sábado, 28 de junho de 2008

Para a mídia imagem de usineiro é pior que a de bicheiro

Richard Jakubaszko 
A imagem dos usineiros também é muito pior do que a dos banqueiros. Historicamente a grande mídia sempre elegeu "inimigos" e "culpados" por tudo o que acontecia de ruim. Não é de hoje que existe nas redações o aforismo si hay gobierno, soy contra – e dê-lhe pau no governo! 

Agora, seja no jornalismo econômico, político, ambiental e até mesmo social, a bola da vez são os usineiros. Em outros tempos já foram as multinacionais. Em passado recente algumas palavras chaves bem colocadas ao longo de um texto definiam o "inimigo", imaginário ou real: globalização foi e ainda é uma palavra básica, assim como banqueiro; já nos anos da ditadura militar brasileira havia o "comunista" – personagem que comia criancinha –, inimigo oculto que teve momentos de brilho. 

Na imprensa americana há "personagens" que se destacam, entre elas "comunistas", ao lado de "terroristas", ou serial killer, religioso messiânico, xiita etc. A questão é atávica, mas existem desdobramentos interessantes.  

Jeca Tatu 
Para entender melhor a questão que envolve os usineiros há que se conhecer a síndrome do Jeca, ou, mais precisamente, do Jeca Tatu, personagem na ficção do genial escritor e nacionalista Monteiro Lobato, que nos legou uma obra literária de inequívoca criatividade e altíssimo valor cultural. 

A referida obra foi recriada e adaptada pelo ator e diretor Mazzaropi, chegando primeiro ao cinema e depois à publicidade nos anos 50 e 60, com grande impacto. Com a fama instalada, a síndrome permitiu e até mesmo incentivou um viés de interpretação dentro da chamada intelectualidade brasileira e entre os jornalistas urbanos, como formadores de opinião. Isto porque associou e materializou uma imagem pública do produtor rural brasileiro típico ao Jeca Tatu, personagem simplório, inculto, matreiro, caipira e tabaréu. 

A distorção de imagem persistiu até o início dos anos 2000, quando se iniciou um desvanecimento desses sintomas, em função do espetacular crescimento da agricultura brasileira, com repercussões notáveis na geração de renda, no crescimento do emprego e nas exportações. Excluídos desse perfil de imagem desfocada dos jecas, sempre estiveram os usineiros, grandes pecuaristas e também os antigos barões do café. 

Algum tempo atrás, e aos poucos, já na década de noventa, foram incluídos nessa pequena relação de exceções os citricultores e a esses se juntam agora os sojicultores e cotonicultores, conforme registrei no livro Marketing da Terra (Editora UFV - Universidade Federal de Viçosa, MG, 282 pg, 2005). 

No dia-a-dia, usineiros, grandes fazendeiros, pecuaristas e "barões do café" – uma figura que nem existe mais, pois a cafeicultura é feita por pequenos e médios produtores – ainda são as personagens poderosas nos filmes e telenovelas que retratam cenários rurais, e são invariavelmente poderosos e 'malvados'. 

Há uma nítida melhoria da imagem pública do produtor rural, de uma forma geral, perante populações urbanas, o qual é visto como um sujeito trabalhador e empreendedor. Corre-se até o risco de permitir e criar novas distorções se o agro-ufanismo persistir na grande mídia em amplas reportagens e entrevistas, com fotos de alguns dos gigantes e grandes produtores que geram enormes fortunas e impérios à sua volta. Pode até incitar à violência, tornando certos produtores personalidades "seqüestráveis" potenciais, o que de fato ocorreu em 2004 com um conhecido produtor do MT, logo após aparecer numa entrevista em uma revista noticiosa de circulação nacional. 

A chamada bancada ruralista, no Congresso Federal, hoje em dia menor que a bancada ambientalista, ajuda a mídia a formar uma imagem deformada dos produtores rurais, e também dos usineiros, pois tem atuação nitidamente reivindicatória, de "obter vantagens e benesses para os interesses do setor", o que é mal visto pela grande mídia, e esta se esquece, ou não sabe, que é um setor que produz alimentos, portanto, é vital à sobrevivência dos urbanos. Além disso, é uma atividade que tem contra si os maus humores da economia e do clima, com excesso ou falta de chuva. Portanto, é negócio de alto risco. 
 
Usineiros e mulher de malandro 
Nesse quadro, os usineiros viraram saco de pancada da grande mídia. Quando se fala em "trabalho escravo", invariavelmente tem usineiro "envolvido", mesmo que seja um fornecedor terceirizado de cana para a usina e que tenha contratado mão-de-obra temporária para a colheita. 

Quando a mídia cobre questões ambientais, as queimadas de cana preparatórias para a colheita são responsáveis pela poluição e pelo aquecimento do planeta ou aumentam o buraco da camada de ozônio. 
Porém, se o usineiro adota colheita mecânica, que colhe cana crua, sem queimar, desemprega milhares de trabalhadores e é responsável pelo desemprego no agronegócio, causa o êxodo rural. 

Ainda na questão ambiental existem colegas mal informados, que repercutem e replicam incansavelmente opiniões de personalidades políticas ou ambientalistas sobre o plantio da cana "roubar" áreas de plantio de alimentos. Há um medo generalizado de que no futuro breve tenhamos de nos alimentar apenas de rapadura. Sobretudo, a monocultura da cana também é alvo de muita crítica, pois a mídia argumenta que altera a biodiversidade, sem a qual não se tem a sustentabilidade, que é uma outra palavra mágica para a mídia, e também embute outra grande mentira, pois qualquer monocultura é sempre poluição, não apenas a de cana. 

Ressalte-se que lamentavelmente nós urbanos temos que comer, enquanto a mídia se alimenta de outras fontes e entre essas estão as fontes críticas e polêmicas, afora as fontes midiáticas carentes de holofotes. 
Como se pode ver parece que há antipatia generalizada entre os jornalistas para com os usineiros. No foco da mídia os usineiros apanham como mulher de malandro, pois este não sabe porque está batendo, mas imagina que a mulher saiba porque está apanhando. A mulher do malandro não reclama, nem faz queixa na polícia, assim como os usineiros, que ficam quietos, parecem acreditar que o bom cabrito não deve berrar.

Inegavelmente há uma simbiose muito interessante entre imprensa e usineiros que parece ultrapassar os muros da simples relação de ódio existente entre ricos e pobres.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Tira esse cotovelo de merda daqui!

Richard Jakubaszko

Foi um enorme e retumbante berro, dado como ordem imperativa. O desaforo veio lá do meio do avião e apesar do barulho das turbinas todos a bordo escutaram. Deu para entender algumas palavras, berradas isoladamente, como folgado!, malcriado!, espaçoso!, pára com isso!, e ainda o ameaçador vou meter a mão na sua cara! Foi um corre-corre nervoso das aeromoças e comissários dentro do avião, e a turma do deixa-disso logo conseguiu serenar os ânimos. Comentários posteriores esclareceram que a bagunça iniciara-se pela recusa de dois passageiros, um na janela e outro no corredor, de tirarem seus cotovelos da braçadeira dos seus assentos, fazendo com que o passageiro da poltrona do meio ficasse encolhido, ou melhor, espremido, entre os seus dois gordinhos e folgados vizinhos. Deu uma cotovelada em cada um, ao mesmo tempo, e recebeu dois cotovelaços simultâneos, iniciando o entrevero verbal que se ouviu em todo o avião. Os ânimos foram acalmados com a mudança de poltrona do passageiro espremido, até porque estava em nítida e flagrante desvantagem, eram dois contra um...

Ora, pensei com os meus botões, não é exatamente o que acontece com as pessoas hoje em dia? Virou espetáculo rotineiro assistirmos, sem mais nem menos, uma polêmica discussão que se inicia já acalorada, com acusações e xingamentos, seja na fila do supermercado (anda aí, ô lesma!), na porta do elevador ou do metrô (sai da porta, folgado!), dentro do cinema (desliga essa porra desse celular!), ou no balcão do cafezinho (não foi assim que eu pedi!). Fui adiante em minhas reflexões, e me perguntei: afinal, o que terá acontecido com o brasileiro cordial pintado a sete cores e mil palavras por Sérgio Buarque de Hollanda, ou o brasileiro gentil de Darci Ribeiro? Acho que morreram, concluí, ou desistiram de gentilezas depois de inúmeras crises, de tantas incertezas nesses tempos competitivos de globalização. Quem sabe o brasileiro cansou, desde que se anunciou que o fim do mundo está próximo com esse tal de aquecimento? Ou então aprendeu também a ser malcriado, de tanto assistir filmes americanos em que mocinhos e malvados primam por competir em quem é o mais mal humorado e carrancudo.

A situação anda tão precuária – misto de situação preocupante na pecuária – que é perigoso você dirigir a um colega de trabalho um singelo como vai?, pois pode receber uma tijolada de volta, tipo o que é que você tem com isso?, ou ainda um não te interessa!

No trânsito das cidades maiores há que se ter cuidado em não chamar ninguém de barbeiro, pois a gente pode se ver com um trintoitão na cara. Esbarrão na rua, então, raramente alguém se vira para pedir desculpas e ainda pode ouvir um xingamento inesperado.

Até recentemente – no máximo uns 10 anos - os brasileiros cometiam suas indelicadezas não retornando um recado telefônico, ou não respondendo a um e-mail, mas hoje em dia isso virou lugar comum. Eu, como diz meu amigo Carlão, da Publique, que dou resposta até para spam, ainda acho um desaforo, mas as pessoas consideram isso normal, tamanho o volume de e-mails que se recebe hoje em dia. E vem mais mudança de comportamento pela frente.

Jornalistas como eu já sabem, estamos acostumados a receber mensagens ou e-mails de todo tipo, pedindo mais informações, elogiando algum artigo ou reportagem, mas hoje em dia o que mais tem é crítica e paulada. Parece que o brasileiro saiu do armário, assumiu uma postura mais agressiva. Por culpa de alguns dos últimos artigos aqui publicados recebi e-mails com xingamentos, uns até me acusando de vendido para as multinacionais dos transgênicos e dos agrotóxicos. O que eu não havia recebido até hoje, em toda a minha vida profissional de mais de 40 anos, eram ameaças. Ameaça de processos judiciais tive muitas, nenhuma concretizada. Alguns colegas envaidecem-se por serem processados, particularmente acho um assunto aborrecente, mas ser ameaçado como fui, de "não atravesse na minha frente numa faixa de pedestres, pois sou capaz de atropelá-lo", essa foi nova. Não tenho receios, sei nome, sobrenome e endereço do ambientalista ameaçador, mas que é uma situação esdrúxula, sem dúvida que é. Pelo sim e pelo não, vou começar a colocar um pouco mais de pimenta nos próximos artigos, podem acreditar, é só esperar para ver. Como tenho dito a alguns amigos jogo no time do nóis capota, mais nóis não breca...

Independentemente dos entreveros pessoais e profissionais me ocorreu que vivemos hoje no Brasil, e pelo mundo afora também é assim, a um processo que está se tornando crônico pela animosidade demonstrada pelas pessoas no convívio com seus pares, sejam familiares, colegas profissionais, clientes, e em especial com os desconhecidos. Coloca-se para fora toda a raiva contida, numa facilidade jamais imaginada em outros tempos. E dê-lhe cotovelaço!

Tudo parece encerrar uma genérica e permanente discussão ideológica. Uma conversa sobre política ou questões cambiais, sobre poluição do planeta, ou da violência que campeia nas cidades, pode redundar num amplo e generalizado bate-boca contra o governo de Lula, o atual e o anterior, ou tudo é culpa do ex-presidente FHC. Depende com quem se está falando, mas se a sua opinião não coincidir com a do seu interlocutor, muito cuidado, pode estar a caminho um conflito de proporções temerárias. É quase um confronto de torcidas organizadas de são paulinos x corintianos x palmeirenses, ou os equivalentes regionais Brasil adentro. Não tem simpatia, e nem moleza, e assim cotovelo neles! - pois são os únicos culpados, os outros são os inimigos.


Um amigo recentemente me afirmou, depois de uma conversa sobre o tema dessa crônica, que eu deveria estar sofrendo muito com esse novo modus comportamental dos brasileiros, na medida em que muitos conhecidos e colegas profissionais me consideram polêmico. Concordei em parte, porém não sofro como vítima do problema, mas que tenho entrado em entreveros intermináveis isso é verdade. Se a gente diz uma coisa, outra é interpretada, e lá vem cotovelaço! O mesmo amigo avaliou que o problema era esse, eis que me considera um cara mal compreendido, porém jamais polêmico. Pensei sobre o assunto e tive que concordar integralmente, ainda que intimamente, pois o problema está na incapacidade das pessoas se comunicarem, sejam intenções ou sentimentos e opiniões, e por isso se trumbicam, como dizia o velho guerreiro. E acabam dando cotovelaços uns nos outros, o tempo inteiro. De um lado porque não têm paciência para ouvir uma opinião contrária, e de outro porque não querem mudar de opinião.


Um grande exemplo do novo e contemporâneo mau humor dos brasileiros está nos blogs brasileiros. Os comentários de alguns visitantes geram caóticas brigas virtuais. Algumas vezes os comentários são melhores do que os próprios artigos publicados, mas a questão assume proporções hilárias quando dois ou três dos comentaristas resolvem brigar entre si. Nunca te vi, mas sempre te odiei...

Falta ao brasileiro a cultura da democracia, a experiência do debate de idéias. Partem de premissas diferentes para debater um problema, mas terminam se estapeando, verbal ou fisicamente, porque os argumentos não importam mais, tudo é uma questão de simpatia ou antipatia, e exacerbam-se as posições. Ao invés de discutir as idéias e os conceitos desqualifica-se o oponente, o que é muito tupiniquim. Lamentável o clima, essas situações têm registros históricos, costumam antecipar-se aos tempos negros de ditaduras radicais, sempre xiitas, soberanas e fundamentalistas, recheadas de intolerância, seja qual for a cor política ou desculpa social, ou ainda religiosa.
Mas espero estar enganado.