Zuenir Ventura *
Reclamam sem saber bem de quê, em geral, de ‘tudo isso que
está aí’, com prazer masoquista. Hoje o pretexto é a Copa, seria outro se não
houvesse esse.
Algumas pessoas já perceberam que uma onda de mau humor nos
atingiu. O sociólogo italiano Domenico De Masi, admirador e estudioso do
Brasil, aonde vem com frequência, declarou em entrevista que o país está
“deprimido”, e sem motivo para isso, pois acha que poucas nações avançaram
tanto nesses últimos 30 anos. Ele acredita que podemos contribuir para a construção
de um modelo de vida universal, “baseado na miscigenação, na sabedoria, na
beleza e na harmonia”. E, eu acrescentaria, na vocação para a alegria. O
humorista Tutty Vasques, que faz crítica com graça, a exemplo do Chico Caruso,
também acha que o clima está pesado, tanto que tem medo de rir em público e ser
advertido por alguém: “Está rindo de quê?” A campeã olímpica de judô, a
francesa Lucie Décosse, passando por aqui, observou: “As pessoas estão muito
irritadas; todo dia tem uma greve!” Uma amiga chegou a classificar de “núcleos
de entusiasmo” os grupos que ainda teimam em contrariar a moda da cara
emburrada. Até Alice anda irascível porque continua sem resposta para a
pergunta “quem manda no mundo?” Ela deve estar querendo fazer também alguma
reclamação. Outro dia contei aqui histórias de um motorista de táxi
bem-humorado e otimista. Pois bem, um leitor achou que se tratava de um
“personagem inventado” e um repórter da TV Bandeirantes entrevistou-o por ser
uma raridade.
Muitos nos acusam, a nós, jornalistas, de contribuir para o
pessimismo atual, com a suposta crença de que nós achamos que notícia boa é
notícia ruim. Pode ser, mas, se isso é verdade, encontra eco entre os leitores
que gostam de não gostar. De Masi, numa reunião informal, quis a opinião dos
presentes. Alguém aconselhou-o a perguntar também a um psicanalista, porque, ao
lado das justas motivações, há aquelas internas, autoinsatisfações, que nem
sempre têm a ver com o que acontece do lado de fora. Há queixosos que reclamam
sem saber bem de quê — em geral, de “tudo isso que está aí” —, com evidente
prazer masoquista. Hoje o pretexto é a Copa, mas seria outro se não houvesse
esse.
Os indignados que acreditam na eficácia do ranger de dentes
e da crispação ou nos muxoxos e na rabugice esquecem que ridicularizar pelo
riso funciona mais do que xingamento. E, além do mais, estudos médicos revelam
que mau humor faz mal à saúde, porque libera a adrenalina, que eleva a tensão
arterial e aumenta o nível de açúcar no sangue. Já o indivíduo bem-humorado
produz endorfina, o hormônio que relaxa e estimula o bem-estar.
Se não bastassem todas essas desvantagens, o mau humor
apresenta o risco de ser viral, de contagiar. A gente acaba falando contra ele
com mau humor, como desconfio que fiz nesta coluna — e não só nesta.
* Jornalista
Publicado em O Globo
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