Carlos Eduardo Florence *
Talvez expondo com métrica e
pronunciando acentuadamente as proparoxítonas as hipóteses das metáforas fiquem
mais objetivas para vosmecê. Confesso, sem pejo, que a memória poderá falhar em
alguns pontos por aceitar, sem precaução, como testemunhas duas falcatruas
lésbicas e um artefato hipócrita desconhecido. Mas não alteram os pontos
nevrálgicos e vamos objetivamente aos fatos que me obrigaram a rever se
existiria sentido pragmático entre as ambivalências de concordar, isoladamente,
com o projeto de incentivo à pesquisa para a aceleração da menopausa precoce ou
optar pelo imperativo lúdico de desfrutar, com prudência, dos milagres
minimalistas das orações gregorianas.
A academia não se pronunciou, em tese, pois houve um ponto
especifico de inflexão sem que o jasmim, com tendência homofóbica, se
declarasse comprometido com o porvir. Pelo ritmo da apoteose poderia surgir um
fato novo ou seria a confirmação dos resultados práticos do que me empenhara há
muito que se esclareceriam só com o tempo? Explico melhor, isto é, sequenciaria
o contraditório da teoria da insuficiência da fé para conter o efeito das marés
montantes no aleitamento do capricórnio ou garantiria, no sentido realmente
tautológico, a probabilidade da certeza de ganhos permanentes em jogos de azar?
Esclarecido ponhamo-nos a caminho.
Embora de formas não
heterodoxas eram estes os pensamentos que me acossavam durante o período que
deixei a porta da Igreja do Barroquinho de Ancalás, andando pela Alameda da
Vergália, até atravessar o Viaduto Urcão do Redentor. A alma de Zeferão da
Zinca, que desencarnara com uma navalhada do capoeira Quebaldo Ruca no último
outono, fez questão de me acompanhar até a porta do Grupo escolar Professor
Tamberte. Ali constatei, sem dúvida, que a solução fora inconclusiva, como
salientei, razão das crianças do jardim da infância se desajustarem
alegremente, incorporarem Netuno e passarem a brincar de Santa Ceia e Pilatos.
Lembrei que Rauâ, meu guru, não pontificara sobre estas hipérboles. Determinou
ele não ser parte das gêneses de suas preocupações sobre o futuro, tanto como a
megalomania e muito menos pontos aderentes ao Protocolo dos Sábios do Sião, que
não o haviam comovido de forma alguma.
Neste sentido meu profeta reconfirmou estar em alfa, sem
perspectivas de definir valores morais sobre métodos contra conceptivos para os
gambás, frise-se, indiferentes, e pensando em retornar aos estudos de sânscrito
como inspiração espiritual para a profilaxia da pesca não predatória. Sendo
terreno espiritual conflitivo, entre a esquizofrenia e a previsibilidade dos
tarôs para estimar a colheita de fantasias das ninfas de Albadén, optou ele por
transferir o protocolo para uma Igreja Pentecostal Maronita e usar escalas
jônicas nas suas partituras.
Mereceríamos repouso depois deste estafante trabalho de
análise transacional. Meditei com toda prudência, embora constatando certo
sentimento paranoico que a lagartixa do teto esquerdo da latrina imunda do
Cortiço do Mandega, onde morava então, estivera, irritantemente, a me espionar,
de forma agressiva, com ares de quem exigia certezas e valores absolutos sobre
as interrogações canônicas dos milagres do Beato Alcadim e a garantia de que a
imprevisibilidade crônica das tonalidades furta-cores do fim do veranico fossem
poupadas do aborto obrigatório estatal. Precisaria frieza, sem entrar no mérito
da questão, para resolver a equação imposta pela circunstância.
No hiato dei-me ao direito de decidir, convicto, que entre
uma samambaia, ainda que imatura nos seus valores emocionais e um colibri a
cirandar pela janela das minhas fantasias, por mim escancaradas para ele sugar
as ansiedades e poupar os deleites, a melhor opção seria tangenciar a
inclinação emocional da lua, àquela hora se desfazendo elegante entre duas
nuvens caladas e a minha desilusão. Conclui que as propostas não se
contradiriam, tanto que uma delicada fase rosada dos reflexos dos meus
pensamentos sobre o espelho quebrado da parede sem reboque transcorreu suave,
aguardando a brisa mansa regar meus sonhos.
Poderia vestir o pijama e dar-me ao direito do repouso
depois destas exaustivas apreciações criteriosas sobre o imprevisível. No
entanto escutei nítida, indiscutível, a insinuação irônica da luz forte de uma
teoria materialista sobre a evolução das espécies. Esta, de forma pragmática,
reluziu ainda mesmo sem ter tido oportunidade de menstruar pela tenra idade,
sentar-se dialeticamente sob o cavaco de primeira linha do vizinho músico e
expressar-se com um poema educado, suave, impúbere, procurando não uma solução
do problema dodecafônico, mas, nas circunstâncias, optou pela paixão da sílfide
da escala de fá. Desta forma o tempo propiciaria a procria de colcheias em
bemóis e sustenidos em semicolcheias, além das pausas. O sonho seria, de ambos,
somente ordenharem as libélulas e os arco-íris para amamentarem as adoradas
criações.
Não sucumbira eu até então, malgrado as incertezas.
Descobri, incontinente, a partir daquele momento, que comandava o universo
somente com meu equilíbrio emocional e o raciocínio lógico. Transmudava as
suposições obedientes entrecortadas a meu bel prazer em formas longitudinais,
provérbios instigantes, melodias irrefutáveis. Obrigava, altivo e senhorial, os
movimentos calados a se transformarem em objetos e estes eu os estilhaçava em
simples efeitos sonoros, desconsiderando, por último, interpretá-los, eu mesmo travestido
em saltimbanco, em seus papeis de despedaçados remorsos humilhados de nada.
Sentia a gloria beijar meus testículos como o fazem os colibris em suas fainas
singelas.
Por fim, eu esculpia meticulosamente, a partir do fundo
subjetivo das minhas elucubrações, eloquente eu, sempre auto centrado e só,
como comandava a minha superioridade, e endeusava os restantes dos nadas,
obedientes e inúteis, com os quais embalava as sensuais gotículas de orvalho
descendo pela janela para refletir os afagos doces com que as minhas fantasias
acarinhavam o próprio ego em seus seios maternais. Neste exato ponto do enredo,
que eu compusera em minha euforia, senti a presença de Édipo passeando altivo e
vingativo em meus meandros como se fosse mestre sala do inconsciente ou
menestrel vegetariano.
Se compensavam as suposições entre o instinto de maternidade
e o arraigado espírito ontológico de prevaricação da classe abastada. Com estas
colocações esclarecidas restaria encerrar a pauta evitando a prolixidade. Não
havia realmente mais nenhuma dúvida oscilando entre as metáforas e as figuras
de sintaxe, esperando-me depois daquela vírgula inútil antes do final do
parágrafo. Era claramente visível, a intenção desta pontuação atrevida, como se
tivesse a intenção de sujeitar-me à mesquinhez de alguma parábola ou propensa a
convencer-me de que a aceitação do resultado do exame psiquiátrico me traria
mais sentido pragmático.
Meu raciocínio, além de brilhante, era perfeito, assim
conclui modestamente. Rememorei todos os detalhes. Volto aos fatos, para
aclarar os acontecidos. Confirmo com saudades, como assistia enternecido, que
há anos descia uma simbiose, em formação ainda, de melancolia com pé-de-moleque
do outeiro de Rantaso, sempre que esta situação se plasmava. Era um alerta a
figura da simbiose. Com isto posto, automaticamente, uma pétala fugidia do
arco-íris se acomodava na parede da varanda onde o sol vinha descansar ao meu
lado. Ali cantava o astro chamando a brisa para embalá-lo antes de se retirar
para o poente. Eu o ouvia cerimonioso, sem interferir, nas suas cantilenas
gostosas, longas, para não o perturbar.
Lembrei-me, isto é fundamental no contexto, que possuía
ainda a mesma caneta Parker que fora de Jongoinho, meu avô. Por temperamento ou
tradição estava a Parker relutante em anotar o que eu ordenava, mas os fonemas
se comportavam dóceis e convencidos da necessidade de ocuparem os espaços
vazios, ortogonais, disponíveis entre a indecisão das orientações metódicas que
eu lhes impunha e um preconceito de gênero que atravessava o zodíaco sem
solucionar suas incertezas psíquicas. O vão entre a demanda de carinho e a
indefinição sobre a síntese metódica do pecado original foi suficientemente
intransigente a ponto de propor-me conceitos conflituosos. Na dúvida não
rejeitei nem considerei que o azul seria a cor preferida para ir a quermesse de
Santa Ruíta. Sabia e, modestamente, aproveitei todos os conflitos, impondo-me
penitências sucessivas para suportar metodicamente vários pleonasmos arrogantes
e intransigentes durante a quaresma que se seguiu. A Parker foi extremamente
compreensível neste período exaustivo. Não sei se me fiz claro, embora ela
tenha desaparecido.
Não desisti, mesmo tendo seguido com olhar cativo o
beija-flor à janela ao desviar-se da primeira camélia que se ofereceu, até ver
nitidamente o vitral da sala ser cortado por uma cigarra ofegante pedindo para
ser aproveitada como soneto alexandrino. Caso não ocorresse esta metamorfose
monocromática, pediria eu ao Cônego Vicatinho escusas por não participar da comunhão
dos abstêmios da sétima ceia na catedral em louvor ao imponderável. Mudei de
espaço psicossomático e retornei ao Bar do Rigado onde o garçom limpou o
silêncio, esclareceu que o tempo era uma questão de ponto de vista,
metamorfoseou um subterfúgio em dó sustenido, fantasiou usar seu melhor pigarro
para ser convincente ou trocaria as incertezas de que dispusera até então para
confundir o futuro. Não me permitiu escolher entre um salmão sem tempero e uma
moça vistosa que se sentou à mesa em frente ao caixa, com um decote delicado e
atraente.
A partir deste instante não consegui atinar com alguns dos
detalhes que me impuseram as circunstâncias. Não entendi porque o policial
armado entrou pelas portas do fundo enquanto sua companheira, saindo de uma
ambulância, moça até educada, ofereceu-me a camisa branca com tiras sobrando e
que adoravam se entrelaçar dos meus quadris às costas, apalparem meus mamilos,
beijarem-me até o pescoço. Gritei independência ou morte em homenagem a
Tiradentes, pois me senti um ícone de mãos atadas, lindo como peça descomposta
em pedra sabão pelo Aleijadinho nos outeiros das Gerais.
Me pus calmamente em tormentas e adjacências desmerecidas.
Imagine eu, com o meu acervo intelectual e artístico de saltimbanco consagrado,
poeta, instrutor de marimba e filho de Ogun Lele naquela postura de
irreverência junto ao público que continuava sendo devorado pelos seus apetites
incontidos, pratos circulando, garçons gritando, apogeu do destempero. Mas
enfim dos males o menor, fez-se e faz-se o tempo. Daqui escrevo, este santuário
de solidão, pois ouço agora, muito compreensível, só a angústia desta pobre
jabuticabeira ao meu lado, que reservou em particulares sussurros a mim, a
pouco, que não tem ideia do que fizeram com o mamoeiro geneticamente
modificado, que a acompanhava apaixonado e de mãos dadas nos passeios das
manhãs.
Acredita ela, agoniada, que uma ONG ambientalista o
sequestrou. Escutei-a chorar, por último, enquanto a moça de branco e mandante,
ciumenta da jabuticabeira que me acarinhava e apetecia, puxava-me pelas mãos e
sugerindo a tomar pílula de sonhos ou dos delírios.
* o autor é economista,
blogueiro, escrevinhador, e diretor-executivo da AMA – Associação dos
Misturadores de Adubos.
Publicado em http://carloseduardoflorence.blogspot.com/2020/09/sete-semanticas-e-seus-contrastes_2.html
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