domingo, 16 de março de 2008

Uma idéia para o Brasil

Richard Jakubaszko

Um “case” que alterou comportamentos * 

O produtor rural é um conservador por necessidade, mas é um inovador por convicção. Da mesma forma que as populações pobres e carentes espalhadas pelo Brasil adentro. O grande problema dessas populações é que faltam recursos financeiros e conhecimentos. Com base nessa característica, em relação às experiências dessas pessoas, criou-se no Brasil, na década de 1960, o programa dos “Clubes 4 S”. Os quatro “S” significavam: saber para sentir, saúde para servir. Era o equivalente tupiniquim dos “Clubes 4 H”, implantados nos anos de 1920 e 1930 nos Estados Unidos, de tradução literal, ao menos na forma de atuar.

Os “Clubes 4 S”, entidades sem fins lucrativos, tinham como objetivo principal melhorar as condições socioeconômicas de populações rurais, ou melhor, não urbanas. Eram mantidos por intermédio e através de contribuições financeiras de empresas como a Sears Roebuck, IBM, Massey Ferguson, e, se não me engano, o International Basic Economic Corporation (IBEC), um braço dos investimentos do Chase Manhattan Bank (Fundação Rockfeller) para a América Latina, que na época tinha participação acionária na Agroceres, na Avisco Rações e Avicultura, no Banco Lar Brasileiro, entre outras empresas.
A visão era de médio e longo prazo e teve efeitos altamente positivos. As empresas mantenedoras, nos discursos de justificativas a seus acionistas, alegavam que estariam desenvolvendo e criando futuros novos consumidores para seus produtos e serviços, porque na situação de miserabilidade em que viviam algumas dessas populações não urbanas, elas nunca teriam condições de consumir nada. Mas os investimentos, em verdade, eram muito pequenos.
Os “Clubes 4 S”, em essência, desenvolviam um trabalho de extensão cultural. Levavam experiências e ensinamentos básicos a pequenos grupos em microrregiões carentes, a partir de necessidades previamente detectadas, fosse economia doméstica, higiene básica ou preventiva, cooperativismo, artesanato e, principalmente, produção agropecuária. Trabalhavam com estudantes e recém formados voluntários, que tinham, assim, a possibilidade de viajar e também de aplicar e colocar em prática seus conhecimentos acadêmicos e teóricos.
Na área rural atuavam os formandos em Agronomia, Veterinária e Zootecnia, que ensinavam aos jovens filhos de pequenos produtores rurais como produzir com maior nível de produtividade, e sempre na mesma atividade de seus pais. Os pais eram “convencidos” a ceder uma parte pequena de suas terras e, a partir da orientação recebida, os filhos usavam técnicas mais modernas de plantio ou criação, porém sem grandes sofisticações nem investimentos, já que os recursos eram escassos. Invariavelmente obtinham produtividade três a cinco vezes maior que aquela que seus pais conseguiam com técnicas antigas e obsoletas. Essa experiência funcionava como uma bomba-relógio de efeito retardado, mas de grande eficácia, afinal de contas o filho jovem, tabaréu e imberbe, inexperiente, dava mostras de inteligência, sapiência e competência. Com rima ou sem rima, num primeiro momento o pai ficava meio abobado ou estupefato, como se dizia antigamente.
Mas, ao se recobrar da zonzeira, entre curioso e orgulhoso, ele se chegava mais perto e queria saber como é que aquilo tinha sido possível, pois ele “tava na roça” havia mais de 15, 20 ou 25 anos e nunca tinha visto nada igual. Pronto, ele estava fisgado e maduro o suficiente para abolir velhos preconceitos e as antigas práticas culturais herdadas de seus pais e avós, que se vinham repetindo desde o final do século XIX ou desde o início do século XX.
Conseguia-se o mais difícil de tudo: velhos métodos caíam por terra, possibilitando-se a partir daí, com a melhoria da renda, a introdução de técnicas de produção mais modernas ainda e, simultaneamente, criando-se um novo consumidor em potencial para produtos e serviços urbanos. Aquele produtor, a partir daquele momento, começava a ter renda. Não sei não, mas o pessoal de antigamente – década de 1950 e 1960 – me parecia mais inteligente e mais capitalista do que hoje em dia.
O que importa saber, para quem não conhecia esse programa dos “Clubes 4 S”, é que dezenas de técnicas modernas foram introduzidas (ou tiveram grande reforço na divulgação) na agropecuária brasileira, e também na norte-americana, por intermédio dos valentes extensionistas. Entre outras grandes contribuições pode-se destacar a introdução e popularização do uso de herbicidas e das sementes de milho híbrido.
Houve um programa brasileiro semelhante aos “Clubes 4 S”, estabelecido pelo governo militar, nas décadas de 1960 e 1970, chamado de “Projeto Rondon”, que teria sido criado pelo Marechal Rondon, militar, desbravador e indigenista, e que levava para populações carentes, da Amazônia e do Centro Oeste brasileiro, alfabetização básica, informações sobre higiene, economia doméstica, saúde etc. Foi um programa que chegou a contar pontos para universitários, na medida em que médicos e odontologistas, entre outros profissionais, podiam substituir o período de residência pelas atividades no Projeto Rondon.
Em minha opinião, seria altamente inteligente e produtivo reeditarem-se programas dessa natureza nos anos dois mil aqui no Brasil, mesmo que substituindo os chamados períodos de residência para médicos, por exemplo, e deveria ser obrigatório a todo universitário que viesse a se formar em faculdade pública. Seria uma forma de o universitário ressarcir à sociedade os investimentos feitos nele. Alguém aí acha essa idéia exeqüível? Pois que a divulgue, e faça-a chegar até deputados, ministros, enfim, alguém que tenha condições de levar isso adiante. 

* Este é um capítulo adaptado e resumido do livro “Marketing rural: como se comunicar com o homem que fala com Deus”, 208 p., autoria de Richard Jakubaszko, e que está em sua 2ª edição (2007) pela Editora UFV, da Universidade Federal de Viçosa – MG www.livraria.ufv.br veja sinopse do livro na aba deste blog.

domingo, 2 de março de 2008

Cooperativismo ou associativismo?

Richard Jakubaszko
A pergunta é relevante e oportuna. Isto porque agricultores desunidos estão sempre em dificuldades. Vemos que os sojicultores intensificaram vendas antecipadas da maior parte da produção da safra 2007/08. Em Mato Grosso cerca de 60% da safra foi comprometida com esse tipo de negociação, enquanto em igual período de 2007 as vendas naquele estado representavam 40%, conforme pesquisas do Cepea. Lembramos que na safra anterior os preços eram normais, mas o produtor estava em crise, ainda por causa da defasagem cambial.
Considerando que nesta safra a soja atingiu os maiores preços da história, o sojicultor vendeu para pagar dívidas ou fazer caixa. Entretanto, já havia comprometido parte da colheita antecipadamente, antes de plantar, a valores bem abaixo dos atuais. Em média recebeu entre US$ 6 e US$ 8 o bushel, sendo que hoje o bushel vale US$ 14 na bolsa de Chicago. É o maior preço já registrado na história dessa commodity.
Muitos produtores perderam grandes chances de recuperar perdas anteriores. Na próxima safra muita gente vai antecipar menos vendas. Esta não é uma avaliação, é uma análise histórica do que ocorre, safra após safra.
O mercado para soja é altamente promissor até 2010, os estoques de passagem e as previsões de colheita para esta safra e a próxima safra americana não indicam alterações significativas. A demanda ainda supera a oferta. Vejam o artigo “O que será do agronegócio daqui a alguns anos”, escrito em 15 de agosto último, onde rascunhei a previsão de que tudo isso aconteceria.
Nesta safra o campo não teve prejuízo, mas existe um sentimento de que se poderia ter feito o dobro de dinheiro na mesma safra. O Centro-Oeste em especial tem um passivo gigantesco a quitar, e desde 2004 o produtor não conseguia negociar preços acima de R$ 30 a saca (60 quilos), valor alcançado em junho do ano passado. Hoje o mercado remunera R$ 40 a saca. Em 2005, esse limite estava em R$ 20 a saca.
Apesar de lamentar as perdas nos ganhos alguns produtores concordam com a estratégia de fixar preço no cedo, e garantem que continuarão com o mesmo comportamento. Não devemos chorar sobre o leite derramado, é verdade. Entretanto, como se poderiam corrigir essas distorções?
Simples: organizando-se e unindo-se os agricultores teriam condições de maior segurança para enfrentar o mercado consumidor. Se vende antecipado, se aumenta área de plantio ou reduz. O melhor caminho para isso são as associações de produtores. A soja tem a APROSOJA, com sede em Cuiabá-MT, e talvez pela localização da sede enfrenta resistência para conquistar novos associados em outros estados, principalmente do Sul e Centro-Sul. O milho tem a partir de 2007 a ABRAMILHO, com sede em Brasília, e seu presidente Odacir Klein promete dinamismo e trabalho para congregar os produtores. Todavia, falta “cultura” e tradição entre os produtores rurais brasileiros em se filiar a uma associação.
O curioso, conforme relatam alguns diretores de associações como a APROSOJA, é que os produtores gostam de participar das reuniões, principalmente se a mesma terminar num churrasco, mas são resistentes a pagar uma taxa anual, mesmo que proporcional à sua área de produção. Nem mesmo chegam a perguntar quais os propósitos e objetivos da associação, perguntam antes em quanto custará a filiação.
É importante informar que uma associação abriga especialistas e estes trabalham com dedicação integral. Estarão atentos a tudo o que acontece no mercado internacional, em termos econômicos, sociais e políticos. Com isso podem recomendar, ou não, a venda antecipada, a redução ou aumento da área plantada, e evitar prejuízos ou perdas de lucros como observamos na presente safra. Adicionalmente as associações podem também detectar tendências no mercado consumidor, enfim, nas entressafras planejariam novos usos e conquista de novos mercados. Para isso deve haver dinheiro, investimento do próprio produtor, uma pequena parte de cada um, para que a associação possa investir, de forma organizada e planejada, e beneficiar o próprio produtor, independentemente da região onde planta.
Há uma série de outros aspectos na questão entre cooperativismo ou associativismo. Por exemplo, já não há dúvidas de que o futuro nos obrigará a estabelecer novos paradigmas para a necessária produção de alimentos. Ao mesmo tempo em que as ciências agrárias desenvolvem tecnologias inovadoras para o aumento da produtividade os consumidores exigem a “sustentabilidade” do meio ambiente, os europeus com maior ênfase. As discussões que assistimos pela mídia, sobre as barreiras alfandegárias impostas às nossas exportações de carne bovina, em breve devem atingir grãos, frutas e até mesmo os biocombustíveis. Esses consumidores exigem a “sustentabilidade”, com visão e ótica urbana, é verdade, mas temos de reconhecer que muitos agricultores e pecuaristas brasileiros têm negligenciado as terras de lavoura, devido ao fator abundância. Há que se preservar o nosso maior valor, além da fartura de água e energia solar: o solo fértil desta terra pátria-mãe Brasil.
E quem faz isso? Quem defenderia o produtor rural nos entreveros que irão ocorrer no futuro breve? As cooperativas?
Se o produtor ficar na espera da cooperativa nada obterá, até porque essas não são funções de cooperativas, e elas são centenas, espalhadas Brasil adentro. Do governo menos ainda. As soluções devem sair de dentro dos seus principais interessados, os agricultores. Caso contrário, ano a ano, safra após safra, assistiremos sempre as notícias de perdas dos agricultores, seja pelo mercado, seja pelo clima, seja pela vontade dos compradores.
Este é um hábito e uma mania que o agricultor brasileiro deve repensar, pois a união faz a força. Sozinho o agricultor pode, no máximo, aumentar a produtividade, mas os ganhos obtidos com os investimentos em tecnologia vão parar nas mãos dos consumidores, porque não há união entre os interessados. É assim que vemos o custo da cesta básica para os consumidores urbanos, cada vez mais baixos.
Não é bom parar e pensar nesse assunto?