domingo, 25 de novembro de 2018

Fogão velho – chapa fria – café requentado

Carlos Eduardo Florence *
 

Se fazia urgência, Jupitão testemunhou, atendeu recado, era prestimoso das horas, aprumou, pasmou esgrouvinhado ao levantar, estirou as pernas frias, doloridas, sem embalos desde a manhã, carcomidas nas melancolias na mesma cadeira. Desfez empertigado para as providências, Jupitão. Saldou para si, pois os mais não interessavam, salvo Seu Vazinho, repetiu, repetente. 

O cachorro latiu embaixo mesmo da escada do alpendre. Atendeu hora de o preá caçar água na bica da barrica cortada, como é correta sua hora de beber água na barrica cortada, como gosta o preá, onde a barrica fica. Assim, o senhor, Seu Vazinho, carece tomar café e pitar. Vou servir o senhor, Seu Vazinho. Moço, não se acanhe, tome café, coma carne de sol, beba mais uma cachaça, atente, tem fumo, tem tudo à vontade, desacanhe. Estendeu Jupitão a caneca de café meio frio ao Seu Vazinho, que condescendeu sem euforias, acendeu o cigarro de palha, pigarreou mesmices, articulou o verbo, pensou, disse, sem falar, esperando os apaziguados se darem. 

Era a essência de Seu Vazinho desmilinguido em si mesmo à espera do nada e Jupitão calou para o resto dos palavreados até ir dormir sem outras prosas. Não estava assim para entretantos, o homem, pois cansou das ideias, não disse mais, tanto que enviesara por ser Jupitão do São Alepro do Jurucuí Açu, peão carregado de competências, amansador de cavalo, o melhor homem para acertar boca de animal, foi, não era mais, mas desmediu de querer viver, suspendeu a vontade de sorrir, assentou no silêncio, ficou. E tudo se deu, pois o cachorro latiu embaixo mesmo da escada do alpendre, quando viu a hora de o preá beber água, quieto, sem desmentir medo do latido, o urubu se acomodou no cocho, lugar do carcará, que assentou mais longe no moirão da porteira, sem saber por que o vento não carregava mais as chuvas novas como as coisas deveriam ser. O sertão que tinha estas sobrevalências se alongou nas premissas e nada mudou, pois o sol ainda iria enjambrar devagar pelos seus rumos mais um estirão sem fim antes de acabar o dia. Seu Vazinho desmudou de novo, balbuciou miúdo a si mesmo para Cadinho escutar.

Carecia contar nos traquejos dos finais, no apezinhar das mágoas desforradas do cavalo assumindo toada viageira de tempo seco, calor bravo e pragas, sem tropico nas passadas, mas preguiçoso nos intentos e por prosa com o além, Cadinho deu por cordato, desmediu. Por rotina o sol castigava a cacunda derrubando para o oeste. Cavaleiro e a montaria foram atentando as vistas pelas beiradas das pastagens das cabeças poucas sobradas de gado não tendo mais onde emagrecer. As cacimbas prontas para sumirem de vez, desenfeitadas nos buracos quase vazios, tristes, enxugando. O caminhado emparelhava as mesmas sinas das cataduras do então dadivoso Rio Açu secando. Tanto era que a paisagem assemelhava propositada parelha de desgraça com cada vaca, bezerro ou novilho sendo acompanhado por um urubu sustentando do lado um mau-olhado de desgraça e praga. E assim por ter-se dado Seu, Vazinho pontuou as desgraças que se deram com a seca que castigou por muitos verões intermináveis.


* o autor é economista, blogueiro, escrevinhador, e diretor-executivo da AMA – Associação dos Misturadores de Adubos.

Publicado no https://carloseduardoflorence.blogspot.com.br/

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