Wanderley Guilherme
A novidade política da Lava Jato é a revelação de que o
Partido dos Trabalhadores cedeu à tentação de patrocinar e se beneficiar das
relações espúrias entre interesses de grupos privados e iniciativas públicas.
Faz parte da história intestina de todas as sociedades acumulativas o víruS da
predação, do suborno, do saque, da extorsão e da violência em busca de
vantagens além dos méritos competitivos.
O Império inglês foi assim construído,
incluindo associações clandestinas com piratas e corsários, no século XVIII, e
escândalos internos sem fim desde o XIX; a riqueza das cidades hanseáticas e
italianas que financiaram os jardins artísticos do Renascimento, seus pintores,
arquitetos e escultores, essa riqueza foi obtida mediante fraude e corrupção de
bandidos inescrupulosos e violentos, organizados em poderosas companhias de
negócios. A grande arte flamenga e espanhola é rebento da generosa dissipação
de recursos de ladrões e assassinos em versão marqueteira de mecenas. O
extraordinário progresso material norte-americano a partir de meados do XIX
colocou na galeria cívica do país os “robber barons”, sabidos e consabidos
corruptos, genocidas, paradigmas das administrações libertinas e extorsivas das
grandes cidades contemporâneas como Chicago, Nova York, Los Angeles ou Kansas
City, sempre com a cobertura midiática de campanhas moralizadoras. As fraudes
eleitorais são discutidas tão abertamente quanto o financiamento de campanha e
não é segredo que a vitória democrata de John Kennedy contra Richard Nixon nada
teve de católica (acobertada pela patranha midiática de que Nixon perdeu por
causa do último debate na televisão), com os Republicanos dando troco na
roubalheira da Flórida que deu a vitória a Bush Junior sobre Al Gore. Tudo
supervisionado pelas autoridades eleitorais. Ninguém chia, trata-se de assunto
exclusivo entre eles: dos roubos econômicos aos roubos eleitorais. O vírus está
lá, agora protegido nos portfólios do sistema financeiro mundial.
A história recente do Brasil não fica a dever. A começar
pelas obras marcantes da ditadura, de onde brotaram progresso material,
liquidação física dos opositores e mágicos milionários, de sucesso
inexplicável. Da tolerância democrática de José Sarney restou a criminosa
entrega da propriedade pública das comunicações a um prático monopólio de
golpistas centenários, corruptor de jornalistas, escritores, artistas,
políticos. O monopólio das comunicações é atualmente o único poder
irresponsável no País, exercido com brutalidade e a ele se curvam os demais,
inclusive o poder judiciário. Fonte de corrupção permanente, manteve como
assunto inter pares os escândalos financeiros do governo Fernando Henrique
Cardoso, as trapaças das privatizações e a meteórica transformação de bancários
em banqueiros, tendo o BNDES como rampa de lançamento. Assim como guarda no
porão do noticiário a ser mobilizado, caso necessário, os rastilhos da política
tucana em Minas Gerais e em São Paulo. Todos, juízes, ministros, políticos,
procuradores, cantores, atrizes, narradores de futebol, são todos terceirizados
do Sistema Globo de Comunicação.
Neste país, por surpreendentes acasos, todas as
investigações envolvendo os companheiros da boa mesa, pecaram por vícios de
origem e devidamente esquecidas. Menos a Lava Jato, que segue aparentemente de
acordo com as rigorosas regras judiciais, de que dá testemunho o Ministro Teori
Zavaski. Qual é a novidade?
A novidade não é o roubo nem as relações ilegítimas entre
agentes privados e públicos. Todos os consultores, projetistas, jornalistas,
escritórios de advocacia econômica, todos que fingem ultraje ao pudor sempre
foram não só cientes como, no todo ou em parte, beneficiados pelo sistema
virótico da sociedade acumulativa brasileira. Enriqueceram e vivem como
parasitas do sistema nacional de corrupção. A novidade é que o Partido dos
Trabalhadores entrou como sócio, apresentando como cacife os milhões de votos
daqueles que nunca foram objeto de atenção. Candidatou-se ao suicídio.
A caça ao intruso foi imediata. A cada política em benefício
dos miseráveis, mais se acentuava a perseguição ao novo jogador, insistindo em
reclamar parte do botim tradicional da economia brasileira. A penetração do PT
na associação das elites predadoras era encoberta pelo compromisso real de
muitos de seus quadros com o destino dos carentes. E assim como os grandes
capitães de indústria, pelo mundo a fora, os nossos também cobraram uma
exploração extra, uma vantagem desmerecida, uma nova conta na Suíça em troca
dos empregos criados, da produção aumentada, do salário menos vil. Mas assim
também como os operadores tradicionais, os petistas se entregaram à sedução da
sociedade acumulativa: o roubo com perspectiva de impunidade.
A Lava Jato revelou a tragédia da vitória do capitalismo
sobre a liderança dos trabalhadores. Os grandes empresários e as grandes
empresas, ao fim e ao cabo, vão se safar, com os acordos de leniência e as
delações premiadas, reservas que fazem parte de suas mochilas de sobrevivência.
Serão nossos “robber barons” do futuro. Não assim a destroçada elite petista, à
qual não resta senão acrescentar o opróbrio da traição à vergonha da confissão.
A vítima ensanguentada dessa caçada é o eleitorado petista.
Muito além dos militantes, todos aqueles que saudaram e apoiaram a trajetória
de crescimento de um partido que, claramente, era o deles. Os que suportaram os
preconceitos, que resistiram às pressões e difamações e que viam nas políticas
sociais o cumprimento de promessas nunca realizadas. Esses estão hoje expostos
à brutalidade dos reacionários e fascistas, ao escárnio, aos xingamentos e
ofensas. O eleitorado petista não é criminoso, criminosos são os fascistas que
os perseguem nas ruas, nos lugares públicos, sem que as autoridades
responsáveis tenham a decência de garantir-lhes a inocência.
Presidente Dilma Rousseff: é de sua responsabilidade e de
seu Ministro da Justiça sair desse palácio de burocratas e meliantes suspeitos
e garantir, e fazer governadores e prefeitos garantirem, por atos enérgicos, a
integridade física e moral dos milhões de brasileiros inocentes que acreditaram
na sinceridade dos membros do seu Partido. Os ladrões estão no seu Partido, não
entre os eleitores que a elegeram.
Publicado no blog Segunda Opinião: http://insightnet.com.br/segundaopiniao/?p=138#more-138
7 de agosto de 2015
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