Carlos Eduardo Florence *
Relato em contrapartida e mais convicto, sem constrangimentos agora, passados vários indefinidos percalços sob a sombra suave desta solidão, mesmo não tendo lábios de carmim, nem sífilis, vendo em réplica as gaivotas brincarem de fingir fugidias ao infinito e eu aqui, obsessivo, campeando o verbo espairecer para saborear delicadas metáforas envenenadas. Mastigo fiapos de nada e me inspiro. Fazia-se, insisto para não pairar dúvidas, um imiscuído indefinido intervalo emocional entre o eu e a promiscuidade. Sim, provocativa, plasmando-se procedente posteriormente, embora, até então, não sabia eu, ingênuo, porque esta hipótese de promiscuidade comparecesse com peso relevante na minha interminável psicanálise. Prossegui meditativo vendo pouca esperança em aproveitar o canto da palmeira acarinhando o encanto do pintassilgo.
Não intuí por que não seria de cunho nada minimalista, na circunstância, pois entre as sete andorinhas mimetizando delicados voos insubordinados sobre o imprevisto, modulados em escala de fá, e o mesmo sol que as acalantara por uma primavera inteira, deu-se de o porvir ser inconstante, embora inexorável? Esta inconstância passou a fazer parte de meu proselitismo mesmo quando, raramente, sóbrio.
Mas, para certa tranquilidade, permitiu-se ao andejar, o que se confirmou fundamental, aproveitar estes cenários entranhados nas poesias concretas, tanto tal também como com as paisagens expressionistas, antes de simularem-se findas as sinfonias efêmeras diárias que se desconstroem para oferecer o poente. Anotei o aroma sobre uma pequena amálgama de hipótese, para não desperdiçar os remanescentes dos subterfúgios das circunstâncias indefinidas disponíveis, e a moça passou segurando a mão da criança brincando de chutar as espumas menores para implicar com a maré. Assim restaria aceitar o se estender do provérbio para eu absorver melhor o transcorrer inefável do dia, ameigado pela preguiça e à rotina entre o amanhecer e o entardecer. Friso, por onde pasmo ainda agora meus devaneios acompanhando este desenrolar, esperando o nada procriar pequenos êxtases de madraçarias. Não havia incompatibilidade ou redundância, a meu ver, entre a promiscuidade e o meu eu indolente, mas ainda estavam estabelecendo limites e espaços confiáveis.
Configurou-se exato. Através do paradoxo ou da mitologia, sempre confundo, pois repete-se esta determinação do Criador para se refazer as circunstâncias do panorama eterno que insinua diariamente a reedição da morte solar. Isto me foi fundamental então. A fantasia seria minha, portanto, na dúvida, propus que a interrogação perdurasse por outra estação de recreio se a hipótese em incremento se transformasse em libertinagem ou imposições xenófobas. Naquele momento, resgataríamos se a origem analítica do fenômeno da libertinagem teria caráter genético, ambiental, fiduciário, preservacionista ou influência, quem diria, do cruzamento de Capricórnio com Áries em trânsito eventual pela Constelação de Libra.
Voltava eu, inconscientemente, a pontos escolásticos ligados ao geocentrismo que levaram vários infiéis ao cadafalso por negarem aquilo que não fazia a menor diferença. Pois, com ou sem as alternativas em retrospectiva, a terra não se manifestou, mas também não parou de ter relações extraconjugais com o cosmos, os servos de gleba mal sobreviviam do que colhiam, o sol se movia em sentido horário e, em deferência ao inusitado, solicitei repetir a mesma marca de vinho. Senti-me gratificado e compartilhei com a tristeza, que viera me acompanhar como sempre naquele horário, o restante da garrafa.
Como percebi, este pensamento de confronto do verbo transitivo com a resultante da cabala em conluio com os princípios da metodologia vegana, jamais se esclareceu conscientemente, mas como se alternavam estas mesmas e ainda outras minúcias esquizoides posteriores, dei razão ao psiquiatra para dobrar a dose do psicotrópico. Mesmo preço de uma dúzia de garrafas de vinho, cartel filho da puta. Neste intervalo a promiscuidade e o ego já se intervinham um pouco melhor.
Olhei a tristeza e não me lembro se verbalizei, menti ou supus – “são dados incontestáveis desde quando os deuses burilaram este universo gravitacional e materialista, embora inconsciente e espontâneo, face a que as opções da realidade eram mais simples, mas o raciocínio cartesiano foi se impondo cada vez mais ditatorial, presente e autoritário. Tanto que o cartesianismo estuprou a fantasia para destruir o amor, imperar sobre a dúvida sempre que havia discórdia, renegar o novo testamento e as cores passaram a ter funções psicossomáticas”.Justificava-se a conjetura, pois até então não havia eu atentado aos detalhes dos pardais entremeando o coreto se descompondo impregnado de nostalgia, onde uma senhora ouvia o chamado do além e conversava com Deus, ainda ali o chafariz enferrujado se desfazendo e abandonados se deram a ficar naquela ponta de praia amortalhada entre o silêncio e minhas insânias alvoroçadas.
Deu-se em alfa as sequências e a posteridade não configurou mais os meus motivos que não eram só disfarçados, mas afetivos e ancestrais. Impus-me pausa para não continuar elucubrando como faço enquanto desenvolvo elipses conflituosas para elucidar se o que estou imaginando é fruto do meu consciente ou se a consciência elabora o que estou imaginando. Tenho, nesta ânsia, duas soluções, transcender a atenção para um ponto imaginário imponderável em um subjetivo aleatório entre o azul amedrontado e o manifesto comunista ou me consolo da demência restando cativado à flor do maracujá que me saudou ontem em silêncio. Na dúvida chamei o garçom. O eu se aproximou da promiscuidade sem tocá-la.
Foram estes os argumentos com que a tristeza amena, amiga afetuosa, que me embala doce ao cair das tardes, aconchegara então à mesa que frequentava no Pontão do Procópio. Antecipo que os detalhes anteriores foram pontos de somenos no contexto que oferecerei. Não me senti confortado e tranquilo, embora uma das sete andorinhas tenha se recolhido mais cedo. Mas dispôs a tristeza, aleatoriamente, suave, a partir daquele momento marcante, sobre o tampo disponível, cada detalhe resgatado da bolsa de seus badulaques significantes que portava perene à tiracolo. Vieram seus atributos despejados sobre a mesa com a exigência precípua, sua, que atentasse eu somente ao aroma da fantasia, à acuidade do melindre, às cores da emoção.
Caso não me contagiasse peremptoriamente pelas oferendas portadas não seria impregnado da sutileza do encanto da incerteza, metamorfose da dúvida, do vazio espiritual. O álcool não faria mais efeito. Isto seria desumano, desalentador. Da embriaguez não compartilhada na intimidade com a tristeza, antes de chorar, se não lhe devotasse eu todo carinho e atenção, nasceriam provérbios inúteis, miasmas subversivos, discursos políticos, dividas, pregadores redentoristas. Repete-se esta cena inspirada na imensidão da suave demência com a qual me emociono sempre ao entardecer enquanto repito ordenar sistematicamente outra dose a ser sorvida em goles miúdos, na companhia da tristeza já alcoolizada, antes de me extasiar. O eu e a promiscuidade se acalmaram.
Lembro-me bem, parara de fumar na véspera, mas pedi só mais um maço, usaria dois e jogaria fora aquela porcaria de cigarros. Na medida que as peças das metáforas e encantos aforavam, tímidas ou alegres, enternecidas, medrosas, envergonhadas, desorientadas, a tristeza, imperativa, em seus desígnios de me enternecer em seus braços, olhou-me com a fisionomia complacente sabendo que eu não teria alternativa, se não a acatasse. Fui, tranquilo, sendo abscondido pelo fervor impregnado de delírio irrequieto da tristeza impositiva, olhos pasmados na sua impassividade, certo torpor, resto de medo atávico. Transcendi à infância, seios maternos, o ladrão embaixo da cama, infinito, o cavalo de pelúcia, reza para pedir perdão, a reza para pecar depois.
Deixei-me entreter lento, voz pastosa, volvendo vistas à tristeza, ela pedindo para passar para o lado direito, pois gostaria de acompanhar o poente. Oscilei o pensamento para uma frase sem sentido prático, naquele momento pelo menos, por ser inoportuna, mas me deixei tangenciar por uma letra de samba canção que pincelava a textura suave do tema, por ser sábado, no qual poderia eu ter desejos e carências sexuais. A imaginação é fantástica. O vinho não era dos piores depois da sexta dose. Uma brisa calma trouxe recordações de Alita, que me abandonara no mês anterior, tanto que lembrei que teria de resgatar, na véspera, a penhora do relógio que fora de meu avô.
Só nos distraímos, a tristeza e eu, por vermos desprender da flor de maracujá, empenhada em ouvir o silêncio, um beija-flor à cata de seus existenciais, procriar ou nutrir-se. Deus caprichou no colibri enquanto rascunhava os demais imprevistos à beira do nada. Neste ponto tentei impor-me o pensamento mais formal e não dialogar com o surrealismo. Por favor, pedi, sem timidez mais, o terceiro ou quarto copo depois do último que parara de considerar necessário contar. A tristeza, impassível não se pronunciou. Fiquei orgulhoso.
Depositava ela seus portados em ordem de minúcias afetivas e por silogismos crescentes, insistindo para eu não me distrair pedindo, simultaneamente, vinho novamente. Ainda falávamos da importância do contexto das andorinhas em confronto com os paradigmas solares, quando a angústia chegou sorrateira de mãos dadas com o problema de cálculo integral acarinhando-a e observando a importância existencial do desabrochar da camélia em dia de finados. A equação não fechava, mas existia certa correlação poética com o mar morto.
A tristeza voltou a olhar-me na intimidade da alma, pediu mais vinho tinto para ela então, enquanto entonava quase imperceptível algo de Noel. Antes de se despedir e levar-me aos safanões pela calçada, sem perguntar-me, jogou, a tristeza, sobre a lambança dos seus búzios preferidos, um olho de cabra que sorria pela metade, um preconceito irreal recolhido em desavença com a Via Láctea, aquele exemplar estranho de sonho que não tinha envolvimento com o Complexo de Édipo, duas metamorfoses lésbicas de cigarras ainda encasuladas, fotografia do colibri que enfeitara o além antes das festas juninas, um saca-rolhas sem dente. Além disto, embora não considerasse búzio ou patuá, me fez alisar, para ir acostumando a conviver, uma réstia de melancolia, duas metades de saudades que não encaixavam. Mostrou ela ainda possuir três quartos de alguma substância fortuita para uso anticoncepcional ou remédio para mal olhado, mais o pedaço severo lascado de frustração para misturar com álcool antes da missa das seis. Jamais entendi para que, a missa. O ego viu-se impotente para assumir fantasia promíscua.
Expos, em sua confusão simpática, mas destrutiva, a tristeza, os motivos porque se davam nossos encontros sempre ao entardecer e assim não atrapalhar a chegada da insônia, que não falhava jamais. Atribuiu à tristeza, então já ordenando mais um vinho tinto, a tranquilidade que pairou entre nós até enquanto aguardávamos a depressão chegar para entrelaçarmos nossos propósitos de ménage a trois. Não nos despedimos, convidei-as a dormir. Proibi-as de atender o insistente telefone, era do AA.
* o autor é economista, blogueiro, escrevinhador, e diretor-executivo da AMA – Associação dos Misturadores de Adubos.
Publicado em https://carloseduardoflorence.blogspot.com/2021/05/entre-o-improperio-e-mitologia-relato_6.html
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