Jamil Chade
Nos últimos dias, entrevistas de aliados de Jair
Bolsonaro e do próprio presidente indicaram que, numa eventual vitória nas
eleições, o governo usará um segundo mandato para buscar um maior controle do
Judiciário, um verdadeiro obstáculo para a implementação de uma agenda da
extrema direita no país e, no fundo, para tornar obsoleta partes inteiras da
Constituição de 1988.
A ideia é ampliar o número de ministros e, assim,
nomear aliados do bolsonarismo. Se no Congresso foi o orçamento secreto que
permitiu um controle do Legislativo, o plano se aproveitaria de um avanço do
grupo no Senado para também submeter o Judiciário aos interesses do movimento.
Mas nada disso é inédito. Ao longo dos últimos
anos, líderes populistas que chegaram ao poder por meio das urnas usaram a
legitimidade que ganharam do processo eleitoral para desmontar a democracia em
seus países. Principalmente a partir do segundo mandato, o objetivo foi claro:
o controle do Judiciário.
Um deles foi Hugo Chávez, na Venezuela. Ao assumir
o poder, ele finalmente cumpriu o que líderes por décadas prometeram e não
cumpriram: reformou a Justiça. Mas, num primeiro momento, a transformação foi
considerada como exemplar. O Tribunal Supremo teria 20 juízes, com dez da
oposição e dez aliados ao governo.
Cinco anos depois, em maio de 2004, uma nova lei
foi aprovada, depois da tentativa de golpe sofrida pelos venezuelanos. Mas,
neste caso, a corte ganharia doze novos membros. Todos eles chavistas.
Nos anos que se seguiram, centenas de juízes de
primeira instância deixaram seus cargos e foram substituídos por aliados do
governo. Em 2021, outro informe foi ainda mais enfático: o Judiciário
venezuelano, já sob Nicolas Maduro, fazia parte dos mecanismos para encobrir a
repressão contra opositores.
As consequências foram profundas, com o regime
chavista capaz de contornar qualquer tipo de ação com o controle completo das
cortes. Mais de uma década depois, num informe da ONU sobre a situação
venezuelana, a constatação: "a independência do Judiciário estava
completamente destruída”.
Durante a década de 1990, Alberto Fujimori no Peru
também promoveu mudanças nas leis que asseguraram sua influência sobre os
tribunais e contribuíram para um clima de anarquia que facilitaria a corrupção
que assolou sua administração.
No caso em Lima, Fujimori usou um golpe de estado
em 1992 para justificar a necessidade de reformar os tribunais. Três dias
depois do evento, ele aprovou um decreto demitindo 13 juízes da corte máxima do
país. Nos meses que se seguiram, todos os tribunais superiores passaram ao seu
controle.
Naquele momento, um porta-voz do governo justificou que tais atos tinham como objetivo "assegurar a democracia”.
No poder desde 2010, o húngaro Viktor Orbán passou
os últimos doze anos adotando leis para acumular poder e, desde 2012, já
emendou a constituição em sete ocasiões. Mas foi a partir de 2014, quando ele
vence pela segunda vez a eleição, que o desmonte ganha um ritmo inédito.
Orbán, de fato, assumiu o poder depois de um
governo corrupto de esquerda e que admitiu que enganou a população ao adotar
medidas de austeridade para lidar com a crise de 2008. Ganhou o voto de jovens,
da elite urbana, da classe média e até de parte dos intelectuais. Sua guinada
autoritária, porém, afastou muitos desses grupos da base de Orbán.
Mas, até que tal reação viesse, ele já havia
fincado suas bases e iniciado um processo profundo para controlar o parlamento,
a imprensa, a academia, a arte, a sociedade civil e, claro, o Judiciário.
Ao final de
segundo mandato, que começou em 2014, Orbán se sentia suficientemente
confortável em termos de votos no Parlamento para criar um novo sistema de
cortes administrativas que poderiam ditar sentenças sobre eleições, imigrações
e até sobre violência policial.
Cortes similares existem na França e na Alemanha.
Mas, no caso de Budapeste, elas teriam ampla interferência do Executivo.
Caberia ao ministro da Justiça escolher uma parcela dos juízes e definir
promoções.
Alguns anos depois, ele apresentou a ideia em um
novo formato, transformando o sistema de pontos pelos quais os candidatos para
os cargos de juízes seriam julgados. Quem passou por funções no governo,
segundo a nova lei, ganha pontos extras. Para ter funções no governo, os
candidatos precisam estar alinhados à extrema direita.
O assalto contra o Judiciário ao final do segundo
mandato apenas completava oito anos de uma estratégia clara de controle.
Naquele período, 400 juízes foram aposentados e a Corte Constitucional passou a
ser controlada por aliados do regime.
O Ministério Público também passou a ser controlado
por Orbán e, no Escritório Nacional de Justiça, ele nomeou a madrinha de um de
seus filhos para o cargo.
O controle do Parlamento e Judiciário foram
estratégicos. Sempre que sofre um revés, o húngaro se apressa em mudar as
regras do jogo, sem freios dos demais poderes. Em 2018, dias depois de perder
as eleições municipais em Budapeste, ele aprovou uma nova lei reduzindo as
competências das prefeituras.
E sem qualquer questionamento da Justiça.
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