Por volta de 2013, o cientista americano Jeremy England começa a ganhar reconhecimento explicando fenômenos biológicos com o uso da linguagem física estatística. Segundo ele, a geração de vida é um processo favorecido e estimulado pelas próprias leis que regem os minerais em todo o universo.
A segunda lei da termodinâmica, ou a "flecha do tempo", quando aponta a direção do universo sempre à maior desorganização, pode nos parecer contra intuitiva devido ao surgimento de vida trazer maior organização ao sistema. Mas ao passo da geração de vida, e de biodiversidade, ocorre maior trabalho e assim aumenta-se a energia dissipada do sistema e a entropia do universo aumenta.
Ecossistemas são compostos por duas partes que se afetam mutuamente: inanimada (ambiente físico) e animada (comunidade biológica). Em especial da parte viva (produtores e consumidores) que é determinada pelo ambiente, mencionamos os decompositores no solo que executam a função essencial de degradar compostos químicos energéticos em compostos menos energéticos e mais estáveis. Como agente produtor, uma planta é muito melhor em dissipar energia do que somente um aglomerado de átomos.
O processo da geração da vida é uma forma de trabalho realizado sobre a matéria resultando em sua organização. A única forma da ocorrência de sua reversibilidade ao estado anterior mais energético, ou seja, a aniquilação da vida no planeta Terra, somente ocorreria com uma força de trabalho muito maior do que foi empregada, e portanto, apesar de possível, extremamente improvável quando a própria evolução e perpetuação do homem é dependente do funcionamento do sistema Terra.
A irreversibilidade estatística e a produção de entropia permanecem exatamente de acordo com as leis de Newton, e a irreversibilidade dos processos é tão maior quanto o trabalho executado.
A teoria de England pode soar como uma variação da "geração espontânea", por exemplo, quando ele afirma não ser surpresa alguma que se um amontoado de átomos for iluminado por bastante tempo, obter-se-ia uma planta. Fenômenos de emergência, quando a soma das partes não representa o efeito do todo, são explicados por "limiares" que, quando atingidos, reorganizam e estabilizam o sistema. Assim, o surgimento da vida seria somente uma vertente de um fenômeno mais geral da termodinâmica.
Ocasionalmente, England parece um pouco descondescendente e inadequado com a biologia, um rabino peculiar. Enquanto sua teoria é extremamente especulativa, ele sobe em ombros de gigantes para olhar mais longe, como os do físico austríaco Erwin Schrödinger e do russo Ilya Prigogine, este último laureado em química pelo Nobel por sua pesquisa sobre sistemas complexos (caos).
A teoria de Jeremy poderia explicar a herança lamarkiana da metilação de DNA. Fatores ambientais podem mudar a expressão gênica via adição de um carbono metila à guanina que pode ser herdado transgeracionalmente sem alterar a sequência de bases no DNA. Lamark mantinha que as características adquiridas durante a vida de um indivíduo são passadas à prole. Assim, a epigenética, que trata da metilação de DNA, assim como modificação de histona, pode ser explicada com o argumento que as restrições ambientais favorecem determinado estado e não necessariamente por representar um valor adaptativo maior.
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O botânico australiano Keith Skene considera que o processo de geração de vida obedece a segunda e a primeira lei da termodinâmica, essa última se tratando da difusão. Assim, a geração de vida segue as mesmas leis que governam a expansão de um gás e o surgimento de interfaces fractais em sua borda.
James Lovelock com sua hipótese de Gaia não quis dizer que a Terra seja um organismo vivo, mas sim que se comporta como um organismo vivo. Skene argumenta que a influência do ser humano, inclusive nosso sistema econômico destrutivo, é meramente uma inconveniência para o sistema Terra que poderá responder aos ataques de forma sistêmica e potencialmente nos rejeitar.
Considerando ainda que um sistema complexo deve operar de forma subótima e não eficiente, que a otimização em qualquer nível é um desastre para todo o sistema, Skene sugere ressonar e reintegrar com o nosso ambiente, nosso planeta. Podemos ajustar nossa pegada ecológica e uso de insumos, mas é o planeta Terra que irá realizar a cura, recuperação e funcionamento do sistema. Somos apenas parte de um sistema e estamos dentro dele, gostemos ou não.
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Na física, tudo deve ter uma causa, mas ao longo da história, a ideia da causalidade estrita foi desafiada algumas vezes. Erwin Schrödinger não hesitaria em conceder que uma partícula primal, como o elétron, exiba pequenos desvios de uma lei fictícia do movimento, mas que tal quebra da causalidade estrita abra margens para o comportamento espontâneo dos animais não se justificaria.
Em um primeiro momento, poderíamos considerar não haver nada em uma situação que determinasse a escolha de uma partícula. Por outro lado, acredita-se que o ambiente determine com rigorosa precisão as probabilidades de várias possíveis escolhas.
Fisiologista contemporâneo de Schrödinger, Sir Charles Sherrington, afirmou que "não há divisas entre o animado e o inanimado; as mesmas leis da física e da química se sustentam tanto dentro do corpo vivo quanto fora dele". A mente por sí mesma não pode tocar o piano, é necessário o aparato do sistema nervoso tanto para conjurar o plano de ação quanto transmitir impulsos eletroquímicos até os músculos dos dedos.
Schrödinger alerta sobre a insignificância cósmica do ser humano quando diz que "ao lado dos juízes no tribunal, senta-se um assessor sem jurisprudência, ou seja, nosso próprio e pequeno ego que acha desagradável se passar por um autômato". O que nos move é uma necessidade, seja física, fisiológica ou intelectual. Existindo uma causa, não é necessário livre arbítrio. O comportamento do ser humano foi ditado pelos grandes ciclos solares e as mudanças de temperatura na Terra ao longo da história – não tivemos escolha.
Referências
Quem é o físico chamado de 'novo Darwin' que pode explicar origem da vida, UOL, 2022.
<https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2022/07/20/quem-e-o-fisico-chamado-de-novo-darwin-que-pode-explicar-a-origem-da-vida.htm>
A New Physics Theory of Life, Quanta Magazine, 2014.
<https://www.quantamagazine.org/a-new-thermodynamics-theory-of-the-origin-of-life-20140122/>
Life's a Gas: A Thermodynamic Theory of Biological Evolution, Keith Skene, 2015.
<https://www.mdpi.com/1099-4300/17/8/5522>
Resolving the Climate Crisis, Keith Skene, 2020.
<https://www.youtube.com/watch?v=aoguoaZKTxs>
Do electrons think? Erwin Schrödinger, BBC, 1949.
<https://quantumlifescience.wordpress.com/2014/04/10/do-electrons-think-erwin-schrodinger-bbc-1949/>
* o autor é biólogo.
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