Maurício Antônio Lopes *
O Brasil convive com extremos de produtividade em dois setores importantes – a agricultura e a indústria de transformação. De acordo com avaliação de José Alexandre Scheinkman, professor de Economia na Universidade de Princeton, nos EUA, mesmo com carência de infraestrutura e um arcabouço legal inadequado, a agricultura brasileira cresceu mais rápido que suas concorrentes globais, em função de ousados investimentos em P&D, de ganhos de escala e da exposição a um mercado internacional competitivo. Experiência que não se registra na trajetória de muitos outros setores industriais brasileiros, que pouco se integraram à economia mundial.
A agricultura, ao contrário da indústria, se beneficiou de políticas públicas que estimularam a pesquisa e a inovação tecnológica, sem proteger os ineficientes. A análise é de Marcos Lisboa, diretor-presidente do Insper, uma das principais escolas de administração de empresas e economia do país. Ele conclui que, na agricultura, os incentivos foram horizontais, não poupando as empresas de baixo desempenho, que, sem competitividade, abandonaram a atividade. Assim, a combinação virtuosa de avanço tecnológico, empreendedorismo dos agricultores brasileiros e performance ditada pelas forças de mercado modelou no Brasil uma agricultura dinâmica e mais afeita à competição internacional.
A lição essencial do desenvolvimento da agricultura brasileira é que não é preciso resolver todos os problemas de uma vez para se obter progresso. O investimento persistente em um sistema de pesquisa e inovação agrícola, de concepção moderna e audaz, foi capaz de provocar profundas mudanças no Brasil em tempo recorde. Apesar dos passivos em infraestrutura e logística e do arcabouço legal e normativo de alcance ainda limitado, o Brasil foi capaz de desenvolver, em apenas quarenta anos, um modelo de agricultura baseado em ciência e empreendedorismo, que lhe garantiu a segurança alimentar e o projetou globalmente como importante exportador de produtos agropecuários e florestais.
O amplo retorno desse investimento público, que está na base da trajetória de sucesso da agricultura brasileira, desbanca o mito de que só o setor privado pode ser eficiente em termos de inovação e empreendedorismo. Mariana Mazzucato, em sua obra O Estado Empreendedor, mostra que investimento público, aplicado de forma inteligente e duradoura, é pré-requisito fundamental para a inovação na sociedade: o setor privado estará mais propenso a investir depois que o Estado empreendedor tiver feito os investimentos mais ousados e de maiores riscos. Ela dá exemplos: a internet, o iPhone, o gás de xisto e as energias renováveis são inovações que estão mudando o mundo, todas nascidas de financiamentos estatais.
Apesar do inconteste sucesso do sistema de pesquisa e inovação agropecuária no Brasil, dois problemas limitam a capacidade da pesquisa pública em seguir dando novos impulsos ao setor. O primeiro é a limitação de financiamento para aprofundamento das pesquisas, em resposta a novos e complexos desafios, como mudanças climáticas, intensificação de estresses, mercados mais competitivos e exigentes, ajustes a rupturas tecnológicas, dentre outros. O segundo está nas restrições impostas às organizações públicas para estabelecer parcerias, o que inibe o compartilhamento de ativos e conhecimentos para busca célere de soluções para os problemas da agricultura. Ainda falta às instituições públicas de pesquisa no Brasil um braço forte de interação com o mercado, que lhes permita estruturar e operar modelos inovadores de associação com o setor empresarial privado e estatal, para desenvolvimento conjunto de inovações e sua comercialização no Brasil e no exterior. Um avanço que poderá contribuir para a superação desse passivo foi a criação da Embrapii, inspirada no Instituto Fraunhofer da Alemanha, para apoio a projetos que nasçam de parcerias entre instituições de C&T e empresas privadas, com foco em inovações tecnológicas estratégicas para o país.
Amparada em sua experiência no mercado de inovação agropecuária, a Embrapa também busca uma solução inédita para ampliar a sua relação com o setor privado. Encontra-se em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei PL 5.243/2016, que autoriza a Empresa a criar uma subsidiária integral, a Embrapa Tecnologias S.A., ou EmbrapaTec, com o objetivo de fortalecer, por meio de parcerias público-privadas, sua participação no mercado de inovações tecnológicas para a agricultura e a bioindústria. O projeto prevê mecanismos que permitirão à Embrapa comercializar ativos tecnológicos de forma mais célere e se associar ao setor privado para o desenvolvimento conjunto de produtos comercializáveis, participando dos ganhos auferidos para reinvestimento na pesquisa.
Mudar a relação da pesquisa pública com as empresas é fundamental para que o Brasil consolide rapidamente um modelo de P&D cada vez mais inspirado nas necessidades da indústria e da sociedade. Como todo país ainda em desenvolvimento, o Brasil convive com a escassez de recursos voltados aos investimentos essenciais. Para justificar o apoio da sociedade, o sistema público de pesquisa e inovação precisará incorporar mecanismos e práticas que fortaleçam sua capacidade de gerar impactos para o progresso do país.
* o autor é engenheiro agrônomo e presidente da Embrapa.
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