sábado, 14 de fevereiro de 2009

Língua lambida

Roberto Barreto, de Catende
_
Urupês, o livro de contos de Monteiro Lobato, chacoalhou um monte de coisas no Brasil. Criou expressões que entrariam em definitivo nos dicionários e no falar cotidiano – quem não sabe o que significa Jeca? -, balançou o coreto da indústria editorial brasileira, com a criação da Companhia Editora Nacional, e bateu de frente no trem da reforma ortográfica da época. Como estamos de caneta e teclado em punho nos esbatendo contra a reforma ortográfica atual, divirtamo-nos com o mestre que classificava como involução o acento grave, o trema e a acentuação de um monte de palavras, coisas que mereciam "pau, pau e mais pau".
_
Comparava o português e o francês, ricas em acentos, com a língua inglesa, esta despida desses penduricalhos que a transformariam em aparatos de derrota contra outros povos. Diz nosso Lobato que, enquanto os ingleses empolgavam o mundo, os franceses, como vítimas, estavam preocupados em colocar acentos em palavras. O pai de Narizinho considerava a obrigatoriedade dos acentos uma lei idiota, mais além, morta, assinada por paspalhões com canetas impotentes. Trema, acento grave e o pronome outro, com circunflexo, eram, para ele, imbecilidades puras, marcas do "carneirismo, do servilismo a tudo quanto cheira a oficial". Na fazenda Buquira, herdada do avô, escreveu Jeca Tatu, símbolo nacional.
Urupês surgiu quando a primeira grande Guerra estrebuchava. Noventa e um anos depois, uma nova reforma ortográfica dá razão a Monteiro Lobato, pelo menos no tocante ao trema, espécie de reticência mutilada que, agora, cai, mas pairava como cataporas extraterrestres sobre a letra u no português do Brasil, conquanto abolida do de Portugal desde 1º de janeiro de 1946.
_
Lobato afirmava não ser "mé" e não admitia acentos em coisa alguma do que escrevia, além de não ler nada que os trouxesse. Diante da atual batalha no campo da grafia, sinto falta do nosso sansão de Taubaté, que com certeza continuaria combatendo a crase e os hífens e diacríticos com a esperteza de um Matimpererê ou Matintaperera, ou seja, de um Saci, guardião das nossas florestas, que dispensa uma das pernas para pular e fazer suas diabruras, azedando o leite, quebrando pontas de agulhas, botando moscas na sopa, queimando o feijão no fogo e gorando os ovos das ninhadas.
_
Cá, nos trópicos, há quem defenda o chapéu em virtude dos perigos da insolação, sem a camada de ozônio, sobre frágeis vogais. Respeite-se, porque, lingüisticamente – ainda com o trema que o sistema de Bill Gates continua defendendo –, não vejo como ir de encontro a argumento tão sério.
_
Quanto a suprimir certas consoantes, não vejo problema, afinal, coisas como acção, óptimo, exacto e similares representam um desperdício inaceitável de prolação, tinta, tempo e espaço. Há aqueles que acham que seu vôo, com circunflexo, vai mais longe, ótimo, terão até 2012 para brincar com o mesmo como pipa. Se você considera que sua idéia se enfraquece, sem acento agudo, lixe-se para os reformistas. Qual a sua opinião sobre a idéia de que o hífen desaparece quando se perde a noção da composição de outras duas palavras? Girassol, por exemplo, fica mais formosa com ou sem? E se desaparece o traço de tira-teima? Finalmente, você acredita numa Academia Brasileira de Letras que tem, entre seus membros, José Sarney, com seus "baldes de juçaras e de sofrimentos?"
_
( (Comentário do blogueiro: concordo com Roberto Barreto, de Catende, e dou fé, mas lamento informar aos lingüistas que sou um pouquinho mais radical. Acho, na verdade, que além de suprimir todos os acentos da língua portuguesa, deveríamos suprimir as letras com sons iguais, ou seja, eliminar o Ç ou o SS, optar pelo J ou pelo G, o S com som de Z. Mas isso vai ficar para a próxima reforma, lá pelo fim do Século XXI, não tenhamos dúvidas.)
_

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por participar, aguarde publicação de seu comentário.
Não publico ofensas pessoais e termos pejorativos. Não publico comentários de anônimos.
Registre seu nome na mensagem. Depois de digitar seu comentário clique na flechinha da janela "Comentar como", no "Selecionar perfil' e escolha "nome/URL"; na janela que vai abrir digite seu nome.
Se vc possui blog digite o endereço (link) completo na linha do URL, caso contrário deixe em branco.
Depois, clique em "publicar".
Se tiver gmail escolha "Google", pois o Google vai pedir a sua senha e autenticar o envio.