Tubarão, foto National Geographic, por Thomas P. Peschak. |
Após 12 anos de intermináveis reuniões, os 160 países-membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) fecharam sábado, na Ilha de Bali (Indonésia), o acordo que permite a continuidade das negociações da Rodada Doha. O seu principal mérito é manter a OMC em pé, depois de várias tentativas fracassadas e desacertos de governança. Com quase 70 anos de idade, o sistema multilateral de comércio há 20 anos não moderniza as suas regras.
Está cada vez mais claro que a OMC não produzirá aberturas comerciais efetivas, tamanha é a criatividade dos diplomatas em negociar fórmulas tarifárias obtusas, cotas restritivas, salvaguardas, tratamentos diferenciados e toda sorte de exceções envolvendo países e produtos sensíveis. Basta verificar que o documento de Bali não menciona reduções tarifárias, seja em produtos agrícolas ou industriais. O principal avanço foi o capítulo sobre "facilitação de comércio", que visa basicamente a reduzir custos de transação nas fronteiras. Trata-se do único item a ser comemorado pelos exportadores, ao trazer regras que vão diminuir burocracias e atrasos nas alfândegas, principalmente nos países em desenvolvimento.
Avançamos um pouco na questão da administração das cotas de importação de produtos agrícolas por países desenvolvidos. Porém, se olharmos o ambicioso mandato de Doha em 2001, concluiremos que na agricultura não avançamos quase nada. Em subsídios à exportação, houve um retrocesso em relação à ministerial de Hong Kong, quando chegamos bem perto da sua virtual eliminação. Bali quase fracassou por causa de uma nova exceção que a Índia teimou em abrir para construir grandes estoques de commodities agrícolas fora das disciplinas da OMC.
Basicamente, o governo indiano quer comprar produtos a preços altos de seus pequenos produtores e revendê-los a preços baixos a consumidores. Intervenções dessa natureza - em que o governo destrói o mercado com políticas de estoques e preços administrados - jamais funcionaram no mundo, como prova a própria experiência da agricultura brasileira antes dos anos 1990.
Tecnologia, produtividade, assistência técnica e integração nas cadeias produtivas são a única solução de longo prazo para pequenos agricultores. Preços artificialmente altos e estoques manipulados apenas adiam o ajuste necessário, que, em muitos casos, termina sob a forma de subsídios à exportação, um total contrassenso que a Índia já praticou várias vezes e que agora parece não ter fim. É curioso como os grandes emergentes estão hoje copiando as piores práticas dos países ricos - subsídios agrícolas caros, de eficiência duvidosa e que distorcem fortemente o comércio mundial.
Ainda que tímido, o pequeno avanço obtido em Bali precisa ser comemorado por dois motivos. Primeiro, porque a entidade conta com o único tribunal multilateral em que é possível solucionar controvérsias comerciais. Se as regras não se modernizam, o tribunal perde eficácia. Segundo, porque a OMC é o único foro em que é factível negociar soluções para os temas sistêmicos do comércio, como, por exemplo, a redução de subsídios. Tarifas podem ser reduzidas dentro de um bloco menor de países, impactando os que estão fora, que não terão esse benefício. Subsídios governamentais, se reduzidos, beneficiam todos os países, independentemente de estarem ou não no bloco. Por isso os países só querem negociá-los se todos os que interessam estiverem na mesa, no caso, a OMC. Ou seja, se é difícil resolver temas sistêmicos na OMC, fora dela é praticamente impossível.
Mas o que mais me chamou a atenção em Bali foram o entusiasmo e a pressa de parte dos representantes de governos e setor privado e dos especialistas em comércio em voar para Cingapura, onde começava mais uma reunião da Parceria Trans-Pacífico (TPP, em inglês). Capitaneada por EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, a TPP reúne players da América Latina (México, Peru e Chile) e da Ásia (Malásia, Cingapura, Vietnã e, mais recentemente, o Japão). O acordo pretende reduzir a zero 90% das tarifas de todos os bens comercializados entre esses países até 2015 e o restante até o final da década. Prevê, ainda, a integração das áreas de serviços, proteção a investimentos, compras governamentais, comércio eletrônico, propriedade intelectual, concorrência e meio ambiente. A TPP propõe uma nova arquitetura de comércio que reforça a integração dos países em cadeias globais de suprimento e valor, sem tratamentos diferenciados. Não é por outra razão que em Bali já se falava abertamente da integração de Coreia do Sul, Tailândia e Filipinas à TPP. Até a China já manifestou interesse em conversar.
Outro grande impacto é que a TPP quer avançar na chamada "convergência regulatória", ou seja, a harmonização de todas as leis e regulamentos dos países-membros. No caso do agronegócio, a combinação de convergência regulatória com reduções tarifárias vai provocar forte desvio do fluxo de exportações e investimentos vindos do Brasil e da Argentina para a região Ásia-Pacífico, em favor de EUA, Canadá e Austrália como origem, para dizer o mínimo.
Enfim, graças à imensa habilidade do diretor-geral embaixador Roberto Azevêdo, podemos comemorar que a OMC continuará viva e operando. Ele conseguiu colocar os negociadores na mesma página e trazer a entidade de volta aos trilhos. O problema é que o trem da OMC é obsoleto e avança muito devagar. Enquanto isso, trens menos pesados e bem mais modernos estão circulando com rapidez e vontade. Dez anos atrás o Brasil estava na locomotiva de dois trens – a Alca e a União Europeia-Mercosul -, mas o primeiro quebrou e o segundo descarrilou. Neste momento, pelo menos dois trens de alta velocidade estão passando ao nosso lado, o Trans-Pacífico e o Transatlântico. Muitos ficarão dizendo que trens não saem sem o Brasil, trens não cruzam oceanos e outras bobagens. Recomendo ao menos conferir.
* Diretor Global de Assuntos Corporativos da BRF.
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Ainda que tímido, o pequeno avanço obtido em Bali precisa ser comemorado por dois motivos. Primeiro, porque a entidade conta com o único tribunal multilateral em que é possível solucionar controvérsias comerciais. Se as regras não se modernizam, o tribunal perde eficácia. Segundo, porque a OMC é o único foro em que é factível negociar soluções para os temas sistêmicos do comércio, como, por exemplo, a redução de subsídios. Tarifas podem ser reduzidas dentro de um bloco menor de países, impactando os que estão fora, que não terão esse benefício. Subsídios governamentais, se reduzidos, beneficiam todos os países, independentemente de estarem ou não no bloco. Por isso os países só querem negociá-los se todos os que interessam estiverem na mesa, no caso, a OMC. Ou seja, se é difícil resolver temas sistêmicos na OMC, fora dela é praticamente impossível.
Mas o que mais me chamou a atenção em Bali foram o entusiasmo e a pressa de parte dos representantes de governos e setor privado e dos especialistas em comércio em voar para Cingapura, onde começava mais uma reunião da Parceria Trans-Pacífico (TPP, em inglês). Capitaneada por EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, a TPP reúne players da América Latina (México, Peru e Chile) e da Ásia (Malásia, Cingapura, Vietnã e, mais recentemente, o Japão). O acordo pretende reduzir a zero 90% das tarifas de todos os bens comercializados entre esses países até 2015 e o restante até o final da década. Prevê, ainda, a integração das áreas de serviços, proteção a investimentos, compras governamentais, comércio eletrônico, propriedade intelectual, concorrência e meio ambiente. A TPP propõe uma nova arquitetura de comércio que reforça a integração dos países em cadeias globais de suprimento e valor, sem tratamentos diferenciados. Não é por outra razão que em Bali já se falava abertamente da integração de Coreia do Sul, Tailândia e Filipinas à TPP. Até a China já manifestou interesse em conversar.
Outro grande impacto é que a TPP quer avançar na chamada "convergência regulatória", ou seja, a harmonização de todas as leis e regulamentos dos países-membros. No caso do agronegócio, a combinação de convergência regulatória com reduções tarifárias vai provocar forte desvio do fluxo de exportações e investimentos vindos do Brasil e da Argentina para a região Ásia-Pacífico, em favor de EUA, Canadá e Austrália como origem, para dizer o mínimo.
Enfim, graças à imensa habilidade do diretor-geral embaixador Roberto Azevêdo, podemos comemorar que a OMC continuará viva e operando. Ele conseguiu colocar os negociadores na mesma página e trazer a entidade de volta aos trilhos. O problema é que o trem da OMC é obsoleto e avança muito devagar. Enquanto isso, trens menos pesados e bem mais modernos estão circulando com rapidez e vontade. Dez anos atrás o Brasil estava na locomotiva de dois trens – a Alca e a União Europeia-Mercosul -, mas o primeiro quebrou e o segundo descarrilou. Neste momento, pelo menos dois trens de alta velocidade estão passando ao nosso lado, o Trans-Pacífico e o Transatlântico. Muitos ficarão dizendo que trens não saem sem o Brasil, trens não cruzam oceanos e outras bobagens. Recomendo ao menos conferir.
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