Richard Jakubaszko
A imagem dos usineiros também é muito pior do que a dos banqueiros. Historicamente a grande mídia sempre elegeu "inimigos" e "culpados" por tudo o que acontecia de ruim. Não é de hoje que existe nas redações o aforismo si hay gobierno, soy contra – e dê-lhe pau no governo!
Agora, seja no jornalismo econômico, político, ambiental e até mesmo social, a bola da vez são os usineiros. Em outros tempos já foram as multinacionais. Em passado recente algumas palavras chaves bem colocadas ao longo de um texto definiam o "inimigo", imaginário ou real: globalização foi e ainda é uma palavra básica, assim como banqueiro; já nos anos da ditadura militar brasileira havia o "comunista" – personagem que comia criancinha –, inimigo oculto que teve momentos de brilho.
Na imprensa americana há "personagens" que se destacam, entre elas "comunistas", ao lado de "terroristas", ou serial killer, religioso messiânico, xiita etc. A questão é atávica, mas existem desdobramentos interessantes.
Jeca Tatu
Para entender melhor a questão que envolve os usineiros há que se conhecer a síndrome do Jeca, ou, mais precisamente, do Jeca Tatu, personagem na ficção do genial escritor e nacionalista Monteiro Lobato, que nos legou uma obra literária de inequívoca criatividade e altíssimo valor cultural.
A referida obra foi recriada e adaptada pelo ator e diretor Mazzaropi, chegando primeiro ao cinema e depois à publicidade nos anos 50 e 60, com grande impacto. Com a fama instalada, a síndrome permitiu e até mesmo incentivou um viés de interpretação dentro da chamada intelectualidade brasileira e entre os jornalistas urbanos, como formadores de opinião. Isto porque associou e materializou uma imagem pública do produtor rural brasileiro típico ao Jeca Tatu, personagem simplório, inculto, matreiro, caipira e tabaréu.
A distorção de imagem persistiu até o início dos anos 2000, quando se iniciou um desvanecimento desses sintomas, em função do espetacular crescimento da agricultura brasileira, com repercussões notáveis na geração de renda, no crescimento do emprego e nas exportações. Excluídos desse perfil de imagem desfocada dos jecas, sempre estiveram os usineiros, grandes pecuaristas e também os antigos barões do café.
Algum tempo atrás, e aos poucos, já na década de noventa, foram incluídos nessa pequena relação de exceções os citricultores e a esses se juntam agora os sojicultores e cotonicultores, conforme registrei no livro Marketing da Terra (Editora UFV - Universidade Federal de Viçosa, MG, 282 pg, 2005).
No dia-a-dia, usineiros, grandes fazendeiros, pecuaristas e "barões do café" – uma figura que nem existe mais, pois a cafeicultura é feita por pequenos e médios produtores – ainda são as personagens poderosas nos filmes e telenovelas que retratam cenários rurais, e são invariavelmente poderosos e 'malvados'.
Há uma nítida melhoria da imagem pública do produtor rural, de uma forma geral, perante populações urbanas, o qual é visto como um sujeito trabalhador e empreendedor. Corre-se até o risco de permitir e criar novas distorções se o agro-ufanismo persistir na grande mídia em amplas reportagens e entrevistas, com fotos de alguns dos gigantes e grandes produtores que geram enormes fortunas e impérios à sua volta. Pode até incitar à violência, tornando certos produtores personalidades "seqüestráveis" potenciais, o que de fato ocorreu em 2004 com um conhecido produtor do MT, logo após aparecer numa entrevista em uma revista noticiosa de circulação nacional.
A chamada bancada ruralista, no Congresso Federal, hoje em dia menor que a bancada ambientalista, ajuda a mídia a formar uma imagem deformada dos produtores rurais, e também dos usineiros, pois tem atuação nitidamente reivindicatória, de "obter vantagens e benesses para os interesses do setor", o que é mal visto pela grande mídia, e esta se esquece, ou não sabe, que é um setor que produz alimentos, portanto, é vital à sobrevivência dos urbanos. Além disso, é uma atividade que tem contra si os maus humores da economia e do clima, com excesso ou falta de chuva. Portanto, é negócio de alto risco.
Usineiros e mulher de malandro
Nesse quadro, os usineiros viraram saco de pancada da grande mídia. Quando se fala em "trabalho escravo", invariavelmente tem usineiro "envolvido", mesmo que seja um fornecedor terceirizado de cana para a usina e que tenha contratado mão-de-obra temporária para a colheita.
Quando a mídia cobre questões ambientais, as queimadas de cana preparatórias para a colheita são responsáveis pela poluição e pelo aquecimento do planeta ou aumentam o buraco da camada de ozônio.
Porém, se o usineiro adota colheita mecânica, que colhe cana crua, sem queimar, desemprega milhares de trabalhadores e é responsável pelo desemprego no agronegócio, causa o êxodo rural.
Ainda na questão ambiental existem colegas mal informados, que repercutem e replicam incansavelmente opiniões de personalidades políticas ou ambientalistas sobre o plantio da cana "roubar" áreas de plantio de alimentos. Há um medo generalizado de que no futuro breve tenhamos de nos alimentar apenas de rapadura. Sobretudo, a monocultura da cana também é alvo de muita crítica, pois a mídia argumenta que altera a biodiversidade, sem a qual não se tem a sustentabilidade, que é uma outra palavra mágica para a mídia, e também embute outra grande mentira, pois qualquer monocultura é sempre poluição, não apenas a de cana.
Ressalte-se que lamentavelmente nós urbanos temos que comer, enquanto a mídia se alimenta de outras fontes e entre essas estão as fontes críticas e polêmicas, afora as fontes midiáticas carentes de holofotes.
Como se pode ver parece que há antipatia generalizada entre os jornalistas para com os usineiros. No foco da mídia os usineiros apanham como mulher de malandro, pois este não sabe porque está batendo, mas imagina que a mulher saiba porque está apanhando. A mulher do malandro não reclama, nem faz queixa na polícia, assim como os usineiros, que ficam quietos, parecem acreditar que o bom cabrito não deve berrar.
Inegavelmente há uma simbiose muito interessante entre imprensa e usineiros que parece ultrapassar os muros da simples relação de ódio existente entre ricos e pobres.