sábado, 31 de janeiro de 2015

Ternura

Daniel Strutenskey Macedo

Casa feita de tijolos, uma fiada só, assentada pelo pai com barro do próprio local. O reboco foi feito com areia de um córrego próximo, sem lavar, amarela, misturada à cal virgem. A casa ainda vai crescer, mas por enquanto tem só três cômodos: um pra mãe e o pai, outro para nós três.

As paredes foram todas caiadas e agora, nesta noite, repousam iluminadas por tênues chamas de lamparinas que descansam no chão de cimento frio, longe dos móveis. Elas formam sombras bizarras, pois dançam à menor brisa.

No cômodo maior, o terceiro, que serve de cozinha e sala, a projeção de luz é mais forte: é a de um lampião que corta o breu das noites sem lua e permite que a gente reconheça as panelas e as peças de louças pelas suas sombras e brilhos.


No local onde o lampião está fixado, a parede ficou preta com a fumaça, mas não importa, é bom, pois com ele dá para ver as feições e o riso das pessoas. Depois do jantar, o colo da mãe é meu, pois sou o caçula. Estamos à espera do sono torcendo para ele não vir e a noite de aconchegos não terminar. Como é bom contar os causos da lida, ouvir e fazer promessas boas, criar expectativas, inventar histórias de fadas, sentir expressões de carinho.

Na cama, um colchão de algodão nos espera, já está modelado pelo uso. A gente se encaixa direitinho nele. O pijama de listras está curto, pois crescemos alguns centímetros. A mãe olha para o relógio e leva a gente pra cama, dá um beijo na bochecha de cada um e nos diz pertinho do ouvido: Deus lhe abençoe, meu filho; Deus lhe abençoe, minha filha.

Lá fora, os latidos dos cães chegam através da veneziana.

As canções dos grilos e rãs vêm da várzea, distantes, em coro.

A gente fantasia e dorme.

São lembranças que duram pra sempre, que moram na alma de um avô que um dia foi menino.
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Um comentário:

  1. De um neto com saudades31 de janeiro de 2015 às 15:06

    Querido vovô, você é um abraço cheio de um amor sem cobranças.
    É um menino de um tempo antigo que vem pra brincar comigo.
    Você é uma viagem encantada em uma máquina do tempo feita de memória.
    É uma benção em forma de sorriso.
    Um carinho em forma de olhar.

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