Nacional de Ensino Médio colocou na prova um trecho de uma de suas obras, O Segundo Sexo, começando pela frase célebre: “Uma mulher não nasce mulher, torna-se mulher”. Bastou para os burros levantarem as orelhas e relincharem sua ignorância em volumes constrangedores. Debater com seriedade a burrice nacional é mais urgente do que discutir a crise econômica e o baixo crescimento do país. A burrice está na raiz da crise política mais ampla. A burrice corrompe a vida, a privada e a pública. Dia após dia.

Recapitulando alguns espasmos do mais recente surto de burrice. O verbete de Simone de Beauvoir (1908-1986) na Wikipedia, conforme mostrou uma reportagem da BBC, foi invadido para tachar a escritora de “pedófila” e “nazista”. A Câmara de Vereadores de Campinas, no estado de São Paulo, aprovou uma “moção de repúdio” à filósofa. O deputado Marco Feliciano (PSC-SP), da Bancada da Bíblia, descobriu na frase uma escolha adrede, ardilosa e discrepante do que se tem decidido sobre o que se deve ensinar aos nossos jovens. Em sua página no Facebook, o promotor de justiça do município paulista de Sorocaba, Jorge Alberto de Oliveira Marum, chamou Beauvoir de “baranga francesa que não toma banho, não usa sutiã e não se depila”. Como o tema da redação do ENEM era “a persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”, houve gente que estudou em colégios caros afirmando que este era um tema de esquerda, e portanto um sinal inequívoco de uma conspiração ideológica por parte do governo federal. Como sugeriu o crítico de cinema Inácio Araújo em seu blog, se defender que a mulher tenha o direito de andar sem ser perturbada, agredida e chutada é tema de esquerda, isso só pode significar que a direita vai muito mal.


A única arma capaz de derrotar a burrice é o pensamento
Está cada vez mais difícil fazer humor no Brasil. Como nada do que foi relatado acima é piada, somos submetidos cotidianamente a uma experiência de perversão. Também não tem sido fácil escrever quando não se é humorista, por que o que se pode dizer, seriamente, diante de uma moção de repúdio à Simone de Beauvoir? Mas é preciso tratar com seriedade, porque talvez não exista nada mais sério do que a boçalidade que atravessa o país. Torna-se urgente, prioritário, fazer um esforço coletivo e enfrentar a burrice com o único instrumento capaz de derrotá-la: o pensamento.

Esta é a potência e a generosidade de um livro lançado pela filósofa Marcia Tiburi, escritora e professora universitária. O título vai direto ao ponto, afinal os tempos são graves demais para papinhos de salão: Como conversar com um fascista – reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro (Record). Nas 194 páginas, Marcia enfrenta as várias faces do cotidiano atual com profundidade, mas de forma acessível a quem não está familiarizado com os conceitos. Faz o mais difícil: escrever simples sem simplificar. É um livro que se pretende para todos, e não para os seus pares. Quem acompanha a trajetória da filósofa conhece a sua coragem. E este é um livro de coragem, já que é tão difícil quanto arriscado escrever sobre o que está em movimento, sem a proteção assegurada pelo distanciamento histórico. Poucos são os intelectuais que se arriscam a sair do conforto de seus feudos para enfrentar o debate público com suas dúvidas. E por isso aqueles que se arriscam de forma honesta, sem ficar arrotando suas certezas e suas credenciais, ou usando-as para massacrar aqueles que já são massacrados, são tão preciosos.


O confronto atual não é entre direita e esquerda, mas entre os que pensam e os que não pensam
“Eu queria saber por que dialogar é impossível”, conta Marcia Tiburi, sobre a pergunta que a moveu nessa busca. Para enfrentar a ausência do pensamento, a filósofa propõe a resistência pelo diálogo. Este é um esforço de cada um –e de todos. Arriscar-se a deixar o “isolamento em comunidade”, a forma atual da vida social e política, para confrontar o que ela chama de “consumismo da linguagem”. Compreender o confronto atual como um confronto entre direita e esquerda, desenvolvimentistas e ecologistas, governistas e oposicionistas, machistas e feministas é, segundo ela, uma redução. O confronto atual seria mais profundo e também mais dramático: entre os que pensam e os que não pensam.

O exercício que faço, deste parágrafo em diante, é buscar compreender a fogueira em que Simone de Beauvoir foi jogada nos últimos dias, entre outros fatos recentes, a partir das ideias deste livro. Para começar, a seriedade do episódio do ENEM pode ser demonstrada neste trecho tão agudo: “Se levarmos em conta que falar qualquer coisa está muito fácil, que falamos em excesso e falamos coisas desnecessárias, um novo consumismo emerge entre nós, o consumismo da linguagem. O problema é que ele produz, como qualquer consumismo, muito lixo. E o problema de qualquer lixo é que ele não retorna à natureza como se nada tivesse acontecido. Ele altera profundamente nossas vidas em um sentido físico e mental. O que se come, o que se vê, o que se ouve, numa palavra, o que se introjeta, vira corpo, se torna existência”.

Vale perguntar. Num país em que a preocupação com a educação é uma flatulência, em que a não educação é a regra, para onde vai o lixo e que tipo de impacto ele produz na tessitura do cotidiano, nos corações e mentes de quem o consome? O que acontece com a fogueira de Simone de Beauvoir num contexto em que aqueles que a jogaram no fogo possivelmente sequer a leram? Que restos dos discursos vazios sobre a filósofa permanecerão na memória de uma população que não tem seus livros na estante e que tipo de eco produzirão?

Como dimensionar a gravidade de um vereador eleito, pago com dinheiro público para legislar e, portanto, para decidir destinos coletivos, dizer que a escolha da frase de Simone de Beauvoir para uma prova do ENEM é algo “demoníaco”, como afirmou Campos Filho (DEM)? E como enfrentá-la com a seriedade necessária?

Com a palavra, o autor da “moção de repúdio”: “Foram buscar lá Simone de Beauvoir, lá pro ano de mil trocentos e pôco.... (...) A grande maioria é favorável à lei da natureza. Homem é homem. Mulher é mulher. (...) Cuidado com essa pulsão, essa pulsão pode levar à cadeia. O senhor pode passar na frente do caixa eletrônico e ter uma pulsão de vontade de roubar e vai preso. Pode ter uma pulsão de vontade de estuprar e vai preso. Então, tomem cuidado com essa pulsão, ah, hoje de manhã sou menina, agora à noite eu sou homem....”.


O vazio de pensamento não é silencioso, mas repleto de clichês, frases prontas e repetições
O vereador nem sequer sabe em que século Simone de Beauvoir nasceu, viveu e produziu pensamento – “mil trocentos e pôco”. Nem sequer tentou compreender o que a frase citada no ENEM significa. Não é engraçado. É a ruína causando mais ruína. O que interessa é fazer barulho, porque o barulho encobre o vazio de ideias. O que importa é perverter a palavra, usando o que sequer tentou entender para enclausurar o pensamento e reafirmar a certeza em nome de uma suposta “lei da natureza” que jamais existiu. A perversão do fascista é a de acusar o outro de manipulação ideológica quando é ele o manipulador. É acusar o outro de impor um pensamento quando é ele que empreende todo os esforços para barrar qualquer pensamento. É impedir o diálogo denunciando o outro pelo ato que ele próprio cometeu. É nessa repetição de boçalidades que seguem os discursos de outros vereadores, invocando clichês bíblicos, lembrando de Sodoma e Gomorra e Adão e Eva, abusando de Deus.

Para perverter a realidade, o fascista conta com o consumismo da linguagem. Trata-se, como aponta Marcia Tiburi, de um vazio repleto de falas prontas. Não é um vazio silencioso, espaço aberto para buscar o outro, o inusitado, o surpreendente. Mas sim um vazio barulhento, abarrotado de clichês, de frases repetidas e repetitivas, usadas para se proteger do pensamento. Os lugares-comuns, neste caso específico a constante invocação de Deus e de leis bíblicas, são usados como um escudo contra a reflexão. Todo o esforço é empreendido para não existir qualquer chance de pensamento, ainda que um bem pequenino.

Neste vazio, a filósofa acredita que os meios tecnológicos e a mídia desempenham um papel crucial. Repete-se o que é dito na TV, no rádio. Fala-se, muito, sem pensar no que se diz. No gesto do mero “compartilhar” sem ler, tão fácil quanto comprar com um clique pela internet, foge-se do pensamento analítico e crítico, trocando-o pelo vazio consumista da linguagem e da ação repetitiva. É assim que a burrice se multiplica em cliques, propagando-se em rede. O título deste artigo é esperançoso, mas não corresponde à realidade: a burrice não tem limites, ela sempre pode atingir patamares ainda mais extremos.


Se não houver limites para a idiotice, resta isolar-se e estocar alimentos
Episódios semelhantes à “moção de repúdio” à Simone de Beauvoir ocorriam esporadicamente em rincões afastados, e logo eram ridicularizados. Hoje, acontecem na Câmara de Vereadores de uma das maiores e mais ricas cidades do estado de São Paulo, no sudeste do Brasil, uma cidade que abriga várias universidades, entre elas a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), uma das mais respeitadas do país. E cadê os intelectuais? Rindo dos burros nas cantinas universitárias? Será? Não era de se esperar mais iniciativas de busca do diálogo, de criação de oportunidades para explicar quem é Simone de Beauvoir e refletir sobre sua obra, ou mesmo a ocupação da Câmara, para produzir reação e movimento que permitisse o conhecimento e combatesse a ignorância?

Talvez o polêmico livro Submisssão (Alfaguara), do francês Michel Houellebecq, possa ter alguma ressonância maior por aqui. Nele, só para lembrar, o protagonista é um acadêmico desencantado que se depara com a vitória de um partido islâmico nas eleições da França. Depois de assistir ao desenrolar dos acontecimentos pela TV, já que não se sente motivado a participar de nenhum debate que não seja sobre a sua própria tese acadêmica (ou nem mesmo sobre ela), se choca com o resultado eleitoral. É o protagonista que não protagoniza –ou só protagoniza por omissão (ou submissão). Aos poucos, os novos donos do poder lhe acenam não só com a manutenção dos privilégios, mas com uma considerável ampliação dos privilégios. E ele, afinal, conclui que aderir pode não ser tão ruim assim.

Os burros estão por toda parte e muitos deles estudaram nas melhores escolas e, o pior, muitos ensinam nas melhores escolas. A “moção de repúdio” à Simone de Beauvoir foi aprovada pela Câmara de Campinas por 25 votos a cinco. Assim, os burros são a maioria. É preciso enfrentá-los com pensamento, fazer a resistência pelo diálogo. Ou, como diz Marcia Tiburi: “Sem pensamento não há diálogo possível nem emancipação em nível algum. Se não houver limites para a idiotice, resta isolar-se e estocar alimentos”.

O promotor e professor universitário que reduziu Simone de Beauvoir a “uma baranga”, ao comentar a questão do ENEM em sua página no Facebook, fez o seguinte comentário: “Exame Nacional-Socialista da Doutrinação Sub-Marxista. Aprendam jovens: mulher não nasce mulher, nasce uma baranga francesa que não toma banho, não usa sutiã e não se depila. Só depois é pervertida pelo capitalismo opressor e se torna mulher que toma banho, usa sutiã e se depila”. Depois da repercussão negativa, o que incluiu uma nota de repúdio por parte da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Jorge Alberto de Oliveira Marum apagou os posts e defendeu-se, em outra postagem, alegando que pretendia ter sido irônico: “Ironia, para quem não sabe, é uma figura de linguagem que consiste em afirmar o contrário do que se pensa”. Interprete-se.


A burrice, tanto como categoria cognitiva quanto moral, venceu
“Distorcer é poder” é o título de um dos capítulos do livro em que a filósofa enfrenta a prática amplamente difundida de esvaziar as palavras pela distorção. Como transformar a vítima em culpada, como se faz rotineiramente com as mulheres no falso debate do aborto, por exemplo, ou no tratamento do estupro. Ou distorcer para que aquele que detém os privilégios pareça ser o que têm seus direitos ameaçados: o branco, por exemplo, quando se apresenta como prejudicado pelo sistema de cotas raciais que busca reparar injustiças históricas cometidas contra os negros, ocultando assim que sempre foi o privilegiado; ou quando se invoca um suposto “orgulho heterossexual” na tentativa de mascarar a violência contra os homossexuais, alegando que querem privilégios, quando todos sabem que a heterossexualidade jamais foi contestada ou atacada, nem em sua expressão nem em seus direitos. E também é por essa conversão que os manifestantes de junho de 2013 foram tachados de “vândalos” por parte da mídia e, hoje, uma lei em discussão no Congresso ameaça converter quem protesta em “terrorista”.

A própria “democracia” pode ser vista a partir da prática da distorção, já que há aquela, mais difundida, que é vendida pelo mercado. “De um lado, há uma democracia que deve parecer como realizada, contra outra democracia, que está na ordem do desejo e do sonho e que não teria preço”. O capitalismo sequestra a democracia também como palavra, que passa a ser consumida, junto com outras: felicidade, ética, liberdade, oportunidade, mérito. Palavras que a filósofa chama de “mágicas”, invocadas a serviço do ocultamento da opressão. “Antidemocrático, o capitalismo precisaria ocultar sua única democracia verdadeira: a partilha da miséria e, hoje em dia, cada vez mais, a matabilidade”, afirma Marcia Tiburi.

Quando se invade o verbete de Simone de Beauvoir na Wikipedia é também disso que se trata: distorcer e replicar até virar “verdade”. Aliena-se os fatos de seu contexto histórico para produzir rótulos. Assim, após o ENEM, a filósofa foi tachada de “pedófila” e de “nazista”. Ambas as afirmações já foram retiradas da página pelo responsável, avisando que a manteria fechada até “que o furor acabasse e as pessoas perdessem o interesse em danificar o artigo”. Entre as dezenas de distorções do verbete, segundo a matéria da BBC, um usuário disse que a filósofa havia escrito um “livro de estupro”. Outro informou que Beauvoir era uma “antifeminista”. Um terceiro disse ainda que ela era “muito conhecida por seu comodismo e pela luta na justiça por uma lei que proibia o trabalho das mulheres fora de casa”.


Se a linguagem nos tornou seres políticos, a destruição da linguagem nos tornará o quê?
As distorções servem à reprodutibilidade da burrice. Ao converter a filósofa no que é interpretado como o mais monstruoso – “pedófila” e “nazista” – o objetivo é tornar impossível refletir sobre o que ela escreveu: “uma mulher não nasce mulher, torna-se mulher”. A ampla distorção das palavras serve, de novo, ao vazio do pensamento. Pede-se aos burros que a repliquem à exaustão em cliques histéricos. A linguagem, como escreve Marcia Tiburi, tem sido rebaixada à distribuição da violência – também pelos meios de comunicação e pelas redes sociais. “Vivemos no império da canalhice, onde a burrice, tanto como categoria cognitiva quanto moral, venceu”, afirma. “Ela se transformou no todo do poder.”

Aderir é viver. Esta parece ser a frase deste momento de orgulho da ignorância e exaltação da burrice. Aqui, a pergunta se impõe: “se a linguagem nos tornou seres políticos, a destruição da linguagem nos tornará o quê?”.

Na semana passada, foi divulgado na página da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República um estudo que reuniu pesquisadores de diversas instituições, apresentado como o mais completo já feito no Brasil sobre os efeitos da mudança climática. Refletir seriamente sobre a mudança climática é urgente, mas há muito menos pensamento e ação do que o momento exigiria, apesar de estarmos às vésperas da Conferência do Clima em Paris. Assim, a divulgação de um estudo com as conclusões a que se chegou poderia ser uma oportunidade excelente para promover participação e diálogo. Mas, entre as tantas previsões que apontaram para um possível drama climático daqui a 25 anos, em 2040 – doenças, calor extremo, falta d’água e de energia etc –, uma foi destacada por diferentes veículos da imprensa: a possível perda de uma área imobiliária avaliada em R$ 109 bilhões no Rio de Janeiro, devido à elevação do nível do mar causada pelo aquecimento global.

Não as perdas humanas, não a corrosão da vida, não o aniquilamento dos mais pobres e dos mais frágeis. Não. O que se destaca é aquilo que se monetariza, é a perda do patrimônio material, no caso imobiliário. O que merece título é o cifrão. O episódio evoca um dos capítulos mais interessantes de Como conversar com um fascista: “O capitalismo é a redução da vida ao plano econômico. (...) O pensamento está minado pela lógica do ‘rendimento’. Viver torna-se uma questão apenas econômica. A economia torna-se uma forma de vida administrada com regras próprias, tais como o consumo, o endividamento, a segurança pela qual se pode pagar. Tudo isso é sistêmico e, ao mesmo tempo, algo histérico. (...) As palavras funcionam como estigmas ou como dogmas que sustentam ideias orientadoras de práticas”. Se a ordem do discurso capitalista é basicamente teológica, é porque ele funciona como uma religião no âmbito das escrituras e das pregações (em geral no púlpito tecnológico da televisão)”. Se depois de tanto calarmos sobre a mudança climática, falarmos dela a partir da lógica monetária, estamos todos (mais) perdidos.


Precisamos resistir em nome de um diálogo que torne o ódio impotente
Mas é em outro episódio destes últimos dias que a perversão do Brasil atual se revelou em toda a sua monstruosidade: a Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio de Janeiro concluiu em inquérito que o policial que matou um menino de dez anos agiu em “legítima defesa”. Eduardo de Jesus brincava na porta da sua casa, numa das favelas do Complexo do Alemão, quando teve a cabeça atingida por um tiro de fuzil. Sua mãe encontrou parte do seu cérebro na sala. O inquérito isentou de qualquer responsabilidade os policiais envolvidos, por estarem supostamente em confronto com narcotraficantes. Eles teriam apenas “errado” o tiro.

Eduardo estava a cinco metros do policial que o matou. Terezinha de Jesus, a mãe do menino, afirma que não havia tiroteio naquele dia. “Eu parti para cima do policial. Gritei que tinha matado meu filho e ele me respondeu, com seu fuzil na minha cabeça, que igual que tinha matado ele poderia também me matar, porque o menino era filho de bandido. Nunca vou esquecer aquilo. Posso estar em qualquer lugar do mundo, que nunca esquecerei a cara daquele policial”. Ao ser informada por jornalistas que a polícia concluiu que seu filho foi morto em legítima defesa, Terezinha disse que sentia vontade “de quebrar tudo”.

Quando a perversão supera tal limite é porque estamos quase no ponto de não retorno. “Não acabaremos com o ódio pregando o amor”, diz Marcia Tiburi. “Mas agindo em nome de um diálogo que não apenas mostre que o ódio é impotente, mas que o torne impotente.”

Em Como conversar com um fascista, a filósofa defende a necessidade de começar a tentar falar de outro modo. O diálogo não como salvação, mas como experimento, como ativismo filosófico para enfrentar a antipolítica. A política, lembra a autora, “é laço amoroso entre pessoas que podem falar e se escutar não porque sejam iguais, mas porque deixaram de lado suas carapaças de ódio e quebraram o muro de cimento onde suas subjetividades estão enterradas”.

Num país de antipolítica e antieducação generalizada como o Brasil é preciso se mover. É urgente aprender a conversar com um fascista, mesmo que pareça impossível. Expor ao outro aquele que não suporta a diferença. Revelar suas contradições e confrontá-lo pelo diálogo é um ato de resistência. Enfrentar a burrice com a única arma que ela teme: o pensamento.

É isso ou não vai adiantar nem estocar alimentos.

* Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos, e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebru 


Reproduzido do site de El País:  http://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/09/opinion/1447075142_888033.html?id_externo_rsoc=FB_CM 
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BRASIL-EUA: a submissão, a "cooperação" e a soberania.

Mauro Santayana *
A vocação para submissão de parcelas do Judiciário e da área de segurança
brasileiras às autoridades norte-americanas é impressionante.

Como exemplo, temos a “colaboração” prestada pelo Ministério Público e pela Operação Lava-a-jato a procuradores norte-americanos que estão recolhendo provas contra a Petrobras e oferecendo acordos de delação premiada a presos brasileiros submetendo-se colonizada, e alegremente - nas barbas do Ministério da Justiça – às autoridades de um país estrangeiro, como se elas tivessem jurisdição em território nacional, em uma causa que envolve uma empresa de controle estatal que pertence não apenas aos seus “investidores” diretos, mas a todos os cidadãos brasileiros.

Depois, temos a romaria de procuradores e juízes aos EUA, para receber “homenagens” relacionadas a assuntos internos nacionais, e a recente presença de ministros da Suprema Corte em reuniões do Diálogo Interamericano - uma espécie de Foro de São Paulo às avessas - nos EUA. Já imaginaram um procurador norte-americano se deslocando para o Brasil para ser premiado por sua atuação, na investigação, digamos, de corrupção na General Motors, ou na AMTRAK, uma das maiores empresas estatais dos EUA - tradicionalmente deficitária - com mais de 20.000 funcionários, e presente nos 48 estados da Federação?

Como se não bastasse, agora, chega a vez do Rio de Janeiro tomar a iniciativa de anunciar a próxima abertura de um escritório da agência norte-americana de controle de drogas no Estado, a pretexto de prestar, às autoridades fluminenses, "consultoria" no combate ao tráfico e ao contrabando de armas.

Perguntar não ofende
Considerando-se que as áreas de defesa e de relações internacionais são prerrogativa da União, e o fato de a agência norte-americana ser federal e não estadual, não seria o caso desses convênios e acordos passarem antes pelo crivo e aprovação do Itamaraty, do Ministério da Defesa, do Ministério da Justiça e da Comissão de Defesa e Relações Externas da Câmara dos Deputados?

Quando é que o Brasil vai começar a impedir ou a controlar as atividades de agentes norte-americanos de inteligência - espiões, leia-se, porque de outra coisa não se trata - em nosso território?

Essas áreas, tão solícitas em implorar o prestimoso “auxílio” norte-americano, e em aparecer nos Estados Unidos, em eventos mais "sociais" do que outra coisa, já ouviram ou conhecem o significado do termo reciprocidade, aplicado à relação entre estados soberanos?

Já se imaginou a Polícia Federal brasileira abrindo um escritório nos EUA, para prestar "consultoria" à polícia nova-iorquina no combate ao tráfico de armas?

Isso nunca ocorreria, pelo simples fato de que a população, a imprensa, o Judiciário e o Congresso dos EUA não o aceitariam, porque, ao menos nesse aspecto, eles têm vergonha na cara.

Vergonha, em nosso lugar, com esse tipo de atitude, não é outra coisa que países latino-americanos - com exceção do México, cada vez mais um estado norte-americano - vão sentir ao saber dessa notícia.

Vergonha, em nosso lugar e não outro sentimento, é o que vão ter nossos parceiros do BRICS, ao saber dessa notícia, já que todo o mundo sabe como os EUA agem: primeiro abrem um escritório em uma determinada área, depois um monte de escritórios de "cooperação" em várias outras áreas, e, depois, dificilmente dão o fora, sem criar problemas, a não ser que sejam derrotados e escorraçados, como ocorreu ao fim da guerra do Vietnam.

Ou alguém aqui imagina a Rússia, a Índia e a China convidando a polícia e os órgãos de inteligência norte-americanos a instalar escritórios e operar em seus respectivos territórios?

Não
Eles não fazem isso, assim como não admitem que imbecis, em seus comentários de internet, em portais russos, indianos ou chineses, preguem a entrega de suas empresas ou de seu país aos EUA, ou encaminhem petições de intervenção à Casa Branca, como comumente ocorre, nestes tempos vergonhosos que vivemos, em portais e sites brasileiros.

Talvez por isso, a Rússia, a China e a Índia, sejam potências espaciais, militares e atômicas, enquanto nós estamos nos transformando, cada vez mais, em um ridículo simulacro de província norte-americana, apesar de sermos, com mais de 250 bilhões de dólares emprestados, o terceiro maior credor individual externo dos EUA.
 

Em tempo: em sua comunicação com a imprensa, o governo do Rio de Janeiro conclui dizendo que não pode dizer quando vai começar a operar o escritório norte-americano em território fluminense.

O anúncio oficial da instalação não será feito por nenhuma autoridade brasileira.

Ele será feito – incrível e absurdamente - como se estivesse ocorrendo em território norte-americano, pelo próprio governo dos EUA.

Nesta toada, conviria começar a pensar, com urgência, na realização de um plebiscito para a entrega do Brasil aos Estados Unidos.

Com isso, os bajuladores poderiam exercer seu amor aos gringos sem precisar de visto, ou de se deslocar para Miami ou Nova Iorque.

Aprenderíamos o inglês como primeira língua, sem necessidade de pagar as mensalidades do curso de idiomas.

E todos nós receberíamos em dólares, trabalhando e descansando quando Deus nos permitisse, já que nos EUA não existe sequer a obrigação de pagar férias remuneradas, por exemplo.

A questão é saber, se, juntamente com as riquezas e o território brasileiros, os EUA, tão ciosos de sua nacionalidade - aceitariam receber, sob sua bandeira, a "estirpe" de invertebrados morais, hipócritas, entreguistas, submissos e antipatrióticos em que estamos nos transformando.

* O autor é jornalista
Republicado do site do autor: http://www.maurosantayana.com/2015/11/brasil-eua-submissao-cooperacao-e.html

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quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Ponte para o Futuro é a ponte para o inferno


Roberto Requião
Senador (PMDB-PR) e ex-governador do Paraná

No último dia 29 de outubro, a Fundação Ulysses Guimarães, vinculada ao PMDB, lançou um documento intitulado “Uma ponte para o futuro”. O escrito faz um amplo diagnóstico da atual situação política, econômica, social e fiscal do Brasil, para então elencar supostas soluções que, infelizmente, estão distantes de contemplar os interesses da população.

Baseado numa retórica moderada e superficialmente sensata, faz uma análise aparentemente consequente, somente aceitável para aqueles que já se contaminaram pelo terrorismo econômico contra o Estado. Mas o meu Velho PMDB de guerra não se reconhece no documento que, na realidade, tenta marcar uma total ruptura do partido com as propostas voltadas para o âmbito social.

A aderência ao mofado ideário do Consenso de Washington se materializa com vigor, refletindo o alinhamento incondicional ao domínio das finanças, que se apresenta como tábua de salvação, mas que na realidade constituiria a liquidação das bases produtivas nacionais e captura dos rumos do governo pela Banca.

A análise de conjuntura incluída no documento dá importância fundamental a dois postulados bastante discutíveis patrocinados pelo mercado financeiro. Primeiramente desconhecem o ajuste fiscal como promotor da recessão, elegendo o déficit como vilão. Por mais absurda que seja, essa é interpretação querida dos monetaristas da Escola de Chicago, os mesmos que comandavam muitos dos grandes bancos responsáveis pela crise de 2008, que agora atinge as economias em desenvolvimento. A partir disto, como que por desdobramento natural, “constatam” que a Constituição de 88, “não cabe no orçamento”, que teria “excesso de direitos”, especialmente os sociais e trabalhistas. Da mesma forma, excomunga-a, pelo “absurdo” de vincular recursos para Saúde e Educação. Esbarram na óbvia conclusão de que temos, segundo o verdadeiro Ulysses Guimarães, uma “Constituição Cidadã”, que busca a construção do Estado de bem-estar social, hoje tão demonizado. Assim, concluem que ela deve ser exorcizada, desdemonizada, estirpando dela todas essas “irresponsáveis” preocupações sociais.

O que me deixa mais estupefato é que o documento, sem autores, busca sua credibilidade apenas no nome da Fundação Ulysses Guimarães. Ora, o documento defende acabar com a Constituição Cidadã, construída sob a batuta e liderança do verdadeiro Dr. Ulysses. Ela é reconhecidamente a maior realização da sua vida.

Mas o documento vai além de propor uma grande borracha para apagar os fundamentos da Constituição de 88. Em mais uma amostra de adesão ao pensamento único, toma os índices de competitividade como argumento a fim de preconizar o Estado mínimo e ataque aos direitos trabalhistas.

Ignoram que a produtividade, fator de alta influência na competitividade, é tanto maior quanto mais desenvolvida e complexa for a estrutura da economia. Isso não é alcançável pelo receituário neoliberal, mas sim por um projeto nacional de reindustrialização e desenvolvimento tecnológico.

O documento ataca frontalmente a capacidade do Estado de intervir na atividade econômica e seus inerentes ciclos, e no compromisso constitucional de combate a ainda enorme desigualdade social quando propõe: (1) limites para a dívida pública, medida draconiana e paralisante de efetividade jamais comprovada, (2) a possibilidade de pagar menos de um salário mínimo aos aposentados, expondo nossa população idosa ao empobrecimento e (3) a criação de um comitê independente de avaliação dos programas governamentais como Bolsa Família e Ciências sem Fronteiras, pondo-os em xeque, uma vez que se verão constantemente acossados pelas críticas do mercado, que vê como essencial somente o pagamento dos juros e amortização da dívida pública.

O ataque tecnocrata vai além, ressuscitando proposta já rejeitada no senado, a saber, a criação de uma Autoridade Orçamentária, que na prática serviria como ponta de lança dos credores, solapando a soberania e a própria democracia a partir do momento que impõe a ortodoxia econômica independentemente da decisão das urnas e das propostas dos políticos vencedores das eleições. A retórica da neutralidade na gestão financeira estatal serve ao propósito de capturar o processo decisório, privatizando-o na prática, sempre em favor da banca.

Prossegue no entreguismo típico de nossa elite associada ao capital transnacional, quando sustenta a continuidade da privatização da infraestrutura pública e até mesmo o cancelamento do mais ambicioso ensaio de desenvolvimento tecnológico e investimento social representado pela Lei da Partilha do pré-sal, que prevê a Petrobras como única operadora de seus campos, a política de conteúdo nacional e os fundos de investimento em educação e saúde. Retornar ao regime de concessão de FHC significa abrir mão de uma lei similar ao modelo norueguês, este que foi responsável pela ascensão do país nórdico ao mais alto patamar de desenvolvimento humano e bem-estar social.

Faz crítica correta, todavia, pontual, à enorme taxa de juros e às operações compromissadas do Banco Central – os dois maiores representantes da apropriação do orçamento público pelos bancos privados – para, em seguida, voltar atrás dizendo que qualquer “voluntarismo” no combate aos mais altos juros do mundo seria “o caminho certo para o desastre”.

Em demonstração de subserviência, insinua que devemos sustar o projeto do BRICS, submetendo o país às parcerias transatlânticas e transpacíficas lideradas pelos EUA, as quais dão privilégio aos investidores estrangeiros, agredindo a soberania, a proteção socioambiental brasileira e, mais uma vez, a “Velha” Constituição do verdadeiro Dr. Ulysses.

E para enterrar de vez qualquer pretensão de justiça social, defende o fim da CLT por meio da antiga ideia de permitir que o acordado prevaleça sobre o legislado, configurando retirada de direitos dos nossos milhões de trabalhadores.

É com pesar que assisto à arena política institucional oferecer cada vez menos possibilidades reais ao povo brasileiro. Com o governo imerso no “austericídio” de Levy, o PSDB há muito submisso aos ditames das finanças e o PMDB defendendo as maléficas iniciativas aqui expostas, temos a quase completa cegueira ideológica assumindo perigosa hegemonia e bloqueando a ascensão e desenvolvimento do Brasil, e usando o nome do Dr. Ulysses, à sua revelia.

Ulysses morreu. Querem agora enterrar suas ideias.

Reproduzido do site MSIa: http://msiainforma.org/ponte-para-o-futuro-e-a-ponte-para-o-inferno/


COMENTÁRIOS DO BLOGUEIRO:
O simples fato de reproduzir o artigo do senador Roberto Requião aqui no blog, demonstra meu apoio quase irrestrito às denúncias feitas por ele.

Adicionalmente, sobre a questão dos juros da Taxa Selic, mostro o gráfico sobre as despesas do Orçamento da União de 2014, em que fica demonstrado de forma inequívoca o descalabro provocado pelo pagamento dos juros ao mercado financeiro, que correspondem a 45,11% do total, e isto quando os juros da Selic eram inferiores a 10% a.a., imagine-se agora com 14,25%. 

Quer o lado oposicionista do PMDB acabar com programas sociais, reduzir o salário mínimo dos aposentados, entregar o Pré-Sal, reduzir investimentos em educação e saúde, alterar a CLT, e manter o tal ajustamento do déficit público, mas não pode mexer nos juros.
Ora, isso é um descalabro, o povo tem de aprender a votar! Que eleja em 2018 qualquer um para presidente, mas que não se vote nos candidatos do PMDB para o Congresso Federal, exceto no Requião, é claro, apesar de, ao que tudo indica - e que assim seja - que ele deva sair do PMDB. Depois dessa! Fico na torcida, qualquer partido é melhor que o PMDB...

Vejam o Orçamento da União, e me digam se estou enganado:

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terça-feira, 10 de novembro de 2015

“Governo mundial” mobiliza Avaaz para aprovar “Corredor Triplo A”

Richard Jakubaszko 
conforme já informei aqui neste blog, em postagem recente ( http://richardjakubaszko.blogspot.com.br/2015/10/a-cop21-vem-ai-e-com-ela-agencia.html ), avançam as intenções dos ambientalistas em estabelecer um "Corredor Ecológico" na nossa Amazônia, fruto das "boas intenções" econômicas e de poder dos países do chamado "mundo desenvolvido".

 

“Governo mundial” mobiliza Avaaz para aprovar “Corredor Triplo A”
A ONG virtual Avaaz está plenamente engajada em mais uma campanha do aparato ambientalista internacional para engessar o desenvolvimento da Região Amazônica. Com o intuito de mobilizar a opinião pública internacional para pressionar o governo brasileiro e, evidentemente, aumentar a sua receita de doações pela internet, a ONG iniciou um apelo pela criação do chamado “Corredor Triplo A”, esdrúxula proposta para a criação de um corredor ecológico de 1,35 milhão de quilômetros quadrados dos territórios amazônicos da Colômbia, Venezuela e Brasil.

A proposta foi originalmente concebida pelo antropólogo colombiano-estadunidense Martín von Hildebrand, fundador e presidente da Fundación Gaia Amazonas, e endossada pelo presidente colombiano Juan Manuel Santos, que pretende apresentá-la na conferência climática de Paris (COP-21), em dezembro, como parte dos esforços sul-americanos contra as mudanças climáticas. A intenção de Santos era convencer os governos do Brasil e da Venezuela a apoiar a proposta, mas os recentes atritos fronteiriços com o governo de Nicolás Maduro podem prejudicá-la. Por outro lado, a atual fragilidade política da presidente Dilma Rousseff deixa o Brasil ainda mais enfraquecido do que costuma ser diante de semelhante tipo de pressões motivadas por insidiosas iniciativas de “proteção” do meio ambiente e de povos indígenas.

Sempre pronto para faturar com tais causas, enquanto cumpre o seu papel de linha auxiliar da estrutura de “governo mundial” que controla o movimento ambientalista-indigenista internacional, o fundador e diretor-executivo da Avaaz, Ricken Patel, assina o texto que está sendo enviado por e-mail a milhões de brasileiros, com o pretensioso título “A melhor ideia do mundo”. A intenção, além de pedir o endosso dos destinatários, é assegurar doações em dinheiro a mais essa “causa nobre” defendida pela ONG, que, oficialmente, se sustenta com elas (em 2013, segundo informações do seu próprio sítio, a sua receita foi de 14,647 milhões de dólares).

O texto de Patel é apelativo, mentiroso e verdadeiramente ultrajante para qualquer cidadão brasileiro que preze a sua inteligência, integridade moral e sentido de patriotismo. Ele mistura informações falsas, como a surrada tese de que a Amazônia seria o “pulmão do mundo”, produzindo 20% do oxigênio do planeta, com uma cínica descrição da oportunidade que ele e seus mentores do “governo mundial” veem como um momento propício para pressionar o governo brasileiro. Como nenhum resumo faria jus ao descaramento do líder da Avaaz, os leitores são convidados a tirar as suas próprias conclusões, com a advertência de que a as narinas mais sensíveis devem ser protegidas (os grifos são nossos - uma versão reduzida se encontra neste link): https://secure.avaaz.org/po/save_the_amazon_fr_loc/?cl=8467484712&v=64098&OtherAmount 


Vejam os absurdos:
  •  Esta é a melhor ideia do mundo
  •  Sabia que a Amazônia, muitas vezes chamada de “pulmão do mundo”, fornece 20% do oxigênio do planeta, abriga 10% da biodiversidade global e, além de ser nossa melhor defesa contra as mudanças climáticas, é o lar de muitos povos indígenas nativos?
  • Mas, mesmo assim, a floresta está sendo devastada a uma taxa de mais de 16 campos de futebol no tempo que se leva para ler este e-mail.
  • Estou falando sério.
  • Como parar um desastre como esses? Bom, a ideia é a seguinte: formar a primeira reserva ecológica transnacional do mundo, ou seja, um gigante parque florestal totalmente protegido! Essa ideia já tem o apoio de um milhão de membros da Avaaz, que assinaram a petição, e até do governo da Colômbia, que faz parte da Amazônia. Agora, só precisamos convencer o Brasil. No momento, a popularidade da presidenta Dilma Rousseff está no ralo e ela precisa de algo para agradar o povo. Os brasileiros amam a Amazônia. E, de acordo com contatos da Avaaz, isso leva a crer que as chances dessa ideia ter apoio popular e se tornar realidade são altas!
  • A reserva teria o dobro do tamanho da França. Parece sonho, mas falta bem pouco para se concretizar — e seria uma das melhores coisas que já fizemos! Entretanto, assim que a vitória estiver a nosso alcance, as indústrias da pecuária e mineração baterão de frente, usando seus recursos milionários para nos calar. Precisamos fazer barulho e conduzir uma campanha publicitária impecável para convencer a presidenta Dilma a apoiar nosso projeto. Temos que agir agora. Se 50 mil pessoas doarem um valor equivalente a um refrigerante, café ou a uma refeição nas próximas 24 horas, nós conseguiremos arrecadar o suficiente.
  • Faça uma doação para ajudar a transformar a Amazônia na maior área florestal protegida do mundo!
Depois de pedir as doações, com valores a partir de R$ 8,00, Paten descreve o modus operandi da campanha (os grifos são do original): 

  • A comunidade da Avaaz no Brasil tem 7 milhões de membros e já estamos trabalhando junto com líderes indígenas neste projeto. Não há ninguém mais bem posicionado do que a comunidade da Avaaz para conduzir uma campanha popular como essa. Mas para garantir que os poderosos ouçam nossas vozes em alto e bom som, silenciando os lobistas, precisamos de fundos para aumentar o volume das nossas vozes usando táticas como:
  • Propagandas e anúncios publicitários, com apelos emocionantes feito por artistas famosos.
  • Visitas de líderes indígenas para promover o projeto e encontrar os principais políticos em Brasília e outros locais.
  • Levar os veículos de imprensa nacionais e internacionais para a Amazônia, a fim de divulgar a reserva ecológica e aumentar a pressão da mídia para aprovarmos este projeto.
  • Ações e manifestações para engajar mais pessoas e dar o tom da mobilização.
  • Apelos pessoais direcionados à Dilma da parte de autores e artistas que ela admira.
  • Uma equipe para acompanhar o processo no Palácio do Planalto e responder rapidamente a cada reviravolta.
  • Restam apenas três grandes florestas milenares no planeta, a mais importante delas no Brasil. Precisamos da Amazônia para sobreviver, tanto quanto os povos indígenas que vivem lá. Parece bom demais para ser verdade, mas falta pouco para a decisão que pode vir a ser um divisor de águas histórico na longa luta para salvar a Amazônia.
No momento em que escrevemos, mais de 51 mil pessoas já haviam feito doações à “campanha” de Patel (sobre elas, talvez seja oportuno recordar o dito do velho mestre circense Peter T. Barnum – “A cada minuto nasce um otário no mundo”).

Quem é Ricken Patel
Ricken Patel, cidadão de nacionalidade canadense, é um típico operativo do aparato de ONGs do Establishment anglo-americano, que constitui o núcleo do “governo mundial”. De acordo com o seu currículo, ele é mestre em Políticas Públicas pela Escola de Governo John F. Kennedy da Universidade de Harvard, tem um bacharelado pela Universidade de Oxford e passagens pelo International Crisis Group, Fundação Rockefeller, Fundação Gates, CARE International e International Center for Transitional Justice – todas, instituições diretamente vinculadas aos interesses da oligarquia anglo-americana.

Antes de fundar a Avaaz, em 2006, ele criou as ONGs virtuais MoveOn.org, Res Publica e FaithInPublicLife.org, baseadas na mesma estratégia: mobilizar pessoas de todo o mundo para fazer doações, por meio de campanhas e petições sobre assuntos em destaque.

O cv informa, também, que ele foi o primeiro de uma turma de 350 alunos em Oxford. Talvez, por se considerar um diferenciado, Patel tenha decidido iniciar uma carreira solo no mundo da militância internacionalista nas causas determinadas pelo Establishment oligárquico. Como presidente da Avaaz, no segundo semestre de 2008, Patel se atribuiu vencimentos de 126 mil dólares, equivalentes a um salário mensal de R$ 40 mil. Nada mal para um trabalho que consiste em enviar e-mails para os quatro cantos do planeta, para o que não parece precisar de muita ajuda, pois a ONG funciona com um reduzido quadro de funcionários (apenas cinco, até 2010, segundo a prestação de contas daquele ano). O site Avaaz.org está registrado em Paris, em nome de Matt Holland, embora a organização esteja sediada em Nova York. Curiosamente, o nome de Holland sequer consta dentre os membros listados nas prestações de contas da ONG.

No Brasil, a Avaaz já realizou campanhas de assinaturas eletrônicas contra o Código Florestal, a construção de Belo Monte, a remoção da comunidade quilombola Rio dos Macacos nas proximidades da Base Naval de Aratu (BA) e outras iniciativas, com frequência – e não por coincidência – vinculadas a temas de interesse da agenda intervencionista do Establishment.

A Avaaz parece ser uma inovação no mundo das ONGs internacionalistas, combinando o ativismo engajado com um claro propósito de obtenção de polpudos ganhos pessoais por seu criador, Patel. Cabe aos brasileiros colocá-lo no seu devido lugar.

Publicado originalmente no site da MSIa: http://msiainforma.org/governo-mundial-mobiliza-avaaz-para-aprovar-corredor-triplo-a/

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