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domingo, 10 de outubro de 2021

Cadê o fogo que estava aqui?

Evaristo de Miranda *

De junho a setembro deste ano, a redução 
de incêndios e queimadas foi de 13% no Brasil.
In God, we trust.
All others must bring data.
(Em Deus nós acreditamos.
Todo o resto deve apresentar dados.)
Edwards Deming


Chegou a primavera e, com ela, as chuvas. O relógio do clima tropical é preciso. Passado o equinócio de setembro, aos poucos se encerra o ciclo sazonal de queimadas e incêndios no Brasil. Como em outros temas, as queimadas têm sido objeto de uma preocupação seletiva da mídia. Nesta estação seca, as redações não se incendiaram com denúncias e acusações sobre queimadas e incêndios no Brasil. Nem aqui, nem no exterior. Poucos tocaram no assunto. Comportamento muito diferente do de 2020. A razão seria a redução do fogo no Pantanal e na Amazônia durante a estação seca de 2021. Contra fatos…

De junho a setembro deste ano, a redução de incêndios e queimadas foi de 13% no Brasil. O país registrou 124.995 focos de fogo, valor idêntico ao de 2019 (125.821). Em mais de 30 anos, entre 1988 e 2021, a média foi de 135.000 no período seco. Em 2020, foram 143.000 focos, valor acima da média. Variações interanuais podem ser grandes: já se registrou um mínimo de 57.000 queimadas no ano 2000 e um máximo de 265.000 em 2007.

Os dados são do monitoramento das queimadas por satélite, realizado pela Nasa. Há décadas, a ocorrência de qualquer fogo de alguma magnitude é detectada várias vezes por dia, por diversos satélites, em sua maioria norte-americanos. O sistema atual de referência internacional para monitorar queimadas e incêndios usa os dados do satélite Aqua M-T, da Nasa. A detecção dos pontos de calor ou fogos ativos pelo satélite é disponibilizada, em tempo quase real, num site conhecido como Firms (Fire Information for Resource Management System). E, no Brasil, esses dados são oferecidos pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe) no Programa Queimadas.

No Pantanal, a redução foi de 69% em relação a 2020. Situação parecida na Amazônia: uma redução de 26%, contrastando com o aumento de 2020. Quem divulgou os dados sobre a redução das queimadas e incêndios nesses dois biomas? Ou tentou entender as razões? Quem comparou a dinâmica do fogo nos seis biomas brasileiros e alhures? Cadê os interessados?


Como na parlenda Cadê o toucinho que estava aqui?, é a água que apaga o fogo. O peso climático sobre a ocorrência maior ou menor, adiantada ou atrasada, das queimadas é enorme. São flutuações em escala continental. Na América do Sul, a redução dos fogos detectados neste período de 2021 foi até superior à registrada no Brasil: menos 18%. Segundo dados do Inpe, tratados pela Embrapa Territorial, do total registrado na América do Sul (200.194), mais da metade ocorreu no Brasil (62%), seguido por Bolívia, Argentina (ambos com 11%) e Paraguai (9%). São valores relacionados à dimensão territorial dos países. Com números ponderados pela área, o Paraguai é o campeão de queimadas: 44 a cada 1.000 quilômetros quadrados; seguido por Bolívia, com 21; Brasil, com 15; e Argentina, com oito queimadas a cada 1.000 quilômetros quadrados.
 
O Ano da Graça de 2021 passará à história como um exemplo de redução nesse fenômeno indesejado? Alguém explicará as causas dessa variação? Provavelmente, não. O Poder Executivo, acusado pelo aumento das queimadas na Amazônia ou no Pantanal em 2020, será responsabilizado pela redução do fenômeno? Dificilmente. Nem no Dia da Amazônia, em setembro, as catilinárias e as diatribes sobre as ações humanas nesse bioma não saudaram a redução no número das queimadas.

Em agosto passado, artigo na Revista Oeste destacou quanto a distinção entre queimadas e incêndios é necessária para a adoção de políticas públicas e privadas adequadas à redução do uso do fogo no mundo rural. A solução é ampliar o emprego de novas tecnologias agropecuárias para substituir o uso do fogo em diversos sistemas de produção. A queimada é uma tecnologia agrícola. Não se trata de prevenir queimadas, como no caso dos incêndios, mas de substitui-las por tecnologias modernas.

Agricultores não queimam por malvadeza. Essa prática do neolítico foi herdada essencialmente dos índios (coivara). Povoadores europeus a adotaram, aqui e na América Latina. Ela é tradicionalíssima na África, onde também é utilizada como técnica de caça. É sobretudo o produtor não tecnicizado, descapitalizado e marginalizado do mercado quem emprega o fogo — ocasionalmente — para renovar pastagens, combater carrapatos, eliminar resíduos vegetais acumulados, limpar áreas de pousio etc. E eles são minoria: menos de 2%. Do total registrado de queimadas, mais de 15% ocorrem em terras indígenas, áreas urbanas e periurbanas, beira de estradas etc. Fora das fazendas. São 6 milhões de produtores e cerca de 110.000 queimadas rurais no Brasil. Mais de 98% dos produtores não empregam o fogo em seus sistemas de produção. Não se trata de uma prática generalizada. A única prática generalizada é acusar toda a agropecuária brasileira. Há como reduzir o uso do fogo a menos de 1% dos produtores e tentar eliminá-lo por completo. Alternativas técnicas à prática das queimadas existem.
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O apagão midiático parece resultar de uma verdade inconveniente: 
a redução das queimadas não interessa.
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Já com os incêndios é diferente. Esse fogo indesejável ocorre fora de hora e lugar. Destrói patrimônio público e privado. Reduz a biodiversidade. Mata pessoas. Sua prevenção é fundamental. Uma vez iniciados, eles são difíceis de controlar. Muitas fazendas, usinas de cana-de-açúcar e grupos de reflorestamento mantêm brigadas anti-incêndios treinadas e equipadas para atuar, com o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil. Mesmo assim, neste ano, particularmente na região nordeste do Estado de São Paulo, ocorreram incêndios em canaviais provocados criminosamente ou por atos irresponsáveis. Na época da colheita, a palha seca da cana-de-açúcar é altamente comburente e queima como papel.

É paradoxal ver queimarem tantos canaviais como neste ano em São Paulo. Essa cultura foi a responsável pela maior redução do uso do fogo na agricultura observada no país. Nos anos 1990, a Embrapa monitorava as queimadas, com o sistema orbital NOAA-AVHRR, em colaboração com o Inpe. Os dados e mapas ainda estão disponíveis. Até a década de 1990, a colheita manual da cana-de-açúcar era precedida pela queima da palha, para facilitar o trabalho dos cortadores. Essa queima fazia parte até dos compromissos dos usineiros com os cortadores em acordos trabalhistas. Entre junho e novembro de 1994, o sistema NOAA-AVHRR registrou 4.380 queimadas de grande porte em São Paulo, concentradas na região canavieira. Programas e acordos levaram à mecanização da colheita e dispensaram há um tempo o fogo e a mão de obra dos boias-frias. Em 2009, no mesmo período, o sistema de monitoramento por satélite registrou apenas 299 queimadas.
Em 2020, incêndios e queimadas mobilizaram a mídia nacional e internacional, com acusações ao Brasil por parte de organizações não governamentais, do presidente francês, de outros chefes de governos e até com fotos de girafas e cangurus queimados. Neste ano, alguns até tentaram uns sinais de fumaça, mas faltou lenha ou fogo. O apagão midiático parece resultar de uma verdade inconveniente: a redução das queimadas não interessa. Apenas seu aumento. Os desafios colocados pelo uso do fogo na agricultura também não interessam. Levar tecnologias, financiamentos e conhecimentos para os pequenos agricultores reduzirem o uso do fogo também não. Só interessaria o incremento para acusar e culpar A ou B, como no ano passado? Aqui e no exterior? Em 2021, ainda não houve uma reportagem para atribuir o mérito da redução das queimadas a A ou B. Nem aqui, nem no exterior. Cadê o crítico? O gato comeu. C´est la vie.

* o autor é engenheiro agrônomo e doutor em ecologia, Chefe Geral da Embrapa Territorial – Campinas – SP.

Publicado em
https://revistaoeste.com/revista/edicao-81/cade-o-fogo-que-estava-aqui/#comment-119588



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terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Ciência e cooperação para superar adversidades

Maurício Antônio Lopes *

Poucos sabem da influência da ciência no pensamento político dos líderes que moldaram a maior potência global, os Estados Unidos da América. Os chamados “fundadores” da nação americana consideravam que a ciência era parte integrante da vida - incluindo da vida política. Historiadores nos contam que Thomas Jefferson era um estudioso do legado científico de Isaac Newton, Benjamin Franklin foi um cientista ilustre que se dedicou ao estudo da eletricidade, John Adams teve a melhor educação científica que o novo país oferecia e James Madison, o arquiteto-chefe da Constituição americana, salpicou seus famosos “Artigos Federalistas” com referências às ciências da vida, à física e à química.

Ao se tornar fonte de inspiração que ajudou a moldar a Constituição americana, a ciência ganhou visibilidade e status e certamente marcou a evolução do pensamento, das leis e das instituições que consolidaram aquele país como potência científica e tecnológica - o que ajudou a definir a forma, a evolução e a competitividade da sua pujante economia. Após a Segunda Guerra Mundial, as universidades americanas, estimuladas por financiamento governamental para pesquisa e ensino superior, se expandiram em tamanho, número e diversidade de alunos, produzindo não apenas profissionais bem treinados, mas também um arsenal de novos conhecimentos que deram origem ao mais poderoso ecossistema de inovação do planeta.

O sucesso da ciência americana ajudou também a inspirar o investimento global em inovação e a fortalecer a cooperação científica e tecnológica ao redor do globo. Suas universidades se tornaram referência em capacitação de alto nível, se abrindo para treinar cientistas de todas as partes, incluindo o Brasil. Milhares de pesquisadores da Embrapa, de institutos estaduais de pesquisa e de universidades brasileiras foram treinados nas melhores universidades americanas, onde adquiriram conhecimentos e construíram redes de cooperação que ajudaram o Brasil a superar a insegurança alimentar e a se tornar um grande exportador de alimentos em apenas quatro décadas.

O fato é que os líderes preparados e pragmáticos sabem que aqueles que geram novos conhecimentos e os transformam em inovações tecnológicas são os donos do futuro. O recém eleito presidente americano Joseph Biden tem repetido que sua administração será "construída sobre um alicerce de ciência". E países que almejam posição de destaque no mundo investem em políticas científicas e tecnológicas robustas e de longo prazo, ao mesmo tempo que fortalecem suas estratégias de cooperação. Este é o caso da China, que em poucos anos se tornou um dos maiores produtores globais de conhecimento científico. São países cujos líderes compreendem que a superação de adversidades, como mudanças climáticas, riscos sanitários, poluição e escassez de recursos só poderá se dar com pesados investimentos em ciência, tecnologia e cooperação.

Ainda assim, a última década foi notável por um aumento nas atividades anticientíficas, com destaque para o movimento contra a vacinação - uma das maiores conquistas da saúde pública no século 20. Esse é um dos tristes exemplos da desinformação que ganham força nas redes sociais, trazendo de volta riscos considerados já superados e comprometendo a credibilidade da ciência, em momento em que a sociedade se mostra cada vez mais dependente de conhecimento. É por isso que precisamos de dirigentes esclarecidos, atentos aos riscos da ignorância científica, capazes de compreender e comunicar que vivemos em uma sociedade absolutamente dependente do conhecimento. Impossível não perceber essa realidade, imersos que estamos em uma pandemia, que nos traz exemplos cristalinos do enorme poder da ciência e da cooperação para superação de adversidades.

Exemplo como o rápido sequenciamento do genoma do vírus Sars-CoV-2, na China, em janeiro de 2020, dias após o seu primeiro isolamento. Quando a cidade de Wuhan registrou a primeira morte devido à Covid-19 a sequência genômica do vírus foi rapidamente postada em um site de acesso aberto a cientistas em todo o mundo. As 28.000 letras do código genético do vírus permitiram que universidades e empresas farmacêuticas ao redor do globo projetassem, em poucos dias, diversos protótipos de vacinas, alguns testados com sucesso ao longo do ano. Responder a um novo vírus letal desconhecido com vacinas aprovadas em prazo tão exíguo foi um feito extraordinário que atestou de maneira inequívoca a essencialidade da ciência e da cooperação para o progresso e o bem estar da sociedade.

É por isso que, mais que em qualquer outro momento da sua história, o Brasil precisa cuidar com grande atenção da sua ciência. A falta de planejamento estratégico, de investimento e de formação de cientistas poderá nos colocar em situação de perigo ou nos arrastar para posições de menor importância no cenário mundial. É evidente a emergência de riscos de grande impacto – como as mudanças climáticas e as crises sanitárias, assim como é evidente a reconfiguração nas cadeias de valor globais, cada vez mais intensivas em conhecimento. Por isso o Brasil precisará elevar de forma substancial sua capacidade de resposta a crises, além de ampliar a criatividade e a produtividade da sua economia, o que só ocorrerá com formação de talentos, fortalecimento da capacidade de cooperação e grande investimento em políticas científicas e tecnológicas robustas e de longo prazo.

* o autor é engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa.

 


segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Ciência pública como "locomotiva limpa-trilhos"

Maurício Antônio Lopes *  

Praticamente todas as nações desenvolvidas são capazes de utilizar a ciência pública à semelhança de uma "locomotiva limpa-trilhos", que vai à frente removendo barreiras e abrindo caminhos, com projetos de maior risco e prazos de maturação longos, que não atraem o setor privado.

A pesquisa apoiada pelo Estado é essencial na remoção de obstáculos para que empresas e indústrias encontrem caminho livre e possam gerar empregos, riqueza e progresso. São inúmeros os avanços experimentados pela sociedade moderna na medicina, na produção de alimentos, na revolução da informação e da comunicação, no desenvolvimento de alternativas energéticas limpas etc., que só se tornaram possíveis graças aos investimentos do Estado em pesquisa científica.

Exemplo emblemático é o smartphone, que resultou de sete tecnologias-chave, desenvolvidas principalmente por institutos públicos e universidades, e habilmente reunidas no setor privado para criar uma inovação que ganhou todos os cantos do planeta. O GPS, a internet e o algoritmo que levou ao sucesso do Google foram todos desenvolvidos a partir de financiamento público à ciência básica nos EUA. Os princípios ativos de novos medicamentos são, na sua maioria, desenvolvidos por universidades e institutos públicos de pesquisa, e transformados em produtos por empresas farmacêuticas.

Momentos de grave crise, como o que vivemos, demonstram quão essencial é o Estado no papel de garantir a infraestrutura e a capacidade científica necessárias para se compreender e superar infortúnios. Estudo recente estimou que em apenas seis meses — entre 1º de janeiro e 30 de junho de 2020 — cerca de 24 mil artigos científicos relacionados à Covid-19 foram produzidos, a grande maioria resultante de pesquisas na área biomédica financiadas com recursos públicos.  Esse esforço sem precedentes acelerou a geração de conhecimentos e a busca por tratamentos e vacinas para conter a transmissão do novo coronavírus, com vários candidatos promissores produzidos em tempo recorde.

Ainda assim, há governos que insistem em ignorar a importância da ciência, muitos considerando os investimentos em infraestrutura de pesquisa e inovação um luxo de alto custo e não um investimento estratégico, promotor de progresso e de resiliência na sociedade. Até uma das maiores potências tecnológicas, os EUA, tende a perder a hegemonia em financiamento à pesquisa básica, que alavancou a vantagem competitiva da indústria e o crescimento do PIB americano desde a Segunda Guerra Mundial. O contrário ocorre em países como a Coreia do Sul, Emirados Árabes, Índia e China, este último com investimentos massivos em ciência — US $ 280 bilhões em 2017, o que equivaleu a 2,12% do gigantesco PIB do país e a 20% do total das despesas mundiais com pesquisa e desenvolvimento.

O fortalecimento da ciência no ambiente público e a promoção de parcerias público-privadas para recuperação do setor industrial são desafios críticos para o Brasil, que precisa mais do que nunca ampliar a criatividade econômica e a complexidade industrial, transformando seu enorme sucesso na produção de commodities — minério, petróleo e produtos agropecuários — em plataformas de conexão com cadeias produtivas mais nobres, de alto valor agregado. Por exemplo, diversificar, especializar e agregar valor à produção agropecuária nacional é, mais do que uma necessidade, um imperativo para o futuro, e missão possível de se alcançar, considerando que países de alta complexidade industrial, como Canadá, Alemanha, França, China e EUA, conseguem fazê-lo, valorizando e protegendo, com todos os instrumentos possíveis, seus setores agrícolas.

O Brasil pode ir além, levando em conta as vantagens extraordinárias que possui para inserção na emergente bioeconomia, a economia de base biológica, renovável e sustentável. O país já é líder global na produção de energia de biomassa e dá passos robustos na produção de bioinsumos e químicos renováveis. Recentemente os jornais noticiaram que a empresa brasileira Marfrig — uma das maiores processadoras de carnes do mundo — lançou uma inovadora linha de "carnes carbono neutro", a partir de sistemas de produção que integram lavoura, pecuária e floresta e neutralizam as emissões de gases de efeito estufa, de acordo com protocolo desenvolvido pela Embrapa. O projeto, considerado de alto risco no nascedouro, foi bancado com recursos públicos, e agora dá à indústria brasileira a inédita capacidade de responder a mercados ávidos por uma produção pecuária de baixo impacto ambiental, em perfeita sintonia com a economia renovável de baixo carbono.

Esses são apenas exemplos na longa lista de avanços possíveis para inserção do Brasil na economia de base biológica, capaz de alavancar segmentos vitais como a produção de alimentos, a saúde, e as indústrias química, de materiais e de energia. A bioeconomia poderá ainda projetar o nosso patrimônio mais conhecido, a Amazônia, como grande produtora de riqueza, progresso e bem-estar.

No entanto, para que isso aconteça, o Estado precisa empreender e operar na qualidade de um tomador de riscos, mobilizando bancos de desenvolvimento, universidades e institutos de pesquisa como "locomotivas limpa-trilhos" habilitadas a lidar com a incerteza subjacente aos processos de inovação e com a crescente complexidade que marca o nosso tempo e aplaca a ousadia do setor privado.

* o autor é pesquisador da Embrapa

 

 

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segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Amazônia em debate, vale a pena assistir

Richard Jakubaszko   

Recebi do pesquisador Zander Navarro, da Embrapa, a informação sobre o debate online a ser realizado em 8 de outubro próximo, às 11 horas. Quem desejar participar, no cartaz abaixo há um e-mail para enviar perguntas. 



 

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quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Se o Brasil fosse uma fazenda seria assim...

Richard Jakubaszko 
Os dados levantados pelo CAR, e analisados pela Embrapa Territorial, revelam que se o Brasil fosse uma fazenda seria exatamente assim:
Gostou?



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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Áreas de agricultura, de floresta e áreas protegidas no Brasil

Richard Jakubaszko  
Palestra do engenheiro agrônomo Evaristo de Miranda, Chefe Geral da Embrapa Territorial (Evaristo é doutor em Ecologia), que mostra a realidade do Brasil em termos de agricultura, meio ambiente e políticas de conservação florestal e atribuição e uso da terra. 

Como se poderá observar, fala-se e escreve-se muita bobagem na mídia brasileira e internacional sobre a agricultura brasileira, a Amazônia e o meio ambiente.


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terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Um Nobel para o Brasil

Roberto Rodrigues *
Em 1970, o grande engenheiro agrônomo norte-americano Norman Bourlaug ganhou o prêmio Nobel da Paz por sua inestimável contribuição para o aumento da produção de alimentos nos países em desenvolvimento: multiplicou por 5 a produtividade do trigo no México e em países africanos. Seus conterrâneos calcularam que isso havia salvo da fome um bilhão de pessoas. Sabendo que não haveria paz onde houvesse fome, a Academia do Nobel conferiu a Bourlaug, com toda justiça, aquele galardão.

Foi a última vez que o Nobel da Paz teve uma conexão direta com a atividade rural. E já se passaram 50 anos!

Desde então, a agropecuária e o agronegócio tiveram um desenvolvimento espetacular em todo o mundo, mas em especial nos países tropicais, entre os quais se destacou o Brasil. Quando Bourlaug recebeu seu prêmio, o Brasil importava 30% dos alimentos que consumia, desde o feijão até o leite, passando por carne, trigo e mesmo arroz. Em 1976, produzíamos 47 milhões de toneladas de grãos e hoje, 242 milhões. A produção das carnes (bovinos, aves e suínos) era de 2,7 milhões de toneladas e hoje é de 28,7 milhões. E o Brasil se transformou desde então em um dos maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo, levando segurança alimentar para bem mais de um bilhão de pessoas.

Claro que isso se deve aos avanços tecnológicos extraordinários, ao empreendedorismo dos nossos produtores rurais e a algumas políticas públicas que se sucederam desde então.

Mas sempre tem alguém que inspira e aponta o caminho em evoluções tão impressionantes.

E nós temos um gigantesco herói nesse processo: um engenheiro agrônomo mineiro que comandou a maior revolução tropical agrícola da história. Chama-se Alysson Paolinelli e é impossível contar sua saga no espaço de um artigo.

Paolinelli era o jovem Diretor da Escola Superior de Agricultura de Lavras, Minas Gerais, quando foi convidado pelo Governador Rondon Pacheco para ser Secretário de Agricultura de seu estado. Lá organizou o sistema de pesquisa agropecuária e de extensão rural com resultados tão rápidos que chamou a atenção do Presidente Ernesto Geisel e este o convocou para assumir o Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil. Daí em diante desfraldou com coragem a bandeira da autossuficiência alimentar brasileira, a partir da montagem da Embrapa onde, liderando uma equipe brilhante, partiu para a conquista do cerrado brasileiro.

Criou o Prodecer - Programa de Desenvolvimento do Cerrado, numa parceria entre os governos do Brasil e do Japão. Para esse empreendimento gigantesco, Paolinelli chamou as cooperativas agropecuárias do sul e do sudeste, e dessa maneira trouxe os pequenos produtores profissionais daquelas regiões. Com a tecnologia tropicalizada pelos técnicos da Embrapa que Paolinelli e seus companheiros tinham enviado para fora a estudar as rotas tecnológicas mais modernas, o cerrado explodiu em produção e produtividade, atraindo investidores de outras regiões do país. A soja, a bracchiaria e o zebu foram a ponta de lança dessa conquista e atrás dela vieram o milho e a produção de frangos e suínos, o café, a cana de açúcar, o algodão e as frutas.

Paolinelli também criou o Polocentro para estimular ainda mais a região central, e participou do Proalcool, maior programa mundial de alternativa ao petróleo cujos preços tinham aumentado muito nos anos anteriores. Montou programas de irrigação em grande escala no Nordeste e no Sudeste, viabilizando produções intensivas, sempre apoiando o agricultor.

Depois que saiu do governo, seguiu sua missão: foi Deputado Federal Constituinte e teve papel central na criação da Frente Parlamentar da Agricultura, que emplacou na Constituição de 1988 a novidade da Lei Agrícola. Foi presidente da CNA, Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, modernizando a instituição que tem a representação legal do setor, e aí ajudou a criar e a liderar a Frente Ampla da Agropecuária Brasileira que tantas conquistas trouxe ao campo.

Como produtor rural, aplicou a integração Lavoura Pecuária Floresta desenvolvida pela Embrapa e impulsionou esse programa em 2005.

Hoje preside a Associação Brasileira de Produtores de Milho e o Fórum do Futuro, onde estuda os nossos Biomas, convencido de que a sustentabilidade da produção é a base da competitividade e será obtida com as tecnologias disruptivas.

Professor admirado, conferencista emérito, conselheiro de empresas e instituições, consultor global, Paolinelli tem um legado imensurável na transformação do Brasil na grande potência mundial do agronegócio, e no papel do país na alimentação de pessoas no mundo todo. Isso faz dele o maior brasileiro vivo.

Paolinelli segue batalhando para acabar com a fome, em busca da paz universal. Nada mais correto, então, do que este ilustre brasileiro receber o Nobel da Paz. É tempo de trabalhar por esse merecido troféu.

* Coordena o Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas, foi ministro da Agricultura.


NOTA DO BLOGUEIRO: 
Quem deseja votar acesse: http://chng.it/F4ZtJtkv
 


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quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Meio Ambiente, produtividade e fertilizantes: onde está a verdade?

Valter Casarin 1 e Amanda Borghetti 2
Em tempos de fake news, é muito comum recebermos informações que não expressam a realidade dos fatos. A agricultura brasileira é muito afetada por essas informações fraudulentas, transformando a área agrícola e o produtor rural em vilões, na opinião de grande parte da população. Dentre essas falsas notícias podemos salientar: a agricultura é responsável pelo desmatamento de florestas nativas; o produtor rural é um agente poluidor do ambiente; os fertilizantes são tóxicos para a saúde humana; entre outras.

Será que a agricultura brasileira é responsável pelo desmatamento?
O último levantamento sobre a área com vegetação natural, realizado pelo Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SiCAR), revelou que a área rural dedicada à vegetação nativa atingiu 218 milhões de hectares. Isto significa que agricultores, pecuaristas, silvicultores e extrativistas preservam o equivalente a um quarto do território nacional (25,6%). Os números foram coletados pela Embrapa Territorial (SP), a partir das informações mantidas no SiCAR pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB). Neste levantamento fica evidenciado que, em média, cada produtor rural estaria utilizando apenas metade de suas terras. A outra metade é ocupada com áreas de preservação permanente (às margens de corpos d’água e topos de morros), reserva legal e vegetação excedente.


O pesquisador Evaristo de Miranda, chefe-geral da Embrapa Territorial, chama a atenção para a distribuição desses espaços: “Eles estão extremamente conectados e recobrem todo o território nacional. As áreas preservadas pelos agricultores compõem um mosaico ambiental relevante e de grande dimensão com as chamadas áreas protegidas”. Estas são formadas pelas terras indígenas e as unidades de conservação integral, como parques nacionais, estações ecológicas e outras do gênero.

Em mapeamento detalhado realizado pela Embrapa Territorial, a área total destinada à preservação, manutenção e proteção da vegetação nativa no Brasil ocupa 66,3% do território. Nesse número estão os espaços preservados pelo segmento rural, as unidades de conservação integral, as terras indígenas, as terras devolutas e as ainda não cadastradas no SiCAR. Elas somam 631 milhões de hectares, área equivalente a 48 países da Europa somados.

Figura 1 - Área dedicada à preservação de vegetação nativa nos imóveis rurais. Fonte: CAR (2018).

Os dados do CAR permitem também avaliações regionalizadas da participação do segmento rural na preservação da vegetação nativa. A Embrapa Territorial fez esse trabalho para o Pará, a pedido da Federação da Agricultura e Pecuária daquele estado, a Faepa. Os números são semelhantes aos nacionais: em média, 57,6% dos imóveis não são utilizados para atividades econômicas, mas destinados a áreas de preservação permanente, reserva legal, vegetação excedente e hidrografia. Essas terras correspondem a 23% do território paraense. O estado ainda é caracterizado por extensas unidades de conservação e terras indígenas que, somadas e descontadas as sobreposições, ocupam mais de 45% do território paraense, cerca de 85,7 milhões de hectares.


O Pará está na chamada Amazônia Legal, onde o Código Florestal exige que 80% da propriedade seja reservada para vegetação nativa nas regiões com floresta. Mas o estado também tem áreas de cerrado e de campos gerais, em que a reserva legal pode ser de 35% e 20%, respectivamente. O Código ainda desobriga de recomposição florestal os produtores que abriram áreas anteriormente à publicação da lei, cumprindo as normas vigentes na época.

No oeste da Bahia, a parcela dos imóveis rurais dedicada à preservação da vegetação nativa supera os 50%, em média, e atinge 52,1%, enquanto a exigência legal é de 20%. Isso equivale a 30,2% da área total da região preservada nos imóveis rurais. O oeste baiano está no bioma Cerrado e compõe a região do Matopiba, acrônimo da área de expansão da agricultura no Brasil formada por partes dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. A mancha verde dos espaços reservados à preservação do Cerrado dentro das propriedades privadas recobre mais de quatro milhões de hectares nos 32 municípios, cujos dados do CAR foram avaliados pela Embrapa Territorial.Por intermédio de dados da Nasa, agência especial norte-americana, o Brasil utiliza apenas 7,6% de seu território com lavouras, somando 63.994.479 hectares. Em 2016, a Embrapa Territorial já havia calculado a ocupação com a produção agrícola em 7,8% (65.913.738 ha). Os números da Nasa datam de novembro de 2017, indicando percentual menor, mas segundo o chefe geral da Embrapa Territorial, Evaristo Miranda, doutor em Ecologia, é normal a pequena diferença de 0,2% entre os dados brasileiros e norte-americanos.

Os números da Nasa, e também os da Embrapa, permitem entender que a agricultura brasileira não pode ser taxada de desmatadora. O estudo da Nasa demonstra que o Brasil protege e preserva a vegetação nativa em mais de 66% de seu território e cultiva apenas 7,6% das terras. A Dinamarca cultiva 76,8%, dez vezes mais que o Brasil; a Irlanda, 74,7%; os Países Baixos, 66,2%; o Reino Unido 63,9%; a Alemanha 56,9%.

As áreas cultivadas variam de 0,01 hectare por habitante – em países como Arábia Saudita, Peru, Japão, Coreia do Sul e Mauritânia – até mais de 3 hectares por habitante no Canadá, Península Ibérica, Rússia e Austrália. O Brasil tem uma pequena área cultivada de 0,3 hectare por habitante, e situa-se na faixa entre 0,26 a 0,50 hectare por habitante, que é o caso da África do Sul, Finlândia, Mongólia, Irã, Suécia, Chile, Laos, Níger, Chade e México.

O levantamento da Nasa também dispõe de subsídios sobre a segurança alimentar no planeta, com a medição da extensão dos cultivos, áreas irrigadas e de sequeiro, intensificação no uso das terras com duas, três safras e até áreas de cultivo contínuo. Não entram nesses cálculos áreas de plantio florestal e de reflorestamento, que são as terras dedicadas ao plantio de eucaliptos. No Brasil contaram-se apenas as lavouras.

O desmatamento europeu é algo impressionante. Inicialmente, a Europa (sem a Rússia) era responsável por um pouco mais de 7% das florestas do planeta. Atualmente, a Europa detém apenas 0,1%. Isso representa a intensidade com que o continente europeu devastou suas reservas florestais. A soma da área cultivada da França (31.795.512 ha) com a da Espanha (31.786.945 ha) equivale à cultivada no Brasil (63.994.709 ha).

A maior parte dos países utiliza entre 20% e 30% do território com agricultura. Os da União Europeia usam entre 45% e 65%. Os Estados Unidos, 18,3%; a China, 17,7%; e a Índia, 60,5%. Já o Brasil, ocupa apenas 7,6% de sua área total com agricultura. Será que podemos colocar a responsabilidade do desmatamento sobre os ombros da agricultura brasileira?

Figura 2 - Utilização da área agrícola no Brasil. Disponível em: https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/35967323/area-rural-dedicada-a-vegetacao-nativa-atinge-218-milhoes-de-hectares. Acessado em 26.11.2018.

A agricultura brasileira é eficiente na produção de alimentos?
Nos últimos 40 anos, o Brasil saiu da condição de importador de alimentos para se tornar um grande provedor para o mundo. Foram conquistados aumentos significativos na produção e na produtividade agropecuárias. O preço da cesta básica, no Brasil, reduziu-se consideravelmente e o país se tornou um dos principais players do agronegócio mundial. Hoje, se produz mais em cada hectare de terra, aspecto importantíssimo para a preservação dos recursos naturais.


Com a instituição de políticas específicas para aumentar a produção e a produtividade agrícola, incluindo investimentos públicos em pesquisa e desenvolvimento, extensão rural e crédito farto, o governo inicia o processo de modernização da agricultura brasileira para as décadas seguintes.

Entre os indicadores mais ilustrativos da trajetória recente da agricultura brasileira estão os números de produção e os índices de produtividade. Entre 1975 e 2017, a produção de grãos, que era de 38 milhões de t, cresceu mais de seis vezes, atingindo 236 milhões de t, enquanto a área plantada apenas dobrou.

O mesmo incremento de produção e de produtividade foi conquistado na pecuária. O número de cabeças de gado bovino no país mais que dobrou nas últimas quatro décadas, enquanto a área de pastagens teve pequeno avanço. Em determinadas regiões houve até redução de terras destinadas ao pastejo.

No cultivo de árvores, houve expansão de 52% na área de florestas plantadas entre 1990 e 2014. Em 2016, as plantações de eucalipto foram responsáveis por fornecer 98,9% do carvão vegetal, 85,8% da lenha, 80,2% da madeira para celulose e 54,6% da madeira em tora para outros usos no Brasil. A madeira produzida por árvores cultivadas reduz a pressão por desmatamentos de florestas nativas.

A partir da década de 1990, demandas crescentes e políticas macroeconômicas de estabilização, como controle da inflação e taxas de câmbio mais realistas, impulsionaram ainda mais o crescimento do setor agrícola, que passou a ser o principal responsável pelo superávit da balança comercial brasileira. Entre 1990 e 2017, o saldo da balança agrícola do país aumentou quase dez vezes, alcançando, neste último ano, US$ 81,7 bilhões, valores que têm contribuído para o equilíbrio das contas externas do país.

A organização e o intenso processo de modernização das cadeias produtivas do agronegócio fizeram com que os elos anteriores e posteriores às atividades agrícolas, como os de produção de insumos, processamento e distribuição, apresentassem importância cada vez maior no Produto Interno Bruto (PIB). Em 2016, o agronegócio como um todo gerou 23% do PIB e 46% do valor das exportações. Em 2017, o setor foi responsável por 19 milhões de trabalhadores ocupados. A agroindústria e serviços empregaram, respectivamente, 4,12 milhões e 5,67 milhões de pessoas, enquanto 227,9 mil pessoas estavam ocupadas no segmento de insumos do agronegócio.

A trajetória recente da agricultura brasileira é resultado de uma combinação de fatores. O cenário para isto é um país com abundância de recursos naturais, com extensas áreas agricultáveis e disponibilidade de água, calor e luz, elementos fundamentais para a vida. Mas o que fez a diferença nestes últimos 50 anos foram os investimentos em pesquisa agrícola – que trouxeram avanços nas ciências, tecnologias adequadas e inovações –, a assertividade de políticas públicas e a competência dos agricultores.

Um fator fundamental que contribuiu para o ganho de produtividade na agricultura brasileira foi a correção e adubação de solos. As pesquisas apontaram os caminhos para potencializar o uso de corretivos e de fertilizantes, permitindo o plantio nos solos de Cerrados, até então considerados improdutivos.

De fato, o uso de fertilizantes se tornou um elemento-chave (estima-se que apenas os fertilizantes nitrogenados sejam responsáveis pelo incremento de cerca de 40% na oferta de alimentos no mundo). O Brasil passou a consumir muito mais fertilizantes do que a quantidade produzida internamente. A contribuição da pesquisa foi fundamental para desenvolver uma tecnologia para fixar o nitrogênio do ar nas raízes das plantas de leguminosas, principalmente para a cultura da soja, por meio de bactérias. Este processo é chamado de Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN), presente hoje em 75% da área cultivada de soja e responsável por uma economia da ordem de R$ 2 bilhões por ano em compra de fertilizantes nitrogenados. A FBN contribui ainda para a redução do consumo de energia e das emissões de gases de efeito estufa.

O salto da produção é atribuído em boa parte à melhoria no uso de insumos com efeitos diretos sobre a produtividade. O consumo de fertilizantes passou de dois milhões de t, em 1975, para 15 milhões de t, em 2016.

As práticas agrícolas atuais estão contribuindo para a preservação ambiental?
A adoção de práticas conservacionistas como, por exemplo, o sistema de plantio direto, com o não revolvimento do solo com os restos vegetais, realizando a rotação de culturas e preservando a palhada na superfície do solo, está contribuindo para que este sistema se torne equilibrado e sustentável. A palha sobre o solo diminui a temperatura e preserva a umidade do solo, criando um clima mais favorável para o desenvolvimento de microrganismos benéficos. Esta mesma palhada servirá futuramente como alimento a esses microrganismos, que irão promover a mineralização destes nutrientes contidos nos restos vegetais. Esta microbiota é reciclada cerca de 10 vezes mais rápido que a fração orgânica morta do solo. Com a reciclagem, serão fornecidos às plantas nutrientes disponíveis gradualmente.


A função do manejo de nutrientes, através da adubação, é fornecer um suprimento adequado de todos os nutrientes essenciais para uma cultura durante o período de crescimento. Se a quantidade de qualquer nutriente é limitante em qualquer momento, existe um potencial para perda da produção. À medida em que a produtividade das culturas aumenta, as quantidades de nutrientes exportados dos campos de produção onde as culturas são plantadas também aumentam, o suprimento de nutrientes do solo pode tornar-se deficiente, a não ser que a área receba suplementação desses nutrientes através da aplicação de fertilizantes.

Os fertilizantes precisam ser aplicados em todos os tipos de sistemas de produção das culturas com a finalidade de se obter níveis adequados de produtividades que fazem com que os esforços de produção sejam vantajosos. Práticas modernas de adubação, introduzidas na parte final dos anos 1800 e baseadas no conceito químico da nutrição de plantas, contribuíram de modo marcante para o aumento da produção agrícola e resultou, também, em melhor qualidade dos alimentos e das forragens. Além disso, os retornos econômicos obtidos pelos agricultores aumentaram substancialmente em decorrência do uso de fertilizantes na produção das culturas.

O uso de fertilizantes permite reduzir o desmatamento?
Em 1977, o Brasil produzia 46.319 t de grãos em uma área de 37.319 ha. Em 2017 foram produzidas 237.671 t de grãos em 60.890 ha. Em 1977 eram retiradas 1,27 t para cada ha. Em 2017 esse valor passou para 3,90 t para cada hectare. Isto revela o quanto a agricultura brasileira se tornou mais eficiente. Se o Brasil estivesse produzindo, atualmente, a mesma produtividade de 1977, haveria necessidade de abrir, ou desmatar, uma área aproximada de 160 milhões de hectares.


A avaliação dos dados de evolução da produção de grãos no Brasil é acompanhada de maneira muito próxima pelo consumo de fertilizantes. Isso permite atribuir ao uso de fertilizantes como um dos fatores tecnológicos que favoreceu o aumento de produtividade das culturas agrícolas brasileiras.

Podemos concluir que o manejo nutricional dos solos brasileiros, principalmente da região do Cerrado, é responsável pela maior produtividade das culturas, gerando a produção de alimentos, mas também contribuindo para a preservação de florestas, e, em consequência, para a preservação da fauna e da flora dos diversos biomas do Brasil.

* os autores são 1 = engenheiro agrônomo e diretor científico da iniciativa Nutrientes para a Vida (NPV) e, 2 = acadêmica de Engenharia Agronômica na Esalq/USP


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sábado, 16 de dezembro de 2017

O embate entre o conhecimento e a ignorância

Maurício Antônio Lopes *

O matemático e filósofo britânico Bertand Russell, um dos mais influentes pensadores do século XX, dizia que o maior problema do mundo moderno é que as pessoas preparadas e capazes estão sempre cheias de dúvidas, enquanto as desinformadas e incapazes estão sempre cheias de certezas. Incômodo semelhante sentia o escritor Umberto Eco, que não escondia irritação com o uso cada vez mais descuidado de um dos grandes avanços da humanidade, a internet. Com fino humor, ele dizia que, antes das redes sociais, os “tolos da aldeia’’ tinham direito à palavra "em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade". E concluía que “o drama da internet é que ela pode transformar qualquer tolo da aldeia em portador de uma suposta verdade planetária”.

O fenômeno que tanto incomodava a Bertrand Russell e Umberto Eco foi estudado pelos psicólogos americanos Justin Kruger e David Dunning, da Universidade de Cornell. Eles descreveram o efeito Dunning-Kruger, segundo o qual indivíduos que possuem pouco conhecimento sobre um assunto julgam saber mais que outros mais bem preparados. Os cientistas concluíram que muitas vezes a ignorância gera confiança com mais frequência do que o conhecimento, dando a pessoas desqualificadas a sensação de uma “superioridade ilusória”. Assim, indivíduos com ideias preconcebidas, intuições, vieses e pressentimentos constroem versões distorcidas da realidade e se agarram à ilusão de que são detentores de conhecimento confiável.

Os estudiosos dessa “superioridade ilusória” analisam que, quanto mais ignorante alguém for em um assunto, menos qualificado será para avaliar a habilidade de qualquer pessoa que trabalhe no mesmo assunto, incluindo sua própria habilidade. Quando alguém usa uma rede social para disseminar absurdos e ninguém o contrapõe, esse indivíduo se assume um expert. Isso resulta em uma percepção artificialmente inflada das suas próprias habilidades, muitas vezes temperada pelo ego. O mesmo efeito fará com que pessoas igualmente incompetentes se parabenizem e se apoiem, pois não conseguem detectar suas insuficiências. Por isso, muitos ambientes de discussão efervescente são nada mais que arenas da ignorância, que afugentam as pessoas mais habilitadas a iluminar o debate.

Um agravante é que as catástrofes e o negativismo exercem enorme atração sobre a sociedade moderna. Essa condição cria ambiente fértil para a “superioridade ilusória”, que faz circular de forma intensa falácias e meias verdades, ampliando o culto ao pessimismo e a glorificação dos que adoram bater os tambores do apocalipse. Estranhamente, esse movimento cresce em um mundo em que são abundantes as evidências de progresso, como mais democracia, mais educação e mais desenvolvimento econômico e social. Qualquer análise cuidadosa do progresso humano em prazos mais longos demonstrará que as melhorias alcançadas pela sociedade moderna são nada menos que extraordinárias. A humanidade nunca esteve tão bem como agora, em inúmeros aspectos, o que deveria afugentar o pessimismo e nos animar em relação ao futuro.

Mas, ao contrário, estamos nos afogando todos os dias em um mar de análises e cenários pessimistas. Razão por que teremos que nos preparar para um embate cada vez mais acirrado entre o conhecimento e a ignorância. De acordo com Max Roser, cientista da Universidade de Oxford, que se dedica a estudar a evolução em longo prazo dos padrões de vida no mundo, uma das razões pelas quais muitos se concentram em coisas que dão errado é que sua amostragem é distorcida da realidade, porquanto concentrada em eventos únicos e pontuais, preferencialmente extremos, que atraem mais curiosidade e atenção. A atenção preferencial a eventos extremos faz com que os avanços positivos de grande impacto, que ocorrem mais lentamente e são resultado da integração de muitos pequenos avanços, não capturem a atenção das pessoas, que se tornam mais concentradas no curto prazo e, pior, cada vez mais obsessivas pela catástrofe e pela autoflagelação.

Outro agravante é que a informação está sendo produzida e disseminada em velocidade estonteante e desvalorizada e tornada obsoleta com igual celeridade. É cada vez mais difícil nos mantermos atualizados em temas como política, saúde, segurança, tecnologia, etc. E, embora informações estejam prontamente disponíveis em múltiplos veículos e mídias, é cada vez mais difícil avaliar quando alguém está bem informado. O perigo é que as torrentes de informações que nos chegam diariamente nos tornem menos informados, desinformados ou, pior ainda, menos conhecedores do que não sabemos.

Portanto, não é possível esperar que o confronto entre o conhecimento e a ignorância se abrande no futuro, pois enquanto a ciência e a tecnologia avançam em ritmo exponencial, a política, a economia e a educação seguem em ritmo lento e linear. Na era do conhecimento, a grande maioria dos países acumula imensos passivos na formação de talentos e competências e muitas vezes a educação e a ciência são tratadas com pouca ou nenhuma prioridade. O perigo é que uma legião de desinformados cheios de certezas multipliquem conflitos desnecessários e comprometam o progresso. Esse é um desafio importante para o Brasil, que acaba de ser apontado na pesquisa “Os Perigos da Percepção”, do instituto Ipsos Mori, como a segunda nação, em 38 pesquisadas, em que as pessoas mais têm uma percepção equivocada da realidade do seu próprio país.

* o autor é engenheiro agrônomo e presidente da Embrapa

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