Daniel
Strutenskey de Macedo
Minha mulher precisou aviar uma
receita do médico e procurou a farmácia de manipulação mais
próxima de casa. Preço: R$ 310,00. Chegou brava com o preço e com a
proposta da vendedora, que ao notar seu espanto disse que concederia
desconto caso ela achasse preço melhor e que poderia dividir
pagamento em várias vezes no cartão. Foi ver o preço em outras
lojas. Na loja seguinte, o preço caiu para 200,00 e na
terceira, que eu lhe indiquei, para R$ 110,00 e facilitado em três
vezes. Comprou desta, uma farmácia tradicional localizada defronte
ao principal hospital da cidade.
Há duas semanas um colega vendeu uma
caixa de cachaça de alambique, artesanal, marca Mineira da Terra, de
excelente qualidade, ao preço de R$ 11,50 a garrafa. Estive na loja
para comprar vinhos e espiei o preço que a cachaça estava sendo
vendida ao consumidor final: R$ 49,00.
Fui
a uma loja do Pão de açúcar comprar adoçante e tentei comprar
amendoim japonês. Apenas tentei, pois o pacotinho estava posto à
venda por 6,80. Preço da Kalunga no mesmo dia, R$ 2,50.
Costumo
tomar cafezinho expresso. Adoro. Tomo café em todos os lugares por
onde ando. Pago R$ 1,50 e R$ 2,00. Raramente R$ 2,50. Interessante notar que
entre R$ 1,50 e R$ 2,00 a diferença é de 30%. Fui tomar café no Shopping
São Caetano: R$ 3,50.
Sou
especialista em preços. Faz parte das minhas obrigações
profissionais. Por isto, estou sempre comparando os preços e
analisando a formação de seus custos. O cafezinho de uma loja de um
shopping sofisticado carrega no preço o custo do aluguel da loja, o
qual é bem maior que o de lugares mais simples. A loja não vende o
cafezinho propriamente dito, mas o ambiente no qual o café será
degustado. Café não é alimento, não é essencial. O mesmo vale
para a cachaça. Apesar de estar num ponto que não é caro, a loja
que vende vinhos de qualidade, com preços em torno de R$ 30,00 e
maiores, o dono percebe que não poderá vender um destilado, a
cachaça, por apenas R$ 17,00. Desprestigiará o produto e a loja. É
uma questão de posicionamento, de como os clientes veem a loja e
seus produtos.
Os
preços não têm a ver apenas com os custos, mas com a percepção
de quem os vende e de quem paga por eles. Morei em Nova Iorque
cinquenta anos atrás, quando o leite custava cerca de trinta
centavos de dólar em qualquer lugar que fosse. A variação era de
no máximo dois centavos. Retornei vinte anos depois e meus amigos
reclamavam que os preços estavam loucos como no Brasil, mudavam a
cada vez que você atravessasse a rua. A percepção dos
norte-americanos mudou. A cultura de sobriedade capitulou. Quero
registrar que o significado de sobriedade inclui a temperança, o
comedimento, a parcimônia, a reserva, moderação, ausência de
artificialidade e complicação, naturalidade, simplicidade.
Sou obrigado a concluir que nos
tornamos inconsequentes, desmedidos, injustos, artificiais e
complicados. Comportamento obtuso, aparentemente moderno, da hora,
dos tempos do big brother e outros termos de uma gíria que não
pertence a quem já passou dos cinquenta como eu. Que cultura de
modernidade é esta? No auge da explosão dos recursos de informação:
internet, iphones, tablets etc., boa parte da população segue
desorientada, não se guia por informação alguma!
Será
que o gerente do Pão de Açúcar não sabe fazer cálculos? Claro
que sabe. Tanto sabe que os supermercados, que atuam com altas
escalas e podem trabalhar com margens menores, vendem os docinhos e
outras quinquilharias expostas próximo ao caixa por preços até
maiores dos encontrados nos ambulantes defronte às estações e
escolas. Contam com a compulsão das crianças, dos gulosos e dos
novidadeiros. Compulsão! Este é item a ser considerado no
estabelecimento dos preços. Aliás, quando trabalhei com jogos e
tive acesso às informações das loterias e casas de jogos dos EUA
aprendi que as estatísticas demonstravam que dez por cento da
população é compulsivamente jogadora.
As
pesquisas de consumo, aquelas que mostram os fortes consumidores e
usuários de produtos e serviços apontam no mesmo sentido. 80% da
cerveja é consumida por 19% e 5% tomam 50% dela toda. A questão
primordial não é o preço, embora conte, mas a percepção dos
compulsivos. Esta é a arte a ser dominada.
Parece contraditório e é
contraditório! Somos contraditórios. Se você partir do princípio
de que somos lúcidos e lógicos, pode se internar. A alta escala, a
que domina os grandes negócios e os grandes mercados, é um avanço,
é definitiva, alija de vez os pequenos fabricantes e fornecedores,
quer estejam no começo, no meio ou na ponta. Porte e tamanho fazem a
diferença. Você pode discordar de mim. Não importo, pois fazem de
fato a diferença, daí a concentração de capitais e renda. Por
conta disto, vivemos mais abastecidos e diversificados que antes,
podemos comprar e consumir mais. Neste processo, que não é nem
precisa ser justo, a massa ganhou poder aquisitivo, matou a fome e a
sede. E agora pode se dar ao luxo de ser compulsiva, pode soltar a
franga, deixar rolar as emoções engordar, se enfeitar, se endividar
e aparecer...
Acho que de todas as compulsões, esta
é a mais importante no momento: aparecer, ser notado. As grifes e as
embalagem, que distinguem os consumidores, e o clima e o ambiente
onde algo é consumido se tornaram mais importante que o próprio
consumo e os preços têm tudo a ver com isto. As praias, o carnaval
e os blocos da Vila Madalena provam a tese.
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