Mostrando postagens com marcador poesia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador poesia. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Poema sobre a Velhice

José Saramago

Quantos anos eu tenho?
O que importa isso?
Tenho a idade que escolho e que sinto!
A idade em que posso gritar sem temor o que penso,
fazer o que desejo sem receio de errar,
pois trago comigo a experiência dos anos vividos
e a força inabalável das minhas convicções.

Não importa quantos anos tenho,
não quero saber disso!
Alguns dizem que estou velho,
outros afirmam que estou no auge.
Mas não são os números que definem a minha vida,
não é o que dizem,
mas sim o que o meu coração sente
e o que a minha mente dita.

Tenho os anos suficientes para gritar minhas verdades,
fazer o que quero,
reconhecer velhos erros,
corrigir rotas e valorizar vitórias.
Já não preciso ouvir:
“Você é jovem demais, não vai conseguir”,
ou “Você está velho demais, o seu tempo já passou”.

Tenho a idade em que as coisas são vistas com serenidade,
mas com o desejo incessante de continuar crescendo.
Tenho os anos em que os sonhos
podem ser tocados com os dedos,
e as ilusões se transformam em esperança.

Tenho os anos em que o amor,
às vezes, é uma chama ardente,
ansiosa para se consumir no fogo de uma paixão.
Outras vezes, é um porto de paz,
como o pôr do sol que se reflete nas águas tranquilas do mar.

Quantos anos eu tenho?
Não preciso contar,
pois os desejos que alcancei,
os triunfos que obtive,
e as lágrimas que derramei pelas ilusões perdidas,
valem mais do que qualquer número.

O que importa se fiz cinquenta, sessenta ou mais?
O que realmente importa é a idade que sinto,
a força que tenho para viver sem medo,
seguir meu caminho com a experiência adquirida
e o vigor dos meus sonhos.

Quantos anos eu tenho?
Isso não importa!
Tenho os anos suficientes para não temer mais nada,
e para fazer o que quero e sinto.
A idade? Não importa quantos anos ainda tenho,
porque aprendi a valorizar o essencial
e a carregar comigo apenas o que realmente importa!

 

 

 

.

domingo, 30 de janeiro de 2022

A filosofia de vida de Mário Quintana

Richard Jakubaszko    

O mundo vai explodindo nos seus desequilíbrios, com a inflação e o desemprego no pós-pandemia que ainda nem acabou, e provoca discussões mil, enquanto tento esquecer um pouco as neuroses e fracassos humanos na poesia e nos pensamentos filosófico dos poetas como Mário Quintana: "Eu moro em mim mesmo. Não faz mal que o quarto seja pequeno. É bom, assim tenho menos lugares para perder as minhas coisas". (Mário Quintana).

Ou quando ele dizia: "Todos estes que aí estão atravancando o meu caminho, eles passarão. Eu passarinho!"

Tudo tem a ver com os políticos, né não?

 

.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Anatomia da solidão em ré maior d’antanho.

Carlos Eduardo Florence *
  

De porcelana o gato olhava tristonho, meditava azul sobre a mesa.

Partilhavam, competia ao relógio reger a preguiça atrasando pontualmente.

Cainha, prima, para pecar anoitando, espero, se Deus quiser, reza.

Tempos e tantos se marcavam pelo trem que avisaria à Vila assim, no repente.

Dois adverbiais, lentos, jogavam paciência nas mãos das minhas avós.

Mãe Dina fritava iscas de angústias antigas, calma, delicada, sem pressa.

Dentes escovados, sino das seis propôs, sono, resguardo, regados cravos.

Convido Cainha para visitar a bica, a boca, bolina, o beijo, anseios.

Escureceu. Uma nuvem queria brincar de garoa, amém, desmotivou.

Nos demos, sem cismas pelas ramas as mãos, eu o regalo, ela os seios.

O silêncio chamou o carinho, o carinho o motivo, o motivo enfeitiçou.

Cerra-se o portão da frente, quem chegou se deu, quem não, restou.

E por ser, sol, se despedia em furta-cores para deixar dormir motes e cantos.

Lembro, faço-me choro, foi-se. O futuro inútil sumira graças ao então delicioso.

Corria um riacho, entre os desejos, ao fundo a bica, o pequi, tais e encantos.

O porvir escondíamos nos menosprezos, era fútil, melhor o ali, caia moroso.

Atento, o galo, muito nosso, se fazia de alerta quando a intromissão surgia.

Mãos, lábios, sonhos subiam pelos silêncios e corpos, bem nos quer, a sós.

O sotaque mal afinado de um violão destoa, sei onde não, solfeja agonia.

Venta Noroeste para a estrela candente espionar o ouvir do que fazemos nós.

Caminho, frente, trota o atraso acavalado do tropeiro ao sem rumo ou motivo.

Presto atento, riacho brinca de salta-mula, assim marulho as pontas dos seios.

Sumimo-nos de dois ao sermos só um se dar, o restado foge no embora altivo.

O galo avisa que sombras saem do sobrado às catas nossas pelos entremeios.

Mãe Dina campeia-nos sumiços, trevas, suas velas, trovas, preces, chamas.

Fugimos pelo desejo, lado oposto, disfarçamos delongas com a realidade.

Havia só o por ser sendo, pois o tempo não semeava tristeza ou dramas.

Ânsia cala, vontades quietam, somem os seios, para só ver amanhã, risonho.

O curiango estica pelo além, Cainha, acha a porta da cozinha, eu uso a saudade.

Intuía tudo Mãe Dina, sorri ao galo para acalentar seu atino do nosso sonho.

Tempo deu-se a me esgarçar passados, a não ensinar esquecer. Tal choro

Ah! Deus; adeus. Digo, doido, doído ou oro?

* o autor é economista, blogueiro, escrevinhador, e diretor-executivo da AMA – Associação dos Misturadores de Adubos
Publicado em
http://carloseduardoflorence.blogspot.com/2021/02/anatomia-da-solidao-em-re-maior-dantanho_16.html

 

.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Feliz Natal II

Richard Jakubaszko  

Em tempos de pandemia, incertezas e indefinições, nada melhor do que um texto primoroso de Galeano, que nos alivia o peso, é como um Feliz Natal:



 .

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Por sintonia ao amanhecer que chegando em sustenidos.

Carlos Eduardo Florence *

Veio, grito, feio.

Horror.

O ano afastou o abraço, o laço, o ser, o se ter.

Asco.

Prudência criou angústia.

A tese ânsia.

Amorteceu em nós o nós.

Lúcifer cuspiou, colhemos solidão.

Mas o homem cria, crê, cresce.

Mais um dia ou do amém surge, por alguém ou sim, do talvez, enfim, do além, por sina ou sorte, a vacina, a rima, o sorriso, o por fim.

E deste, assim, enfim, revoa e volta o achego, o afeto, o traço, o abraço.

De véspera e espera, segue de antemão este então de que nos vejamos muito no ano que se dará de saúde e remissão.

Tudo de melhor a todos os seus.

Até um breve.

Desejo e sonho.

 

 

 

 

 

 

 


* o autor é economista, blogueiro, escrevinhador, e diretor-executivo da AMA – Associação dos Misturadores de Adubos
Publicado em http://carloseduardoflorence.blogspot.com/2020/12/sintonia-ao-amanhecer-que-chegando-em.html

 


. 

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

O ser, a razão e o desejo

Carlos Eduardo Florence *  
Entre o Infinito e o Eco, há uma zona denominada pelos fiéis de Rosa Delicada, figura miúda e delicada, extremamente prestimosa, onde o Sonho prefere habitar antes de se acomodar no Inconsciente e criar as Dúvidas. Isto tudo se justifica relembrar, com carinho, para nós focados em entremear as incógnitas da Melancolia, para confirmar a concretude do Nada e o esplendor do Absoluto. O retroceder do Eco, quando Orcomoi, Criador do Cosmos, estabeleceu o desvão entre a Paranoia e o Equinócio foi à comprovação de que o Nada habita o infinito, mas ele sempre se esconde fora de onde o procuramos. Em consequência lançou a Divindade sua imaginação ao garimpo dos motivos e correlações entre o Paradoxo, Carnificina, Fundamentalismo, o Nascimento e, inclusive, o Pecado. Segundo ele, elementos indispensáveis aos Existenciais. Embora inexplicáveis aos mortais, estes valores são partes relevantes dos dezoito Mistérios e as sete Arrogâncias que compõem o Mundo, a Sátira e o Caos.

Segundo os Arcávoles da Maucária, o primeiro clã que se deu a estar na te
rra, assim se formou o Cosmos, a Intransigência e o Apetite para justificar a criação do Corpo e da Alma. Orcomoi formatou seus delírios criativos pela Alquimia Espiritual, altamente subjetiva, para acompanhá-Lo no abstrato em que produz, reina e atua. Desdobrou, posteriormente, a partir destes germes primevos, sequências irregulares de alternativas transmutáveis para glorificar, merecidamente, a Si.


Compôs, após, para justificar sua existência, todas de Formas, Cores, Objetivos, intrincados entrelaçamentos Quânticos, elaborou a Fantasia para justificar a Realidade, permitiu-se lapidar com método as Abstrações, os Absurdos, parte como Imprevisto e outra pela Regência dos Astros e a relevância da Menopausa para marcar o Tempo. Realizou, obstinadamente, os Ilimitados complementos existenciais e inexplicáveis dos gêmeos Macro e Micro, a partir do incomensurável, aos ínfimos, quase inexistentes, Prótons, Nêutrons, Neutrinos, instáveis. Para tal moldou, a seu prazer e ganância, a Força para impô-la proporcional a Massa e na Razão inversa à distância. Condensou conjecturas Psicológicas para justificar a Confusão, Psicanálise, o Canapê e a Inconformidade. Em paralelo instituiu o Complexo de Édipo, a Quinta Sinfonia, ao configurar sua imaginação artística, programou metodicamente a Metamorfose, a Bolsa de Valores, o Subterfúgio e o Calote. Elaborou o Existir, o Permanente, na recíproca o Provisório, a Fé e instalou, no entremeio, o Indelével só para Si e seus Preferidos. Marcou em cada substância concreta ou espiritual seu lacre batismal, para que ninguém se esquecesse do Eterno.


Houve no início, épocas de confrontos e escaramuças, entre um Vento a Bombordo, presunçoso e hermafrodito, que se fazia indiferente, e o pensamento Platônico, tanto que Orocomoi, como se registra, acordou certo Milênio Luz, como preferia arrematar seu tempo e espaço, inspirado, bocejou satisfeito e procrastinou, sem saber por que, mandar à Terra, então escolhida por estar na Latitude mais próxima do seu coração, três entes ainda incipientes de provérbios e motivos para se definirem em Usos, Hábitos e Conceitos Pragmáticos. Escolheu, ao acaso, o Soberano, na onipotência da sua autoridade, a Razão, o Ser e o Desejo. Poderia ter optado pelo Sentimento, o Nada e a Dúvida. Mas ao Supremo não se demanda explicações.


Estava a trindade preferida desfazendo-se em preguiça saborosa entre outros indefinidos criados pelo Senhor, em recantos alternados do imaginário sólido do Sobrenatural, autocriado, zanzando pelo Cosmos Celeste, antes dele autorizar a existência ao Tempo, ao Espaço e por último à Vida para justificar e elucidar a Magia, a Paranoia e o Contrafeito. A Vida até então inexistente e só se justificaria para dar provimento a estes entes inferidos pela Divina vontade se atribuída para as suas ordenanças e malbaratadas estripulias. Foi para atender apelos do Desejo, da Razão e do Ser que Orocomoi se deu-Se a criar então a Vida em formas multifacetadas, intrigantes, conflituosas.


A Razão, como se preferia estar, apeteceu acompanhar-se a direita dos desconhecidos pelo Cogito, inflexível e prepotente, para achegar às regiões de confronto, a Terra, lugar de destaque até então no centro do Inexplicável, antes do Senhor idealizar Galileu para deslocá-la a um lugarejo medíocre desmerecido, desprestigiado, nos arrabaldes do infinito. Arrogou-se a Razão o direito de impor, como condição de prestar contas ao Soberano, a prerrogativa de organizar desde o Abstrato, passando pelo Infinitesimal, a Nanociência, coabitando ainda com estas esferas o Método, Samambaia, o Recém-Nascido, Abstinência e a Prostituição.


O Ser preferiu, ao despedir-se do imaginário de Orocomoi para baixar à Terra, trazer consigo o Indelével, a Epistemologia, o Devaneio para levantar celeumas, instigar os Motes, encantar o Absurdo e criar Amor, Ciúmes, o Ódio, Medo e o Olfato. Obediente, não impôs condições ao Mandante, amealhou a primeira Imprevisão que transitava sem esclerose pelo além, se fez vestir de Antagonismo e estremou caminhos para o que “seja o que deus quisesse”.


O Desejo considerou indispensável portar consigo o Perigo, Ambição, a Utopia e, a reboque, convidar sua oponente espiritual, a Satisfação, para também florirem nas instâncias que mais as apraziam e confundirem o imaginário. As coisas divinas não se pautam por sincretismo ou simbiose, mas somente sob a batuta do inextricável, sem jamais permitir desenhar a fragrância do Óbvio e da Clareza, que se acomodam suavemente ao lado do Zodíaco, preferindo sentir o Amanhecer, quando a Ternura não se envolve em atos libidinosos. Isto fica bem mais explicito quando se escolhe o sabor do Obscuro, a fragrância da Latitude Boreal e o ensejo da Latitude Austral para demonstrar como as decisões do Supremo são sempre pautadas por motivos Coerentes e Lógicos. Estas definições vieram por ordens Soberanas, para surtirem os efeitos categóricos, plenamente justificados pela forma bucólica em que nasceram os Irmãos Siameses, o Absoluto e o Nada.


Ao se encontrarem em plagas terrenas os mandados do Soberano, Desejo, Razão e Ser, se puseram a atuar ora em conjunto, quando então os ventos se deslocavam da nascente da Dúvida para o Azul Marinho, e ora separadamente, quando a Sinfonia era Dodecafônica e preferiam em Sincopados e preceitos Individualistas. Foi desta maneira particular e isolada que o Ser se implantou como representante da Mitologia, da Evolução da Espécie e da Divina Comédia. Isto deixou marcas indeléveis na Escolástica e na procriação hermafrodita. Com isto prosperaram as Religiões Fundamentalistas, o Pretérito Imperfeito, Organismos Geneticamente Modificados e a Radioatividade. Sobre estes contingentes criaram-se Sociedades Anônimas, Não Governamentais, Beneficentes, Esportivas e Terroristas para justificarem e adorarem o Senhor.


A Razão se pôs de imediato, seu feitio orgânico, a entrecortar sistematicamente o uso da Clonagem, do Sermão, dos Juros Compostos, Preservativo, Orçamento e das Fakes News. Com isto promulgou indispensável a necessidade da Política, do Centauro, Religião, Inveja, da Matemática, Mentira. Foi neste formato que se permitiu elaborar a miscelânea entre Contradição e Contraditório e promulgar a relação bissexual, preconceituosamente estigmatizada, entre os meandros de Todavia, Hermenêutica e do Quiçá. Esta é a história real dos acontecimentos da criação do Conhecido, do Silêncio e do Porvir, dando origem ao Suposto e a Santa Ceia.


Não há assim dúvida de como se formou o Universo. Aparentemente seriam assuntos alheios, mas sob a ótica do Criador não existem intercorrências isoladas no Cosmos, na Mente e na Fantasia. A criação é Única, Inseparável e Inexplicável. Desta forma a população de Arcováles da Maucária comprova estes fatos com as pinturas rupestres que preservam e adoram nas cavernas em que habitam com os mesmos respeitos, adorações, costumes e valores dos seus antepassados milenares.


Assim profetizou Orocomoi, para dar respaldo aos seus Delírios – “que se instaure em meu reino o Início e o Infinito, desde a inexistência do Nada, até os confins do Absoluto e se desfaça em todo o Caos e se justifique o Eu. Amém”.


* o autor é economista, blogueiro, escrevinhador, e diretor-executivo da AMA – Associação dos Misturadores de Adubos.
Publicado em http://carloseduardoflorence.blogspot.com/



.

quarta-feira, 8 de abril de 2020

Poesia (em tempos de coronavírus)


Richard Jakubaszko  
Vivemos tempos difíceis, mas os poetas retratam isso, mesmo que tenham sido poemas escritos em outros tempos, pois os poetas são, como dizia Fernando Pessoa, fingidores, eles fingem uma dor que não sentem, mas compreendem, por empatia.


Poesia (em tempos de coronavírus)

Manoel de Barros

A menina apareceu grávida de um gavião.
Veio falou para a mãe: O gavião me desmoçou.
A mãe disse: Você vai parir uma árvore para
a gente comer goiaba nela.
E comeram goiaba.
Naquele tempo de dantes não havia limites
para ser.
Se a gente encostava em ser ave ganhava o
poder de alçar.
Se a gente falasse a partir de um córrego
a gente pegava murmúrios.
Não havia comportamento de estar.
Urubus conversavam sobre auroras.
Pessoas viravam árvore.
Pedras viravam rouxinóis.
Depois veio a ordem das coisas e as pedras
têm que rolar seu destino de pedra para o resto
dos tempos.
Só as palavras não foram castigadas com
a ordem natural das coisas.
As palavras continuam com os seus deslimites.

***

MUROS
Konstantinos Kaváfis

Sem cuidado nenhum, sem respeito nem pesar,
ergueram à minha volta altos muros de pedra.

E agora aqui estou, em desespero, sem pensar
noutra coisa: o infortúnio me depreda.

E eu que tinha tanta coisa por fazer lá fora!
Quando os ergueram, mal notei os muros, esses.

Não ouvi voz de pedreiro, um ruído que fora.
Isolaram-me do mundo sem que eu percebesse.

Tradução de José Paulo Paes

***

CONTRANARCISO
Paulo Leminski

em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas

o outro
que há em mim
é você
você
e você

assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós


.

quinta-feira, 5 de março de 2020

Bolsonaro em poesia...

Richard Jakubaszko 
A poesia é ótima, baseada na postura de um cidadão que se encontra como presidente eleito, e que desonra a função. Por Affonso Romano de Sant'Anna.


.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Poema em Linha Reta

Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa)
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,

Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;

Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;

Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,

Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida…
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?

Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!

E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

.

sábado, 11 de agosto de 2018

Azul em sustenido

Carlos Eduardo Florence *
Me fiz em sustenidos só e só por ter sido, como recordo, em um destes outonos iguais quando o sonho se fantasiava de verbo, o tempo amadurecia entre as águas procurando seus destinos e os destinos se perdiam nos prováveis. Deu-se, pois, em métricas e dúvidas os acontecidos. Os pássaros se preparavam para acasalarem, apaixonados, melodiando, singelos como para o que tão bem foram criados e assim enfeitarem os provérbios e a natureza. Deus agraciava naquele instante de nostalgia o futuro, deixando repousar o passado e o presente, por ser o único que operava nas três dimensões temporais e o demônio desdizia a sorte enquanto escalavrava a frieira do casco caprino. Coisas banais, mitológicas, mas que afetavam o cotidiano da pequenina vila em que me desgastava pelos dias a passarem. Os sinos se fizeram em tons menores para me convidarem às meditações e preces.

Simultâneo, não se entendiam, procurando os mesmos descaminhos dos improváveis entre os devaneios e as metáforas os poetas entremeando, indefinidos, suas parábolas e os filósofos se perdiam em tertúlias platônicas, mas nada afetava as crianças brincando de alegria para invejarem os carentes.

Sentei-me à praça conversando com a melancolia deixando-me acompanhar às indecisões das nuvens desenhando abstrações embaladas por caprichos e brisas. Não me defini se estaria em alfa, angustiado ou se o beija flor ousaria com suas asas cadenciadas romper o silêncio. Real, estas indefinições ocupavam-me entre os escaninhos da depressão e o silêncio ruidoso do beija flor não fazia mais do que embaralhar as ideias pobres e preguiçosas com intentos de azucrinar os verdes.

Por ser de destino e paz, a alegoria vinda da boca da noite se acomodava para dormir entre as ameixeiras e se disfarçava entre as flores que gostariam de se aninharem pelos infinitos brincando nos regaços das correntezas disfarçadas nas pedras, sem métrica ou pecado. Sem quererem encerrar, pois o sol ainda teria o que dizer um restado de dia caindo, se preparavam os bulbos para frutos se tornarem, amadurecerem e se desfazerem das melancolias. Isto retardava o meu outono e os meus pensamentos.

A menina brincava de amarelinha, alongando sua pedra de toque para o infinito de seu destino enquadrado para saltitar ágil até sua meta e sonho. Invejei sua ambição que não ultrapassava a fantasias do quadrado pequeno onde cabia a imensidão do seu sorriso, da sua alegria e da sua ambição. Os balões foram liberados das redondilhas dos bardos aprendendo a imitar as estrelas a brincarem nos azuis.

A tarde caiu repetindo sua rotina nas horas das preguiças e das preces. Preferi me recolher subindo as vielas tortas como os meus pensamentos. A menina dos saltos sobre as nuances das amarelinhas se escondeu nas frestas contorcidas da alegria e me deixou entre sonhos amarfanhados em pencas graúdas de solidões.
  
* o autor é economista, blogueiro, escrevinhador, e diretor-executivo da AMA – Associação dos Misturadores de Adubos.
Publicado no https://carloseduardoflorence.blogspot.com.br/
.