quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Tribunal de Haia esquece que é órgão de Justiça e adentra na política ambiental

Richard Jakubaszko

CONCLUSÕES FINAIS DO PARECER CONSULTIVO
DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA:

(Reprodução de texto de press release)

Por estas razões,

      A CORTE,

      (1) Por unanimidade,

      Considera que tem jurisdição para emitir o parecer consultivo solicitado;

      (2) Por unanimidade,

      Decide atender ao pedido de parecer consultivo;

      (3) No que diz respeito à questão (a) apresentada pela Assembleia Geral:

      A. Por unanimidade,

 

É de opinião que os tratados sobre mudanças climáticas estabelecem obrigações vinculativas para os Estados partes para garantir a proteção do sistema climático e de outras partes do meio ambiente contra as emissões antropogênicas de gases de efeito estufa. Essas obrigações incluem o seguinte:

 

(a) Os Estados partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas têm a obrigação de adotar medidas com o objetivo de contribuir para a mitigação das emissões de gases de efeito estufa e para a adaptação às mudanças climáticas;

(b) Os Estados partes listados no Anexo I da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas têm obrigações adicionais de liderar o combate às mudanças climáticas, limitando suas emissões de gases de efeito estufa e aumentando seus sumidouros e reservatórios de gases de efeito estufa;

(c) Os Estados partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas têm o dever de cooperar uns com os outros para alcançar o objetivo subjacente da Convenção;

(d) Os Estados partes do Protocolo de Quioto devem cumprir as disposições aplicáveis do Protocolo;

(e) Os Estados partes do Acordo de Paris têm a obrigação de agir com a devida diligência na tomada de medidas, de acordo com suas responsabilidades comuns, porém diferenciadas, e respectivas capacidades, capazes de fazer uma contribuição adequada para alcançar a meta de temperatura estabelecida no Acordo;

(f) Os Estados partes do Acordo de Paris têm a obrigação de preparar, comunicar e manter contribuições nacionalmente determinadas sucessivas e progressivas que, entre outras coisas, quando tomadas em conjunto, sejam capazes de alcançar a meta de temperatura de limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais;

(g) Os Estados partes do Acordo de Paris têm a obrigação de buscar medidas capazes de alcançar os objetivos estabelecidos em suas sucessivas contribuições nacionalmente determinadas; e

(h) Os Estados partes do Acordo de Paris têm obrigações de adaptação e cooperação, inclusive por meio de transferências de tecnologia e financeiras, que devem ser cumpridas de boa-fé;

      B. Por unanimidade,

      É de opinião que o direito internacional consuetudinário estabelece obrigações para os Estados de garantir a proteção do sistema climático e de outras partes do meio ambiente contra as emissões antropogênicas de gases de efeito estufa.


Essas obrigações incluem o seguinte:

(a) Os Estados têm o dever de prevenir danos significativos ao meio ambiente, agindo com a devida diligência e usando todos os meios à sua disposição para evitar que atividades realizadas dentro de sua jurisdição ou controle causem danos significativos ao sistema climático e a outras partes do meio ambiente, de acordo com suas responsabilidades comuns, porém diferenciadas, e respectivas capacidades;

(b) Os Estados têm o dever de cooperar uns com os outros de boa-fé para prevenir danos significativos ao sistema climático e a outras partes do meio ambiente, o que exige formas sustentadas e contínuas de cooperação por parte dos Estados ao tomar medidas para prevenir tais danos;

      C. Por unanimidade,

       É de opinião que os Estados partes da Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio e do Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Esgotam a Camada de Ozônio e sua Emenda de Kigali, da Convenção sobre Diversidade Biológica e da Convenção das Nações Unidas para Combater a Desertificação nos Países Afetados por Seca Grave e/ou Desertificação, Particularmente na África, têm obrigações sob esses tratados para garantir a proteção do sistema climático e de outras partes do meio ambiente contra as emissões antropogênicas de gases de efeito estufa;

      D. Por unanimidade,

      É de opinião que os Estados partes da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar têm a obrigação de adotar medidas para proteger e preservar o ambiente marinho, inclusive dos efeitos adversos das mudanças climáticas, e de cooperar de boa-fé;

      E. Por unanimidade,

      É de opinião que os Estados têm obrigações sob o direito internacional dos direitos humanos de respeitar e garantir o gozo efetivo dos direitos humanos, tomando as medidas necessárias para proteger o sistema climático e outras partes do meio ambiente;

      (4) No que diz respeito à questão (b) apresentada pela Assembleia Geral:

      Por unanimidade,

      É de opinião que a violação por um Estado de quaisquer obrigações identificadas em resposta à questão (a) constitui um ato internacionalmente ilícito que acarreta a responsabilidade desse Estado. O Estado responsável tem o dever contínuo de cumprir a obrigação violada. As consequências legais resultantes da prática de um ato internacionalmente ilícito podem incluir as obrigações de:

(a) cessação das ações ou omissões ilícitas, se elas estiverem em curso;

(b) fornecimento de garantias de não repetição das ações ou omissões ilícitas, se as circunstâncias assim o exigirem; e

(c) reparação integral aos Estados lesados na forma de restituição, compensação e satisfação, desde que as condições gerais do direito da responsabilidade do Estado sejam atendidas, incluindo a demonstração de um nexo causal suficientemente direto e certo entre o ato ilícito e o dano.

       Feito em francês e inglês, sendo o texto em francês o autêntico, no Palácio da Paz, Haia, neste vigésimo terceiro dia de julho de dois mil e vinte e cinco, em dois exemplares, um dos quais será depositado nos arquivos da Corte e o outro transmitido ao Secretário-Geral das Nações Unidas.

                                                              (Assinado)      IWASAWA Yuji,

                                                                              Presidente.

                                                              (Assinado)    Philippe GAUTIER,

                                                                               Secretário.

COMENTÁRIOS DO BLOGUEIRO: 

A insanidade jurídico ambiental acima resumida adentra ao terreno politicamente correto do juridiquês e prepara-se para infernizar a vida de governantes de países que não aderirem às causas verdes. A alta corte, sem nenhuma explicação científica, adere ao "consenso" do milenarismo ambientalista, e prepara a instalação da AIA - Agência Internacional Ambiental - ONU, que terá poderes supranacionais sobre decisões internas de diversos países, incluindo sanções econômicas, políticas e militares. Terá os mesmos poderes da Agência Energia Nuclear Internacional. Ou seja, a ditadura ambientalista começa a se instalar em termos planetários na ONU e inevitavelmente vai chegar, com aplausos da mídia.
Revejam o texto acima do press release, está sempre se baseando no lamaçal de que "É de opinião", de que os países "têm que", e tomam decisões unânimes... em cima de um "consenso".

 

Sobre esse assunto troquei e-mails com o físico e professor Luiz Carlos Baldicero Molion, coautor do livro "CO2 - aquecimento e mudanças climáticas: estão nos enganando?" (Veja detalhes sobre o livro na aba lateral), e recebi como resposta o texto abaixo:

Ainda que seja "advisory" [aconselhamento, recomendação, orientação], os da toga internacional jogaram toda ciência e o atual e ainda insuficiente debate científico no lixo. Até os relatórios do IPCC são mais cautelosos e estão cheios de notas de rodapé explicando as limitações das afirmações em seus relatórios.

Minha preocupação é que esse documento abre um precedente enorme para se interferir nas atividades de um país, sua soberania, suas políticas públicas de desenvolvimento econômico e bem estar social. Reduzir emissões não terá impacto algum no clima. Muito menos ainda os acordos de créditos de carbono.
Mas, para reduzir as emissões, é necessário reduzir a geração de energia elétrica, que é 85% dependente de combustíveis fósseis.

Sem energia elétrica, não há desenvolvimento. Dados de 2023 mostram que apenas 37 países têm IDH superior a 0,9 [escala vai de 0,0 a 1,0].
Só faltam 170 países, Brasil inclusive, chegar lá!
Bom final de semana.
ABS.
Molion

 

 

 

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quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Europa desaba sob a tirania das energias alternativas

Luis Dufaur *

'O Reich Verde': um livro denúncia
da autodestruição da Alemanha
O jurista e filósofo, diretor do PAN Medias Group e autor do livro “The Green Reich – Global Warming to the Green Tyranny” (“O Reich Verde – Do aquecimento global à tirania verde”, Texquis, 2020; Armada) Drieu Godefridi começou apontando que a dependência de fontes de energia não confiáveis (eólica, solar), combinada com a apressada eliminação da energia nuclear, fez da energia elétrica da Alemanha a mais cara da Europa.

O quadro geral alemão compromete a autonomia energética do país, e, em última análise, do continente europeu, escreveu na página do reputado “Gatestone Institute”. 

As condições climáticas caem drasticamente em diversos períodos que ocorrem todos os anos. A produção de energia não pode se basear nos caprichos do sol (quase ausente no inverno alemão) e nos sopros de Eolo.

A submissão a esses caprichos apresenta repercussões econômicas e ambientais de longo alcance, transtornando a política energética baseada em energias intermitentes. Essas verdades diretamente ligadas à natureza não interessam aos arautos ecologistas salvadores da própria natureza.

A Alemanha passou a ser uma das maiores emissoras de carbono e consome a energia elétrica mais cara da Europa que, aliás, é insuficiente para sua indústria que caiu no vermelho.

O país perdeu a sua autonomia energética, que equivale a um homem ficar sem oxigênio para sobreviver.

Nos últimos quinze anos, investiu maciçamente em energia solar e eólica, e enlouquecidamente sabotou suas usinas nucleares. Em 2023, as energias renováveis representavam 55% da produção de eletricidade do país. Em 2022, eram 48%.

A energia eólica tem 31% da produção total e a energia solar 12%, biomassa 8% e outras fontes renováveis, como a hidroeletricidade os 3,4% restantes.

No primeiro semestre de 2024, a energia renovável forneceu quase 60% da eletricidade alemã. Porém, com momentos de crise no fornecimento como o “Dunkelflaute”.

Governo aprovou a extinção das usinas nucleares
Essa palavra dura para ouvidos brasileiros se traduz por “calmaria branda e escura”, quer dizer a falta de vento e de sol no inverno quando a demanda atinge o ápice. O “Dunkelflaute” então pode durar alguns dias a várias semanas quando a produção eólica e solar despenca para menos de 20% de sua capacidade, chegando às vezes a zero.

Em 12 de dezembro de 2024, a produção alemã de energia elétrica oriunda da energia eólica e solar ao atendia a 1/30 da demanda.

As políticas renováveis seriam aceitáveis se fossem estáveis, como a energia nuclear. Mas, desde 2011, na onda midiática entorno do desastre de Fukushima, o país decidiu fulminar a energia nuclear e fechou usinas em pleno funcionamento.

Extinguiu a energia elétrica estável e previsível ficando penosamente vulnerável às flutuações das energias renováveis.

Em suma, quando não há vento nem sol na Alemanha, há apagão, acrescenta o prof. Godefridi.

A Alemanha ficou incapaz de se mover com energia, especialmente durante o “Dunkelflaute”. Então entra na correria para importar energia elétrica da França, da Dinamarca e da Polônia, e multiplica o consumo dos famigerados carvão e linhito para termoelétricas poluidoras.

Com mais um resultado absurdo: aumentos colossais nos preços da energia elétrica que são realmente impressionantes. Em 2024, uma família teve que pagar o preço mais alto da Europa: € 400/MWh, com picos de € 900/MWh durante o sinistramente cômico “Dunkelflaute”.

O preço médio na França e na Finlândia foi de € 250/MWh no mesmo período (2024), a metade portanto, porque depende de reatores nucleares. Nos EUA, as taxas são 30% mais baixas do que na França.

Intensa propaganda 'verde' baniu a energia nuclear e pôs em crise a Alemanha

Viva! Entramos no maravilhoso mundo para afundar “sustentavelmente” a Europa no precipício da carência e da desgraça. O modelo “sustentável para o planeta”,

Em vez de líder contra o CO2 como pretextado, a Alemanha foi o segundo maior emissor de CO2 por unidade de energia produzida na Europa: dez vezes mais que a França.

Os altos preços estão levando à relocação das indústrias alemãs que procuram localidades mais acessíveis economicamente. Como os produtos alemães podem ser competitivos quando se paga três vezes mais pela energia elétrica do que a concorrência? (O gás natural é cinco vezes mais caro que na Europa e nos EUA.

Colapsam Setores inteiros da orgulhosa indústria alemã. Primeiro as grandes empresas, VW, BASF, Mercedes-Benz, mas essas desaparecem ou encolhm leva junto um monte de pequenas e médias empresas para o buraco.

 
Demissões em massa na Volkswagen gerou terremoto social  

Os altos preços da energia alemã geram cada vez mais frustração.

O famigerado “Dunkelflaute” não é um mero problema econômico: por trás há o assalto de uma ideologia autoritária e irracional.

Há anos este blog vem ecoando cientistas e analistas que julgavam que a Alemanha parecia ter ficado louca. Terá soado exagerado. Agora a realidade arromba as portas de lares e empresas germânicas.

A Alemanha perdeu a autonomia energética, e, em última análise, alastra o continente a um precipício. As consequências estão sendo das mais variadas: os vizinhos estão fartos de uma tão estúpida falência energética, em virtude de um diktats irracional.

O gigantesco passo em falso da Alemanha provoca uma catástrofe europeia e em última análise, da civilização ocidental ex-cristã.

* o autor é escritor, jornalista, conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs.

Publicado originalmente no blog: https://ecologia-clima-aquecimento.blogspot.com/2025/08/europa-desaba-sob-tirania-das-energias.html

 

 

 

 

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terça-feira, 22 de julho de 2025

Liberdade de expressão não é licença para o crime

Francisco Nascimento *
A recente condenação do humorista Léo Lins a oito anos de prisão em regime fechado por falas que configuram racismo e discriminação acendeu novamente o debate sobre os limites da liberdade de expressão no Brasil. A pena imposta está em consonância com a legislação brasileira e os compromissos internacionais de direitos humanos assumidos pelo país.

Não se trata de censura, tampouco de uma tentativa de silenciar o humor ou a crítica. Trata-se de responsabilização penal por condutas que ultrapassam qualquer noção legítima de liberdade de expressão. O discurso de ódio, disfarçado de piada, não tem guarida na Constituição da República de 1988. Pelo contrário, o ordenamento jurídico brasileiro expressamente veda manifestações que incitem o racismo, a discriminação e o preconceito, inclusive sob forma artística ou humorística.

Vale lembrar que, no Brasil, promover, apoiar ou relativizar ideologias como o nazismo ou a escravidão é crime. A razão é histórica e humanitária. Foram ideologias e sistemas que geraram sofrimento inenarrável a milhões de pessoas negros, judeus, indígenas, pessoas com deficiência, LGBTQIA+ e outras minorias. O Estado brasileiro, por meio da Constituição, do Código Penal e de tratados internacionais de direitos humanos dos quais é signatário, adotou postura de tolerância zero com esse tipo de discurso.

É nesse contexto que se insere a decisão judicial que condenou Léo Lins. Suas falas não apenas ofendem a dignidade humana, como representam uma afronta à memória histórica e à ordem jurídica democrática. Em seus discursos, o humorista tenta replicar um modelo importado dos Estados Unidos onde podcasts e conteúdos humorísticos gozam de maior permissividade legal. Contudo, o Brasil não é os Estados Unidos. Aqui, os direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana e a igualdade, têm peso constitucional e formam cláusulas pétreas.

Não se pode comparar o que ocorre em um podcast com uma encenação ficcional. A atriz que interpreta uma vilã em uma novela não está promovendo ideologias de ódio; está representando um papel. Léo Lins, por sua vez, usa sua voz e plataforma para propagar ideias discriminatórias, na realidade, e sob o pretexto de liberdade de expressão. Mas, como já firmou o Supremo Tribunal Federal, a liberdade de expressão não é um direito absoluto. Ela encontra limites quando colide com outros direitos fundamentais, como o respeito à dignidade humana e a vedação ao racismo e ao preconceito.

A decisão da Justiça reafirma o compromisso do Estado brasileiro com os valores democráticos e com a proteção das minorias historicamente marginalizadas. Não há espaço, em um Estado de Direito, para a banalização da dor alheia ou para a naturalização do preconceito.

A Constituição Federal de 1988 é clara ao dizer que o racismo é crime inafiançável e imprescritível. E ao criminalizar esse tipo de conduta, o Brasil envia uma mensagem inequívoca: discursos de ódio não serão tolerados. O humor que fere, que humilha, que inferioriza, que mata simbolicamente, não é humor é violência. E, como tal, deve ser combatido com o rigor da lei.

O caso de Léo Lins serve como um marco para reafirmar o pacto civilizatório sobre o qual se assenta a nossa sociedade. A liberdade de expressão é um dos pilares da democracia, mas não é, nem nunca será, um salvo-conduto para preconceito ou incitação ao ódio. E a Justiça brasileira deixou isso muito claro.

 

* o autor é professor de Direito Constitucional e especialista em Processo Penal da Estácio

 

 

domingo, 13 de julho de 2025

Aposentados não têm culpa pela má gestão da previdência

Artur Marques *

Não é de hoje que o setor público brasileiro convive com o descontrole fiscal. Décadas passaram-se e os mesmos erros continuam se repetindo, como se o tempo nada ensinasse. As engrenagens da máquina administrativa, tanto na União quanto nas unidades federativas, giram em torno de decisões improvisadas, medidas eleitoreiras e uma estrutura que resiste à modernização da gestão. Um dos fatores incluídos nessa crise crônica, que desafia sucessivos governos, é a Previdência Social, usada frequentemente como bode expiatório para justificar rombos orçamentários que, na verdade, têm origem mais ampla e profunda.

A desgastada narrativa que tenta jogar sobre os aposentados e pensionistas a culpa pelo desequilíbrio previdenciário é injusta, além de técnica e moralmente equivocada. Os beneficiários do sistema não são os responsáveis por sua má condução. Não decidem onde aplicar os recursos, nem formulam as regras de elegibilidade. Tampouco têm poder sobre as estratégias de arrecadação e investimento. 

Os aposentados e pensionistas são, na verdade, credores do Estado. Contribuíram por décadas, de maneira compulsória, com a expectativa legítima de que seus direitos seriam respeitados. Quando o setor público falha em garantir a sustentabilidade de um fundo que deveria ser tecnicamente superavitário, o problema está na gestão e não nos beneficiários.

Fico espantado com a naturalidade com que se propaga a ideia de que os aposentados e pensionistas custam caro demais, como se fosse um luxo, e não um direito, garantir segurança a quem já deu imensa cota de contribuição ao Brasil e à economia. E digo com franqueza: esse raciocínio leviano revela mais sobre a precariedade da nossa administração pública do que sobre qualquer falha no desenho da Previdência em si. Muito do seu dinheiro foi desviado, ao longo do tempo, para outras finalidades, como obras públicas ou a cobertura de rombos orçamentários, comprometendo seu equilíbrio. 

Soma-se a isso o histórico de fraudes que dilapidam o caixa e expõem a fragilidade dos mecanismos de controle. A verdade é que o desequilíbrio é alimentado por políticas mal calibradas, isenções que comprometem a base de arrecadação, informalidade crescente no mercado de trabalho e uma estrutura organizacional que não se moderniza. 

Vale lembrar que, embora se reconheça o crescimento das despesas previdenciárias nos últimos anos, isso não pode ser interpretado fora de contexto. O envelhecimento da população é uma realidade global. Muitos países vêm se preparando para isso com reformas que equilibram sustentabilidade atuarial e proteção social. No Brasil, no entanto, insiste-se em uma abordagem que foca apenas no corte de benefícios e no endurecimento de regras, sem atacar a raiz do problema: a governança ineficaz e a ausência de planejamento de longo prazo. 

Além disso, os próprios aposentados e pensionistas vêm sendo vítimas de práticas abusivas e criminosas, como a contratação de crédito consignado por fraudadores e descontos irregulares por entidades e associações, agora revelados, também autorizados à revelia. Nos dois casos, aplicam-se descontos indevidos nos proventos, reduzindo o poder de compra e dilapidando os vencimentos dos legítimos beneficiários. Isso é um absurdo! Quando o sistema, que deveria amparar, abre brechas para esse tipo de ocorrência, começa a corroer a dignidade de quem depende dele. Esse alerta precisa ser levado muito a sério. 

O que está em jogo, afinal, é a confiança da sociedade em um modelo de estrutura que deveria garantir previsibilidade e justiça. É preciso que se diga com todas as letras: a Previdência não pertence ao Estado, mas sim aos trabalhadores. Cada real ali depositado tem dono, tem a história de numerosas vidas e tem o propósito de proporcionar segurança a quem já trabalhou muito e fez sua parte. Administrar esse fundo com zelo e responsabilidade é obrigação do Estado, e não um favor. 

O déficit, quando existe, é sintoma da incompetência de quem gere, não da infundada culpa de quem recebe. Equilíbrio fiscal não se alcança punindo quem já pagou sua cota. Esse diagnóstico claro, sem narrativas e retóricas enviesadas, precisa ser entendido pela sociedade e reconhecido com ética e honestidade pelo poder público. 

* o autor é o presidente da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP).

 

 

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quinta-feira, 10 de julho de 2025

Trump, o chantagista

Richard Jakubaszko
A iniciativa trumpista de taxar em 50% os produtos brasileiros exportados para os EUA vai dar com os burros n'água. Nenhuma das anunciadas taxações das importações americanas contra países como China, Índia, Rússia ou Europeus se concretizaram até o momento, estão todas em negociação, canceladas por acordos bilaterais ou proteladas pela Justiça americana.

Ontem e hoje a mídia brasileira fez um estardalhaço sobre o tema, abordando questões econômicas, políticas, jurídicas, diplomáticas, ideológicas e comerciais sobre a ameaça de Trump, com asneiras a granel. E raras inserções de brilhantismo.


Vejamos algumas das questões do problema:

1 - A carta de Trump para Lula é um pacote de acusações disparatadas e com abordagens e citações de cunho impreciso, além de algumas serem distorcidas ou mentirosas. Não é verdade que a balanças comercial Brasil-EUA seja favorável ao Brasil, pelo contrário, o Brasil tem déficit nesse fluxo, de centenas de milhões de dólares. Trump está muito mal informado pela sua assessoria. Ou distorce fatos de acordo com sua conveniência.

2 - Trump cita na carta a "falta de democracia" brasileira, onde se faz censura, segundo ele, especialmente por parte da Justiça do STF, ao proibir e mandar retirar das plataformas de algumas redes sociais de origem americana conteúdos mentirosos, as chamadas fakenews, como responsável pela taxação dos produtos brasileiros. Pode isso? Não, não pode, mas Trump age como garoto mimado e birrento, e recorre a outra faceta, a de acusar o Brasil de "caça às bruxas" com o desenrolar do processo que o STF move contra Jair Bolsonaro, na opinião dele "um líder internacional" (pausa para gargalhadas...). Com certeza Trump se espelha na situação de Bolsonaro, pois foi também acusado na Justiça americana pelos mesmos atos, ação que foi protelada para prosseguir depois que terminar o mandato dele, pois um Presidente dos EUA não pode ter ações na Justiça enquanto exerce o cargo.

3 - Trump ameaça o Brasil de atribuir novas (e iguais) taxas aos produtos brasileiros se o Brasil usar da clássica e tradicional reciprocidade de taxar produtos americanos importados. Uma simples questão de chantagem comercial que a OMC (Organização Mundial do Comércio) pode arbitrar se o Brasil efetuar uma queixa formal. Apesar de lembrarmos que esses julgamentos demoram meses ou anos. O comportamento de Trump não se sustenta, seria interessante alguém desvendar qual o objetivo real de Trump nessa patacoada.

4 - Na mídia o foco tem sido o de apontar agronegócio como o setor mais prejudicado. Não é verdade. O agro será prejudicado, sem dúvida, mas não esqueçam que o Brasil é exportador de petróleo bruto para os EUA, o item maior de nossas exportações e importa diesel e gasolina, pagando por serviços de refinaria, e as taxas do Trump impactariam o preço desses produtos no Brasil, a partir de agosto, a não ser que a Petrobras desenvolva nesse meio tempo um novo prestador de serviços de refino de petróleo em outro país, no curto prazo. Quem diria, a danada da Dilma teve a visão de fazer a Petrobras comprar uma refinaria em Pasadena, mas deu no deu, e agora podemos ficar com a calça nas mãos...

5 - Dentro do agro brasileiro o produto mais exportado são as madeiras (US$ 7,4 bilhões por ano) e seus subprodutos, como celulose, por exemplo. Isso é boa notícia para os ambientalistas, pois reduziria a pressão por mais desmatamento na Amazônia. Madeira é mais do que o dobro do segundo lugar, que é o café, com US$ 2,3 bilhões dólares anuais. O   terceiro lugar da nossa pauta é o suco de laranja, do qual o Brasil é o maior produtor e exportador do mundo. Trump vai ter de obrigar os americanos a mudar o breakfast deles, ao retirar café e suco de laranja com uma canetada só, afora os ovos brasileiros que têm sido exportados para lá por causa da gripe aviária que grassa nos EUA há uma década. Ou seja, sem café, suco de laranja e (quase) sem ovos, como será que vai ficar o desjejum dos gringos? Só vai ter umas fatias de bacon, cereais e pão torrado... Não esqueçamos das carnes brasileiras exportadas, principalmente dianteiros, que proporcionam o hambúrguer americano. Isso é uma perda de ativo político de Trump com seus eleitores, mas acho que ele não atentou para isso quando decidiu de forma imperial taxar os produtos brasileiros. Vai acelerar a inflação dos EUA.

6 - O que não aparece na carta de Trump são os objetivos anunciados pelo BRICS, de criar uma moeda forte para substituir o dólar nas transações comercias internacionais que não envolvam os EUA. E o BRICS não está longe disso. No início, uns 16 anos atrás, quando era apenas a sigla inicial (de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), tornar viável esse sonho era distante, mas o BRICS cresceu e incorporou Arábia Saudita, Indonésia, Uruguai, Irã, Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos, um total provisório de 12 membros que representam quase 40% do PIB do planeta. Reparem que não há nenhum país europeu nessa história. Se entrar, entra o bloco inteiro, e chegam a mais de 65% do PIB internacional. Trump, evidentemente, sabe disso, e os EUA têm brigado feio e violentamente contra vários membros do BRICS, agora chegou a vez do Brasil.

7 - A questão das big techs é periférica no contexto comercial, mas Trump tem interesse pessoal nisso, pois uma de suas empresas (Trump Mídia) está com problemas na Justiça brasileira por publicar conteúdos falsos e difamatórios, e por não ter um representante legal no Brasil para responder judicialmente. Além de ficar proibida de publicar conteúdo no Brasil vem aí uma multa salgada que Trump não tem nenhum interesse em pagar.

8 - Para comprovar que tudo é uma farsa, hoje apareceu na mídia um entrevista de Steve Bannon, um ex-assessor de marketeiro de Trump, dizendo que se o Brasil derrubar o processo contra Jair Bolsonaro os EUA também anulam as taxas de nossas exportações. Chantagem na cara dura, mais uma, como se isso fosse importante, ou pior, como se isso fosse possível, de o Executivo ou Legislativo chegarem ao STF e dizerem, "ei, Xandão, cancela o Jair pra salvar o Brasil". Uma piada, né não?

9 - No mundo inteiro, de líderes europeus, até mesmo o americano Paul Krugman, Nobel de Economia, caíram a pauladas em cima de Donald Trump, por causa da desatinada decisão.

10 - Lula sai forte dessa briga (aconteça o que acontecer) toda para enfrentar a reeleição em 2026, se é que ele vai querer mesmo isso. O bolsonarismo perde, porque será acusado de irresponsável por aplaudir essa inaudita palhaçada de Trump.

ET: Resta saber se, ao citar Bolsonaro na referida carta, Trump abre as portas da Embaixada americana em Brasília para um pedido de asilo diplomático por perseguição política...

Em todo caso, o Xandão já colocou tornozeleiras no Jair Bolsonaro, para tentar impedir um pedido de asilo de tal ordem. Ficou no ar uma polêmica de mártir e injustiçado, mas o celular do Jair foi confiscado, e pode ter novidade pela frente... O Eduardo, coitado, agora tá enrolado até os cabelos, e o cancelamento dos vistos de entrada nos EUA do Xandão e de outros 7 ministros do STF, além do Gonet, Procurador Geral, vai provocar muita fervura no caldeirão.

Nunca vi na minha longa vida desaforos dessa natureza proporcionados por um país como os EUA, que deveria ter um certo decoro diplomático. Mas o mundo moderno anda maluco mesmo...



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