Murilo Gurjão Silveira Aith*
A Revisão da Vida Toda é uma tese cujo mérito foi definido pelo Supremo Tribunal Federal em 01.12.2022, favoravelmente aos aposentados, sob o crivo dos repetitivos (Tema de nº. 1.102/STF). Veja-se, ipsis litteris, o entendimento fixado: “O segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876, de 26.11.1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC 103/2019, tem o direito de optar pela regra definitiva, caso esta lhe seja mais favorável”.
A controvérsia cinge-se, como se vê, sobre mera reafirmação daquilo que denominamos de “direito ao melhor benefício”, consolidado pela Suprema Corte no Tema de nº 334 – sob a relatoria da Ministra aposentada Ellen Gracie, em 2013. Vejamos, a título de curiosidade, o entendimento adotado no Tema de nº. 334: “Para o cálculo da renda mensal inicial, cumpre observar o quadro mais favorável ao beneficiário, pouco importando o decesso remuneratório ocorrido em data posterior ao implemento das condições legais para a aposentadoria, respeitadas a decadência do direito à revisão e a prescrição quanto às prestações vencidas”.
Hodiernamente, a Revisão da Vida Toda encontra-se pendente de julgamento dos Embargos de Declaração opostos pelo INSS – diga-se de passagem, recurso de uso extremamente limitado cuja finalidade não é reformar o mérito – pretendendo a modulação dos efeitos da decisão ou sua nulidade com fulcro em inexistente omissão do Ministro aposentado Ricardo Lewandoski.
O julgamento dos aclaratórios estava pautado para o dia 1º de fevereiro de 2024 e, até o momento, o desfecho definitivo é postergado por comando do Ministro Presidente Luís Roberto Barroso. A sociedade vem dizendo – especialmente boa parte dos aposentados – que este adiamento do desfecho definitivo da Revisão da Vida Toda pelo Ministro Barroso tem um objetivo: atender pedidos políticos do Poder Executivo.
Na visão da comunidade jurídica, mas em especial do aposentado, Barroso, desejando evitar um desfecho no Tema e se valendo dos seus poderes como atual Presidente do Supremo Tribunal Federal, manipula as pautas propositalmente, colocando o direito dos aposentados em verdadeiro escanteio.
No último dia 06, até pautas relacionadas à descriminalização de porte de drogas para consumo pessoal prevaleceu sobre o direito dos aposentados. A “prioridade” de Barroso vai de encontro ao que define, expressamente, Resoluções editadas para regular os julgamentos do STF. Veja-se o teor do art. 1º, da Resolução nº. 408/09: “No âmbito do Supremo Tribunal Federal dar-se-á prioridade na tramitação, no processamento, no julgamento e nos demais procedimentos dos feitos judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos ou que seja portadora de doença grave.”
Infelizmente, a sociedade como um todo tem convicção de que nenhum governo deseja assegurar um direito legítimo dos aposentados. Ainda que haja um pequeno custo, o montante destinado a reparar idosos prejudicados intencionalmente pelo INSS podem ser direcionados para outros fins (como, por exemplo, Fundos Partidários ou majorações de gratificações para o funcionalismo público, afinal, os penduricalhos anuais são uma pequena retribuição aos serventuários que recebem pequenos soldos mensais). Será que, na visão de Barroso, um aposentado que está recebendo um salário-mínimo por crasso erro governamental não merece o manto jurisdicional?
Qualquer suposta “economia” que o Estado pode ter, ainda mais em desfavor de minorias e ao custo da segurança jurídica, não pode ser chancelada, a bel-prazer, pelo o Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal. Mesmo ciente que a decadência e o óbito de instituidores originários reduziram, em muito, os custos ao erário, o Ministro Barroso se recusa a conferir prioridade no julgamento para que se tenha o desfecho tão esperado, legitimamente, por este pequeno grupo de aposentados.
Aposentados, naturalmente insatisfeitos por não serem a prioridade de Barroso que sistematicamente protelar o fim do Tema, se manifestaram – pacificamente – no dia 28 de fevereiro (última data em que o julgamento deveria ter ocorrido) em frente ao Plenário. Tais manifestações aumentam a cada data adiada, mesmo com forte exposição ao calor e com todas as fragilidades/patologias em decorrência da elevada idade. Um verdadeiro brado de minoria e que expõe o cabal desamparo/desrespeito estatal com a população.
Em síntese, as atitudes de Barroso no decorrer dos meses sobrecarregam as pautas mensais, provocam um efeito cascata nos julgamentos, viabilizando, assim, o adiamento ad eternum do Tema. Sua conduta é sutil, mas perceptível, basta observar os padrões das pautas, em que Barroso faz o que bem entender, de forma descriteriosa e ao seu bel-prazer.
Uma indagação intrigante é: por qual razão, portar 60 gramas de drogas ilícitas para “consumo pessoal” (Tema 506), acaba sendo mais urgente do que amparar os idosos que contribuíram durante toda a vida em prol do país? Percebam, não se pretende aqui desmerecer a importância de demais Temas, mas qual seria o motivo de priorizar a discussão de (in)constitucionalidade de artigos relacionados à autorização de cônjuges para a realização de esterilização (ADI 5911)? Idosos, aposentados, não podem esperar, esse é o cerne da questão.
Poderíamos citar inúmeros exemplos do descaso de Barroso para com os aposentados, mas não temos tempo para investir em tais citações, pois levariam muitos caracteres para discriminar cada ato praticado pelo Ministro Presidente em desfavor dos aposentados. Infelizmente, tal julgador com estas atitudes se apresenta como verdadeiro opressor das minorias e suas pautas carecem de credibilidade.
Os adiamentos do fim da Revisão da Vida Toda, pelo Ministro Barroso estão torturando lentamente os aposentados, enchendo-os de expectativas e fazendo-os acreditar que terão um desfecho definitivo no Tema. Será que ao final a quem se deleite com a aflição e os desgastes emocionais dos idosos que se arrastam por mais de uma década?
Não bastando todos os adiamentos e falta de respeito ao idoso, Barroso, em conjunto com Zanin e Gilmar Mendes, pretendem com seus votos prejudicar a Revisão da Vida Toda desvirtuando o controle concentrado de constitucionalidade.
Por meio de duas ADI’s (classificadas sob os nº.s 2.110 e 2.111) propostas na década de 90 por partidos políticos, os supramencionados Ministros, “misteriosamente”, ressuscitaram os pleitos para afetar o mérito já definido na tese revisional. Noutros termos, pretendem utilizar o controle concentrado para prejudicar o mérito da Revisão da Vida Toda.
Em suma, no Plenário virtual das duas ADI’s – cujo resultado definitivo foi interrompido pelo pedido de destaque promovido por Zanin –, essa minoria dos Ministros (Cristiano Zanin, Gilmar Mendes e o próprio Presidente Luís Roberto Barroso) reconhecem a constitucionalidade das normas discutidas, mas com uma ressalva: a regra de transição do art. 3º da Lei nº. 9.876/99 deve ter aplicabilidade obrigatória (ainda que resulte em um benefício menos vantajoso ao segurado e indo de encontro ao próprio entendimento consolidado da própria Corte – Tema de nº. 334, direito ao melhor benefício).
Impende asseverar que o Ministro Relator das ADI’s (Kassio Nunes Marques), em seu voto condutor acompanhado pelos Ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Carmen Lucia, Dias Toffoli e Luiz Fux, entendeu pela integral constitucionalidade da legislação discutida, visando impedir a insanidade proposta pelos três Ministros acima. O Ministro André Mendonça, assim como o recém empossado Ministro Flávio Dino, não tiveram tempo hábil de proferir seus votos, mas acreditamos genuinamente que, dada a sensibilidade do Tema e considerando os íntegros entendimentos adotados desde as suas posses, os Ministros também acompanharão o Relator.
Oportuno mencionar que as posturas arbitrárias de Barroso, atentatórias à dignidade da justiça e prejudiciais aos vulneráveis/hipossuficientes, atraem mais holofotes ao Tema, colocando em “xeque” a integridade do Judiciário.
A discussão demonstrará a (in)capacidade de manutenção de posições contramajoritárias da Suprema Corte, em especial em Temas relacionados aos Direitos Sociais, não sendo demais mencionar que tal paradigma possuirá o condão de influenciar outras demandas (de outras matérias) cujos casos sejam repetitivos, revelando a influência de fatores externos nas questões jurídicas enfrentadas.
Seguimos confiantes de que os demais Ministros não deixarão o poder prevalecer sobre a justiça, tampouco a instabilidade sobre a segurança jurídica. As teses justas, éticas e legítimas, podem enfrentar as reações mais retrógradas, mas sempre prevalecem um dia.
* o autor é advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados
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