Geraldo Luís Lino *
Em março de 2012, publicamos neste espaço um artigo com
título quase idêntico a este. As motivações foram os anúncios de dois fenômenos
cósmicos com potencial para acarretar enormes problemas para a humanidade, mas
que não costumam receber mais que uma ínfima fração da atenção e dos recursos
humanos e financeiros desperdiçados com pseudoproblemas, como a imaginária
ameaça do aquecimento global antropogênico.
No final de fevereiro, a Administração Nacional de
Aeronáutica e Espaço (NASA) dos EUA havia anunciado a passagem do asteróide 2012
DA14 pela Terra, prevista para 15 de fevereiro de 2013, à astronomicamente
insignificante distância de 27 mil quilômetros. Na mesma ocasião, uma forte
tempestade solar atingiu o planeta, obrigando que fossem tomadas medidas de
cautela, como o desvio de voos que fazem rotas polares.
O asteróide, com 45 metros de diâmetro e 130 mil toneladas,
compareceu ao encontro como previsto, passando a 27.860 quilômetros da Terra,
às 17h24 (hora de Brasília) da sexta-feira dia 15, cerca de 8.500 quilômetros
abaixo das órbitas dos 400 satélites geoestacionários que circulam o planeta.
Porém, o que ninguém esperava foi o meteoro que caiu, às 9h20 (hora local, 0h20
hora de Brasília), nos arredores da cidade russa de Chelyabinsk, a leste dos
Montes Urais, gerando uma onda de choque que deixou mais de 1.200 pessoas
feridas, algumas com gravidade, a maioria por estilhaços de vidraças quebradas,
embora o dano mais sério tenha sido o desabamento parcial do teto de uma
fábrica de zinco.
O meteoro, que não tinha qualquer relação com o asteróide,
tinha dimensões estimadas em 17 metros e 10 mil toneladas e explodiu a uma
altitude entre 25 e 30 quilômetros, mas, se tivesse caído diretamente sobre a
cidade, o impacto – estimado como equivalente ao de uma bomba atômica de 300
quilotons – teria causado danos gravíssimos e, certamente, milhares de vítimas,
entre mortos e feridos. Se tivesse chegado em horários diferentes, poderia ter
atingido outras grandes cidades na mesma latitude de Chelyabinsk, como Moscou,
Belfast e Dublin.
A perplexidade causada pelo incidente, amplificada pelas
dúzias de vídeos gravados pelos habitantes da cidade (em grande medida, graças
ao curioso hábito dos motoristas russos de gravar as suas viagens, para evitar
golpes de atropelamentos deliberados), foi sintetizada pelo
vice-secretário-executivo da Sociedade Astronômica Real (RAS) britânica, Robert
Massey: “Eu estou coçando a cabeça para pensar em alguma coisa na história
registrada, em que esse número de pessoas tenha sido ferido indiretamente por
um objeto como esse… é muito, muito raro que se tenham vítimas humanas (AFP,
15/02/2013).”
De fato, embora se estime que cerca de 80 toneladas de
meteoritos caiam diariamente sobre a Terra, a quase totalidade deles é de
dimensões reduzidas e acaba se desintegrando com a fricção causada pela entrada
na atmosfera. E, até agora, contavam-se nos dedos de uma mão as vítimas
conhecidas de quedas de meteoritos. Não obstante, a impressionante coincidência
de dois corpos celestes de dimensões consideráveis terem chegado ao planeta no
mesmo dia, associada ao fato de o meteoro não ter sido detectado com
antecedência, demonstram de forma insofismável a vulnerabilidade da humanidade
diante de tais fenômenos, que terão que entrar, definitiva e seriamente, na
lista de preocupações das autoridades de todo o mundo.
Evidentemente, a mentalidade “mercantilista” que tem
orientado o enfrentamento das pseudoemergências mundiais, responsável, por
exemplo, pelo dispêndio de centenas de bilhões de dólares na busca de
“soluções” para o aquecimento global, é incompatível com o estabelecimento de
um sistema de vigilância cósmica que permita ampliar consideravelmente os
esforços atuais para o mapeamento dos chamados Objetos Próximos à Terra (Near
Earth Objects-NEO). O orçamento de 2012 do programa NEO da NASA não passou de
20 milhões de dólares, equivalente a 0,5% do orçamento total da agência,
quantia irrisória para os requisitos de uma iniciativa do gênero. Para
comparação, o telescópio de infravermelho em órbita solar para a detecção e medição
dos NEO com uma precisão de até 20%, proposto pela NASA em 2007, custaria 500
milhões de dólares – valor de dois caças F-35 Lightning II, que ainda não
entraram em serviço efetivo e cujo desenvolvimento tem enfrentado sucessivos
atrasos e aumentos de custos.
Ademais, considerando-se que os EUA têm demonstrado uma
crescente inclinação a privatizar o seu programa espacial, projetos sem retorno
econômico visível tendem a enfrentar obstáculos cada vez maiores para deixar a
plataforma de lançamentos, mesmo engajados em um esforço de cooperação
internacional, imprescindível para a implementação de uma iniciativa do gênero.
Igualmente, em 2007, o Painel Consultivo da Missão para
Objetos Próximos da Terra da Agência Espacial Europeia (ESA) sugeriu uma missão
espacial com o objetivo de lançar um projétil de 400 kg contra um asteróide,
para a observação dos resultados. O projeto, que custaria 400 milhões de
dólares (pouco mais que o custo de quatro caças Eurofighter Typhoon), foi
devidamente engavetado – claro, por falta de recursos.
Em 2011, o governo da Federação Russa propôs aos EUA um
programa de cooperação com tal finalidade, a Defesa Estratégica da Terra, mas
foi ignorado. Em 16 de fevereiro, comentando a queda do meteoro, o
vice-primeiro-ministro Dmitri Rogozin, autor da proposta, reiterou: “Eu tenho
falado sobre a necessidade de algum tipo de iniciativa internacional
relacionada ao estabelecimento de um sistema de alerta e prevenção de
aproximações perigosas para a Terra, de objetos de origem extraterrestre. Nem a
Rússia nem os EUA têm hoje a capacidade de desviar esses objetos (Interfax,
16/02/2013).”
Rogozin recordou as reações negativas à proposta original,
feita quando ainda era o representante russo na Organização do Tratado do
Atlântico Norte (OTAN): “A resposta foi o ceticismo: ‘Isso não pode acontecer,
porque pode nunca acontecer.’ Houve um certo ceticismo e muita gente deu
gargalhadas.”
Outras ameaças reais ao planeta são as megatempestades
solares, como a ocorrida em 1859, a mais intensa já registrada, que provocou o
surgimento de auroras em latitudes tão baixas como o Caribe e, durante um dia
inteiro, afetou seriamente o funcionamento das redes telegráficas – à época, a
única utilização da eletricidade em grande escala. Se um evento semelhante ocorresse
hoje, poderia acarretar gravíssimos problemas para as grandes redes de
transmissão interligadas, queimando transformadores primários e deixando vastas
regiões sem eletricidade, durante dias, semanas ou até meses.
Em 1989, uma tempestade bem mais fraca provocou um blecaute
de 16 horas na província canadense de Quebec.
Tais fenômenos podem ser detectados antecipadamente por
satélites especializados, inseridos em um sistema de alerta que transmitisse as
informações captadas pelos satélites e as avaliações imediatas dos operadores
do sistema às autoridades de países, regiões e até continentes inteiros,
permitindo-lhes tomar as precauções necessárias – essencialmente, desligar os
transformadores primários dos sistemas de transmissão de eletricidade, evitando
que sejam danificados pelas sobrecargas geradas pelos intensos fluxos de
elétrons provenientes do Sol.
Embora existam alguns satélites capazes de detectar as
explosões solares, não há um sistema de alerta internacional capaz de
neutralizar ou mitigar os eventuais efeitos das de maior intensidade. Outra
vez, falta um nível de comprometimento e cooperação internacional que não está
à vista – ao contrário do que ocorre com o enfrentamento das pseudoemergências
climáticas.
Na quarta-feira 20, o Observatório da Dinâmica Solar da NASA
observou o surgimento de uma enorme mancha solar, capaz de provocar as chamadas
erupções de massa coronal, que arremessam no espaço colossais quantidades de
partículas carregadas e, com frequência, atingem a Terra. Em um relatório
divulgado na semana anterior, a Real Academia de Engenharia britânica afirmou
que o mundo teria uma margem de antecedência de não mais que 30 minutos para se
proteger, caso ocorra uma nova megatempestade como a de 1859 (O Globo,
22/02/2013). Dada a virtual inexistência de um sistema de alerta integrado,
aparentemente, só nos resta torcer com as estatísticas.
Em 15 de fevereiro, a humanidade esteve bem perto de uma
catástrofe de grandes proporções. Resta ver até quando continuaremos inertes,
contando com as probabilidades, para evitar o enfrentamento efetivo dessas
possibilidades reais.
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