domingo, 13 de julho de 2025

Aposentados não têm culpa pela má gestão da previdência

Artur Marques *

Não é de hoje que o setor público brasileiro convive com o descontrole fiscal. Décadas passaram-se e os mesmos erros continuam se repetindo, como se o tempo nada ensinasse. As engrenagens da máquina administrativa, tanto na União quanto nas unidades federativas, giram em torno de decisões improvisadas, medidas eleitoreiras e uma estrutura que resiste à modernização da gestão. Um dos fatores incluídos nessa crise crônica, que desafia sucessivos governos, é a Previdência Social, usada frequentemente como bode expiatório para justificar rombos orçamentários que, na verdade, têm origem mais ampla e profunda.

A desgastada narrativa que tenta jogar sobre os aposentados e pensionistas a culpa pelo desequilíbrio previdenciário é injusta, além de técnica e moralmente equivocada. Os beneficiários do sistema não são os responsáveis por sua má condução. Não decidem onde aplicar os recursos, nem formulam as regras de elegibilidade. Tampouco têm poder sobre as estratégias de arrecadação e investimento. 

Os aposentados e pensionistas são, na verdade, credores do Estado. Contribuíram por décadas, de maneira compulsória, com a expectativa legítima de que seus direitos seriam respeitados. Quando o setor público falha em garantir a sustentabilidade de um fundo que deveria ser tecnicamente superavitário, o problema está na gestão e não nos beneficiários.

Fico espantado com a naturalidade com que se propaga a ideia de que os aposentados e pensionistas custam caro demais, como se fosse um luxo, e não um direito, garantir segurança a quem já deu imensa cota de contribuição ao Brasil e à economia. E digo com franqueza: esse raciocínio leviano revela mais sobre a precariedade da nossa administração pública do que sobre qualquer falha no desenho da Previdência em si. Muito do seu dinheiro foi desviado, ao longo do tempo, para outras finalidades, como obras públicas ou a cobertura de rombos orçamentários, comprometendo seu equilíbrio. 

Soma-se a isso o histórico de fraudes que dilapidam o caixa e expõem a fragilidade dos mecanismos de controle. A verdade é que o desequilíbrio é alimentado por políticas mal calibradas, isenções que comprometem a base de arrecadação, informalidade crescente no mercado de trabalho e uma estrutura organizacional que não se moderniza. 

Vale lembrar que, embora se reconheça o crescimento das despesas previdenciárias nos últimos anos, isso não pode ser interpretado fora de contexto. O envelhecimento da população é uma realidade global. Muitos países vêm se preparando para isso com reformas que equilibram sustentabilidade atuarial e proteção social. No Brasil, no entanto, insiste-se em uma abordagem que foca apenas no corte de benefícios e no endurecimento de regras, sem atacar a raiz do problema: a governança ineficaz e a ausência de planejamento de longo prazo. 

Além disso, os próprios aposentados e pensionistas vêm sendo vítimas de práticas abusivas e criminosas, como a contratação de crédito consignado por fraudadores e descontos irregulares por entidades e associações, agora revelados, também autorizados à revelia. Nos dois casos, aplicam-se descontos indevidos nos proventos, reduzindo o poder de compra e dilapidando os vencimentos dos legítimos beneficiários. Isso é um absurdo! Quando o sistema, que deveria amparar, abre brechas para esse tipo de ocorrência, começa a corroer a dignidade de quem depende dele. Esse alerta precisa ser levado muito a sério. 

O que está em jogo, afinal, é a confiança da sociedade em um modelo de estrutura que deveria garantir previsibilidade e justiça. É preciso que se diga com todas as letras: a Previdência não pertence ao Estado, mas sim aos trabalhadores. Cada real ali depositado tem dono, tem a história de numerosas vidas e tem o propósito de proporcionar segurança a quem já trabalhou muito e fez sua parte. Administrar esse fundo com zelo e responsabilidade é obrigação do Estado, e não um favor. 

O déficit, quando existe, é sintoma da incompetência de quem gere, não da infundada culpa de quem recebe. Equilíbrio fiscal não se alcança punindo quem já pagou sua cota. Esse diagnóstico claro, sem narrativas e retóricas enviesadas, precisa ser entendido pela sociedade e reconhecido com ética e honestidade pelo poder público. 

* o autor é o presidente da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP).

 

 

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