Marcos Sawaya Jank (*)
André S. M. Pessôa (**)
O Brasil tem dificuldade para reconhecer empreendedores e
modelos empresariais que deram certo. Temos dificuldade para listar dez nomes
de empresários que foram revolucionários no seu tempo. Temos ainda maior
dificuldade para valorizar arranjos produtivos que funcionam bem e podem servir
de modelo para dezenas de países.
Um dos exemplos mais notáveis desse tipo de dificuldade
ocorre no caso do modelo brasileiro de agricultura tropical que desenvolvemos
nas últimas décadas. Um dos pilares desse modelo é razoavelmente conhecido - o
desenvolvimento de tecnologias adaptadas às condições tropicais: as novas
variedades aptas a latitudes mais setentrionais, o plantio direto (que teve
extraordinário impacto conservacionista ao eliminar a aração dos solos), a
introdução da segunda safra no mesmo ano agrícola sem irrigação, a integração
lavoura-pecuária-floresta e outros.
O segundo pilar, bem menos conhecido, foi a corajosa
migração de produtores com aptidão e conhecimento agrícola em busca de ganhos
de escala para enfrentar as difíceis condições de produção nos cerrados.
Pequenos agricultores do Sul e do Sudeste do País construíram cidades e
estradas a milhares de quilômetros de sua terra natal. Inicialmente o
desenvolvimento se deu em cima do binômio soja-boi. Com o tempo, a valorização
das terras incentivou a intensificação e diversificação agrícola, com o
crescimento da produção de milho, arroz, algodão, café, cana-de-açúcar e
eucalipto. Na pecuária, vieram o leite, os suínos e as aves. Hoje são mais de
dez atividades disputando o uso da terra, num dos modelos mais bem-sucedidos de
produção de alimentos, rações, fibras, celulose e bioenergia do planeta.
Mas a maioria das pessoas não sabe que esse modelo de
desenvolvimento se baseou em "ganhos de escala" absolutamente necessários
e positivos.
Primeiro, porque o enfrentamento dos cerrados exige maior
capacidade operacional para lidar com instabilidades climáticas, solos pobres e
ácidos, enorme diversidade de pragas e doenças, acarretando maiores custos
fixos e necessidade de escala.
Segundo, porque, ao contrário do que ocorreu nos EUA no
começo do século passado, a infraestrutura de armazenagem e transporte não
acompanhou a migração dos produtores brasileiros, obrigando-os a bancar suas
próprias estruturas, o que também aumenta os custos fixos. A atual safra mostra
claramente que a rentabilidade da agropecuária é dilapidada na mesma proporção
em que aumenta a distância dos portos.
Terceiro, porque a própria condução da atividade em
condições tropicais exige conhecimentos aprofundados de gestão e governança, o
que requer profissionais qualificados e novamente aumenta os custos fixos.
Profissionalização, capacidade de gerir modelos de alta tecnologia,
sofisticados mecanismos de gerenciamento de riscos e comercialização, atuação
na coordenação de cadeias produtivas com grande complexidade de contratos,
elevadas exigências em termos de governança, transparência e sustentabilidade
são hoje elementos essenciais para o sucesso da agricultura.
É incomparavelmente mais difícil plantar grãos nas condições
dos cerrados de Mato Grosso e Mapitoba (Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia) do
que no Meio-Oeste dos EUA ou na Bacia Parisiense. Já as culturas perenes -
cana, laranja, café e eucalipto - são atividades que exigem imensa quantidade de
capital e gestão primorosa, sob o risco de quebra no meio do caminho.
O fato é que nunca esteve tão claro que a escala de produção
é um elemento fundamental para o sucesso da atividade agropecuária em condições
tropicais. Esse tema já era visível no desenvolvimento de culturas perenes no
Estado de São Paulo. Agora fica cada vez mais claro nos cerrados do
Centro-Oeste e do Nordeste - no algodão, na soja, no milho e mesmo na pecuária.
Os custos fixos são de fato elevados, mas com o aumento da escala o custo médio
do produto final acaba se reduzindo, beneficiando os consumidores.
Grandes produtores competentes operam hoje com boa
rentabilidade, gerando empregos de alta qualificação e conseguindo cumprir as
exigências ambientais. Aliás, vale frisar que os custos de cumprimento das
legislações ambiental e trabalhista (compliance) no País são altos e
crescentes, forçando escalas cada vez maiores. Trata-se de desafios crescentes
para a pequena escala enfrentar sem o apoio do Estado em atividades de baixa
agregação de valor, como é caso das grandes commodities agrícolas.
Não estamos com isso afirmando que a agricultura de baixa
escala está inexoravelmente condenada ao desaparecimento. Ela vai continuar
sobrevivendo nas regiões que contam com melhores condições de logística e
armazenagem, maior acesso a mercados e outros elementos que atenuam os pontos
levantados. Os Estados do Sul são um bom exemplo, onde a pequena agricultura
consegue sobreviver integrada a agroindústrias processadoras ou por meio de
cooperativas que reduzem os problemas de comercialização e de acesso ao
crédito.
Tampouco estamos dizendo que os ganhos de escala sejam
infinitos. Apesar de eles serem cada vez mais evidentes, a ciência econômica
nos ensina que empresas podem entrar em situações de "deseconomias de
escala". Na realidade, sabemos muito pouco sobre essa matéria e a questão
da definição de "módulos ótimos" de operação ainda é um assunto em
aberto, em face das diferentes realidades deste nosso país continental.
Mas não há dúvida de que o principal vetor de crescimento da
agricultura do País tem sido a combinação de gestão e ganhos de escala, e que
esse modelo cada vez mais nos distingue do restante do mundo, causando
admiração em países em desenvolvimento e temor nos nossos concorrentes desenvolvidos.
Quem visitou a Agrishow na semana passada, em Ribeirão Preto, sabe
perfeitamente do que estamos falando. Não fossem os riscos regulatórios e de
logística que vivemos, seríamos imbatíveis. Nosso maior inimigo somos nós
mesmos!
Jornal “O Estado de São Paulo”, 07/05/2013, Opinião, A-2
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Prezado blogueiro
ResponderExcluirGostaria muito que essa filosofia fosse aplicada a industria, a combinacao de gestao e ganhos de escala eh realmente uma saida, mas creio que a atividade do agronegocio eh mais amor a propria atividade do que os resultados em si, e vejo isso como regra no setor, fenomeno que na industria eh inverso.
Não vejo porque classificar de !modelo!
ResponderExcluirEis o coquetel dos anos 70/80:
extensos chapadões sem água, por isso sem pécuária, de preço irrisório + clima de muito sol, chuva e calor, sem grandes variações + famílias de muitos filhos sem terra para dividir + gaúchos de muita garra dispostos á vida primária de regiões novas + financiamento fácil + inexistência de impediências ambientais = potência agrícola de MT-N, BA-SO. MA-S, e outros.
Simples, muito simples, só que só existe,- ou existiu,- no Brasil.