(publicado no jornal O Estado de São Paulo, nesta data)
Passada a ressaca do carnaval, terminam pra valer as férias. Milhões de brasileiros se deliciaram com as belezas do litoral. A areia da praia se acalmará. O mar, tristemente, estará mais poluído.
Embalagens, sacos plásticos, garrafas, fraldas descartáveis, camisinhas, tudo quanto é porcaria da civilização tende, desgraçadamente, a rumar para o oceano. Os dejetos chegam nadando nas águas da chuva e dos rios, eles próprios quase sempre enegrecidos e mal cheirosos. Basta conferir algumas capitais brasileiras situadas na orla.
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Quem viajou ao Nordeste ultimamente pode testemunhar a tragédia crescente da poluição marítima. Em Maceió, por exemplo, a bela praia de Jatiúca sofre com a feia agressão ambiental. Turistas, muitos deles estrangeiros, se arrependem de deixar as piscinas do hotel para caminhar na areia salgada. Seus passos trombam com pedaços de boneca, tubos de pasta de dente, potes de macarrão barato e, sempre, muitos materiais plásticos, de todas as cores, formatos, texturas, tamanhos, finalidades. Uma barbaridade.
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Como se não bastasse o lixo, algas escuras se prendem nos detritos sobre a praia, formando um esquisito encaracolado que se enrosca no pé do cidadão ao caminhar. Ou no pescoço do fulano, caso ele se arrisque a dar um pulo nas ondas do mar. Dá até dó dos teimosos pescadores, que não se cansam de limpar suas redes e anzóis dessa gosma mal cheirosa que turva a natureza.
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Eutrofização. Assim os cientistas denominam tal fenômeno. Potássio, fósforo, nitrogênio, enxofre: os elementos químicos presentes em detergentes, restos de alimentos, óleo de cozinha, na urina e nas fezes humanas, nos fertilizantes agrícolas, formam um caldo de cultura favorável ao crescimento dos organismos aquáticos. A poluição, guardado limites, serve como adubo para as algas marinhas.
Os oceanos, em todo o mundo, se emporcalham de sujeira e se contaminam com a poluição. Afora os desastres com navios petroleiros - 4,5 milhões de toneladas de petróleo vazam por ano alhures – verdadeiras “zonas mortas” estão se constituindo distantes da costa, acumulando detritos. Elas se formam devido ao movimento circular das correntes marinhas. Parte do lixo se deposita no fundo do mar. O restante flutua ao sabor dos giros oceânicos.
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As primeiras "zonas mortas" foram descobertas na década de 1970, na costa Leste dos EUA e nos fiordes escandinavos. Hoje já se contam cerca 200 dessas áreas hipóxicas, quer dizer, com reduzido oxigênio, tenebrosamente espalhadas por todos os continentes. A proliferação exagerada de algas nesses sujos locais consome o oxigênio e ameaça o equilíbrio dos ecossistemas marinhos.
A poluição dos oceanos recebeu destaque recente na mídia, devido à grande mancha de lixo formada no Pacífico, a dois mil quilômetros do litoral do Havaí, no sentido da Califórnia. Trata-se do maior depósito marinho de entulhos que se conhece. Estima-se que o volume de garrafas, plásticos, redes de pesca, roupas, entre outros, alcance 3 milhões de toneladas nessa grande mancha. Algo como 500 mil caminhões carregados de lixo boiando na água. Horror da civilização.
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Mar Morto. Ensina-se desde a escola fundamental que os peixes não sobrevivem naquele estranho mar do Oriente Médio. Alimentado pelas águas do bíblico rio Jordão, a elevada salinidade - dez vezes superior ao nível normal dos oceanos - impede ali a vida. Sua agonia aumenta, já que nos últimos 50 anos consta ter ele perdido um terço de sua superfície, secando sua maré. Um desastre ecológico irreversível no berço do cristianismo.
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As “zonas mortas” dos oceanos, porém, podem ser combatidas e evitadas. Basta estancar a sujeira que nele se deposita. A começar pela limpeza das praias. O serviço de limpeza urbana das cidades litorâneas do Brasil deixa a desejar. Não é caro, nem difícil manter limpas as praias. Trata-se de querer fazer, priorizar. Mas a administração pública apenas agora começa a prestar a devida atenção na agenda ambiental. E a maioria da população, ainda sofrida com as durezas do cotidiano, mal conhece a crise ecológica. Falta, assim, decisão política a favor da preservação da natureza.
O poder público municipal, a quem cabe a tarefa da limpeza urbana e do tratamento dos esgotos domésticos, costuma empurrar com a barriga a solução dos antigos problemas ambientais. As notícias, todavia, como essas da morte dos mares, tornam-se assustadoras. Já não bastavam os vergonhosos lixões a céu aberto do interior, agora são os oceanos que se entopem dessa fétida mistura de lixo e alga. Vida e morte.
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O pessoal da cidade grande, com certo preconceito, julga os agricultores caipiras. Pode ser uma vantagem. Lá na fazenda, porém, o contato direto com a natureza permite uma tomada de consciência mais rápida sobre o drama ecológico que afeta o mundo. E nessa matéria do lixo, o campo tem uma lição a ensinar.
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Também na roça se acumulavam montanhas de embalagens, só que de agrotóxicos. Ninguém sabia o que fazer com tais perigosos vasilhames, frascos e galões, de vidro ou com duros plásticos, coloridos conforme o marketing das empresas que vendem todo tipo de veneno agrícola. Há cerca de 15 anos, todavia, com a concordância de todo o setor agrícola, surgiu a solução.
Hoje o Brasil é líder mundial (acima de 90%) no recolhimento de embalagens vazias de agrotóxicos. A lei estabelece: quem vende se obriga a receber de volta o resíduo gerado. As empresas e as cooperativas organizaram esquemas com logística adequada. Os agricultores foram conscientizados. Demorou um pouco, mas funcionou uma maravilha.
Dá vontade de convidar uns caipiras para ajudar a salvar da agonia os oceanos.
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* Xico Graziano é Engenheiro Agrônomo, secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, e editor da AgroBrasil.
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