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Uma harmonização necessária
Rogério Arioli Silva *
Notícias sobre a presença de carne equina em pratos e hambúrgueres distribuídos em vários países da Europa causaram verdadeiro alvoroço em consumidores de todo o mundo, levando inúmeras empresas a suspenderem os fornecedores suspeitos desta prática. Foi justamente na Região da Bolonha, centro norte da Itália, famosa pela sua gastronomia e local de onde, no passado, partiram centenas de imigrantes que aportaram no Brasil que o problema tomou contornos dramáticos. Por ser o berço do famoso molho à bolonhesa a descoberta desta bárbara contravenção culinária naquele local foi motivo suficiente para indignação e revolta.
O consumo da carne equina é tão antigo quanto qualquer outra carne de animais criados pelo homem. Conta a história que Don Alvar Nuñez Cabeza de Vaca, celebrado conquistador espanhol, foi obrigado a alimentar-se de seus cavalos para não perecer de fome quando aportou na América do Norte nos idos de 1528. Embora no passado o consumo da carne equina fosse condenado pela Igreja Católica por identificar-se com as festas pagãs, nos dias de hoje o mesmo é relativamente comum. O fato é que poucos sabem disso, e aí reside o imenso impacto causado pela notícia divulgada com o devido estardalhaço na imprensa internacional.
A realidade é que a carne equina custa muito menos do que as outras e suas características organolépticas são pouco diferentes das carnes bovinas tradicionais, contendo (segundo os entendidos) sabor levemente mais adocicado e maior teor de água na sua composição. Este custo menor já levou inclusive a boa parcela dos japoneses substituírem a dispendiosa carne de atum pela de cavalo em seus tradicionais sashimis. Outra vantagem dos equídeos é que, ao contrário dos bovinos, sua carne não se torna mais dura à medida que envelhecem.
O Brasil é um grande exportador de carne equina superando as 15 mil toneladas ao ano. Grande parte desta carne vai para países europeus como França, Bélgica e Itália, onde é utilizada na fabricação de embutidos como salames, salsichas e mortadelas. A legislação brasileira do Ministério da Agricultura descreve os produtos usados para fabricação de mortadelas e salsichas como: produtos cárneos obtidos de animais de açougue até o limite de 60% de miúdos comestíveis. Portanto, não havendo nenhuma proibição, somos todos consumidores contumazes da carne de cavalos. Nenhum problema então, apenas o fato de ficar-se sabendo, o que talvez tenha contrariado os consumidores europeus.
Muitos gaúchos levantaram-se contra a indiscriminada matança de cavalos no Rio Grande sendo inclusive tema de música do saudoso cantor nativista Leonardo que no seu belo apelo sonoro clamou: “Solte o cavalo no campo pra morrer como nasceu”. Como recompensa a todo trabalho prestado pelos equinos na conquista e desenvolvimento do Sul do Brasil é certamente mais honroso morrer no campo aberto do que no corredor do frigorífico.
Voltando à Europa, o Ministro Alemão Dirk Niebel sugeriu distribuir as lasanhas à bolonhesa contaminadas aos pobres, com o argumento de que 800 milhões de pessoas são vitimadas pela inanição no mundo. Há muito tempo atrás, outro alemão, o chanceler Otto Von Bismark (1815-1898) alertou que assim como as salsichas é melhor que não se saiba como as leis são feitas. Sábia recomendação, pelo bem do paladar e da convivência democrática. De qualquer modo muitas coisas não seriam apreciáveis ao paladar se sua origem fosse divulgada, como foi o caso das lasanhas e de certas ações patrocinadas pelos poderes legislativos.
Enquanto a polêmica continua e espalha-se por quase todo o mundo, o consumo da carne equina não deveria sofrer a discriminação à qual tem sido exposto. Não há mácula para a gastronomia italiana consumir equídeos no molho à bolonhesa. É certo que ao consumidor deve ser conferida a prerrogativa de saber o que está consumindo. Sem esta básica informação fica difícil inclusive de harmonizar o vinho com a refeição. Até porque certamente a carne de cavalo, por ser mais adocicada, exigirá os menos tânicos que suavizarão melhor o paladar.
* O autor é Engº Agrº e Produtor Rural no MT
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