quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Meio Ambiente, produtividade e fertilizantes: onde está a verdade?

Valter Casarin 1 e Amanda Borghetti 2
Em tempos de fake news, é muito comum recebermos informações que não expressam a realidade dos fatos. A agricultura brasileira é muito afetada por essas informações fraudulentas, transformando a área agrícola e o produtor rural em vilões, na opinião de grande parte da população. Dentre essas falsas notícias podemos salientar: a agricultura é responsável pelo desmatamento de florestas nativas; o produtor rural é um agente poluidor do ambiente; os fertilizantes são tóxicos para a saúde humana; entre outras.

Será que a agricultura brasileira é responsável pelo desmatamento?
O último levantamento sobre a área com vegetação natural, realizado pelo Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SiCAR), revelou que a área rural dedicada à vegetação nativa atingiu 218 milhões de hectares. Isto significa que agricultores, pecuaristas, silvicultores e extrativistas preservam o equivalente a um quarto do território nacional (25,6%). Os números foram coletados pela Embrapa Territorial (SP), a partir das informações mantidas no SiCAR pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB). Neste levantamento fica evidenciado que, em média, cada produtor rural estaria utilizando apenas metade de suas terras. A outra metade é ocupada com áreas de preservação permanente (às margens de corpos d’água e topos de morros), reserva legal e vegetação excedente.


O pesquisador Evaristo de Miranda, chefe-geral da Embrapa Territorial, chama a atenção para a distribuição desses espaços: “Eles estão extremamente conectados e recobrem todo o território nacional. As áreas preservadas pelos agricultores compõem um mosaico ambiental relevante e de grande dimensão com as chamadas áreas protegidas”. Estas são formadas pelas terras indígenas e as unidades de conservação integral, como parques nacionais, estações ecológicas e outras do gênero.

Em mapeamento detalhado realizado pela Embrapa Territorial, a área total destinada à preservação, manutenção e proteção da vegetação nativa no Brasil ocupa 66,3% do território. Nesse número estão os espaços preservados pelo segmento rural, as unidades de conservação integral, as terras indígenas, as terras devolutas e as ainda não cadastradas no SiCAR. Elas somam 631 milhões de hectares, área equivalente a 48 países da Europa somados.

Figura 1 - Área dedicada à preservação de vegetação nativa nos imóveis rurais. Fonte: CAR (2018).

Os dados do CAR permitem também avaliações regionalizadas da participação do segmento rural na preservação da vegetação nativa. A Embrapa Territorial fez esse trabalho para o Pará, a pedido da Federação da Agricultura e Pecuária daquele estado, a Faepa. Os números são semelhantes aos nacionais: em média, 57,6% dos imóveis não são utilizados para atividades econômicas, mas destinados a áreas de preservação permanente, reserva legal, vegetação excedente e hidrografia. Essas terras correspondem a 23% do território paraense. O estado ainda é caracterizado por extensas unidades de conservação e terras indígenas que, somadas e descontadas as sobreposições, ocupam mais de 45% do território paraense, cerca de 85,7 milhões de hectares.


O Pará está na chamada Amazônia Legal, onde o Código Florestal exige que 80% da propriedade seja reservada para vegetação nativa nas regiões com floresta. Mas o estado também tem áreas de cerrado e de campos gerais, em que a reserva legal pode ser de 35% e 20%, respectivamente. O Código ainda desobriga de recomposição florestal os produtores que abriram áreas anteriormente à publicação da lei, cumprindo as normas vigentes na época.

No oeste da Bahia, a parcela dos imóveis rurais dedicada à preservação da vegetação nativa supera os 50%, em média, e atinge 52,1%, enquanto a exigência legal é de 20%. Isso equivale a 30,2% da área total da região preservada nos imóveis rurais. O oeste baiano está no bioma Cerrado e compõe a região do Matopiba, acrônimo da área de expansão da agricultura no Brasil formada por partes dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. A mancha verde dos espaços reservados à preservação do Cerrado dentro das propriedades privadas recobre mais de quatro milhões de hectares nos 32 municípios, cujos dados do CAR foram avaliados pela Embrapa Territorial.Por intermédio de dados da Nasa, agência especial norte-americana, o Brasil utiliza apenas 7,6% de seu território com lavouras, somando 63.994.479 hectares. Em 2016, a Embrapa Territorial já havia calculado a ocupação com a produção agrícola em 7,8% (65.913.738 ha). Os números da Nasa datam de novembro de 2017, indicando percentual menor, mas segundo o chefe geral da Embrapa Territorial, Evaristo Miranda, doutor em Ecologia, é normal a pequena diferença de 0,2% entre os dados brasileiros e norte-americanos.

Os números da Nasa, e também os da Embrapa, permitem entender que a agricultura brasileira não pode ser taxada de desmatadora. O estudo da Nasa demonstra que o Brasil protege e preserva a vegetação nativa em mais de 66% de seu território e cultiva apenas 7,6% das terras. A Dinamarca cultiva 76,8%, dez vezes mais que o Brasil; a Irlanda, 74,7%; os Países Baixos, 66,2%; o Reino Unido 63,9%; a Alemanha 56,9%.

As áreas cultivadas variam de 0,01 hectare por habitante – em países como Arábia Saudita, Peru, Japão, Coreia do Sul e Mauritânia – até mais de 3 hectares por habitante no Canadá, Península Ibérica, Rússia e Austrália. O Brasil tem uma pequena área cultivada de 0,3 hectare por habitante, e situa-se na faixa entre 0,26 a 0,50 hectare por habitante, que é o caso da África do Sul, Finlândia, Mongólia, Irã, Suécia, Chile, Laos, Níger, Chade e México.

O levantamento da Nasa também dispõe de subsídios sobre a segurança alimentar no planeta, com a medição da extensão dos cultivos, áreas irrigadas e de sequeiro, intensificação no uso das terras com duas, três safras e até áreas de cultivo contínuo. Não entram nesses cálculos áreas de plantio florestal e de reflorestamento, que são as terras dedicadas ao plantio de eucaliptos. No Brasil contaram-se apenas as lavouras.

O desmatamento europeu é algo impressionante. Inicialmente, a Europa (sem a Rússia) era responsável por um pouco mais de 7% das florestas do planeta. Atualmente, a Europa detém apenas 0,1%. Isso representa a intensidade com que o continente europeu devastou suas reservas florestais. A soma da área cultivada da França (31.795.512 ha) com a da Espanha (31.786.945 ha) equivale à cultivada no Brasil (63.994.709 ha).

A maior parte dos países utiliza entre 20% e 30% do território com agricultura. Os da União Europeia usam entre 45% e 65%. Os Estados Unidos, 18,3%; a China, 17,7%; e a Índia, 60,5%. Já o Brasil, ocupa apenas 7,6% de sua área total com agricultura. Será que podemos colocar a responsabilidade do desmatamento sobre os ombros da agricultura brasileira?

Figura 2 - Utilização da área agrícola no Brasil. Disponível em: https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/35967323/area-rural-dedicada-a-vegetacao-nativa-atinge-218-milhoes-de-hectares. Acessado em 26.11.2018.

A agricultura brasileira é eficiente na produção de alimentos?
Nos últimos 40 anos, o Brasil saiu da condição de importador de alimentos para se tornar um grande provedor para o mundo. Foram conquistados aumentos significativos na produção e na produtividade agropecuárias. O preço da cesta básica, no Brasil, reduziu-se consideravelmente e o país se tornou um dos principais players do agronegócio mundial. Hoje, se produz mais em cada hectare de terra, aspecto importantíssimo para a preservação dos recursos naturais.


Com a instituição de políticas específicas para aumentar a produção e a produtividade agrícola, incluindo investimentos públicos em pesquisa e desenvolvimento, extensão rural e crédito farto, o governo inicia o processo de modernização da agricultura brasileira para as décadas seguintes.

Entre os indicadores mais ilustrativos da trajetória recente da agricultura brasileira estão os números de produção e os índices de produtividade. Entre 1975 e 2017, a produção de grãos, que era de 38 milhões de t, cresceu mais de seis vezes, atingindo 236 milhões de t, enquanto a área plantada apenas dobrou.

O mesmo incremento de produção e de produtividade foi conquistado na pecuária. O número de cabeças de gado bovino no país mais que dobrou nas últimas quatro décadas, enquanto a área de pastagens teve pequeno avanço. Em determinadas regiões houve até redução de terras destinadas ao pastejo.

No cultivo de árvores, houve expansão de 52% na área de florestas plantadas entre 1990 e 2014. Em 2016, as plantações de eucalipto foram responsáveis por fornecer 98,9% do carvão vegetal, 85,8% da lenha, 80,2% da madeira para celulose e 54,6% da madeira em tora para outros usos no Brasil. A madeira produzida por árvores cultivadas reduz a pressão por desmatamentos de florestas nativas.

A partir da década de 1990, demandas crescentes e políticas macroeconômicas de estabilização, como controle da inflação e taxas de câmbio mais realistas, impulsionaram ainda mais o crescimento do setor agrícola, que passou a ser o principal responsável pelo superávit da balança comercial brasileira. Entre 1990 e 2017, o saldo da balança agrícola do país aumentou quase dez vezes, alcançando, neste último ano, US$ 81,7 bilhões, valores que têm contribuído para o equilíbrio das contas externas do país.

A organização e o intenso processo de modernização das cadeias produtivas do agronegócio fizeram com que os elos anteriores e posteriores às atividades agrícolas, como os de produção de insumos, processamento e distribuição, apresentassem importância cada vez maior no Produto Interno Bruto (PIB). Em 2016, o agronegócio como um todo gerou 23% do PIB e 46% do valor das exportações. Em 2017, o setor foi responsável por 19 milhões de trabalhadores ocupados. A agroindústria e serviços empregaram, respectivamente, 4,12 milhões e 5,67 milhões de pessoas, enquanto 227,9 mil pessoas estavam ocupadas no segmento de insumos do agronegócio.

A trajetória recente da agricultura brasileira é resultado de uma combinação de fatores. O cenário para isto é um país com abundância de recursos naturais, com extensas áreas agricultáveis e disponibilidade de água, calor e luz, elementos fundamentais para a vida. Mas o que fez a diferença nestes últimos 50 anos foram os investimentos em pesquisa agrícola – que trouxeram avanços nas ciências, tecnologias adequadas e inovações –, a assertividade de políticas públicas e a competência dos agricultores.

Um fator fundamental que contribuiu para o ganho de produtividade na agricultura brasileira foi a correção e adubação de solos. As pesquisas apontaram os caminhos para potencializar o uso de corretivos e de fertilizantes, permitindo o plantio nos solos de Cerrados, até então considerados improdutivos.

De fato, o uso de fertilizantes se tornou um elemento-chave (estima-se que apenas os fertilizantes nitrogenados sejam responsáveis pelo incremento de cerca de 40% na oferta de alimentos no mundo). O Brasil passou a consumir muito mais fertilizantes do que a quantidade produzida internamente. A contribuição da pesquisa foi fundamental para desenvolver uma tecnologia para fixar o nitrogênio do ar nas raízes das plantas de leguminosas, principalmente para a cultura da soja, por meio de bactérias. Este processo é chamado de Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN), presente hoje em 75% da área cultivada de soja e responsável por uma economia da ordem de R$ 2 bilhões por ano em compra de fertilizantes nitrogenados. A FBN contribui ainda para a redução do consumo de energia e das emissões de gases de efeito estufa.

O salto da produção é atribuído em boa parte à melhoria no uso de insumos com efeitos diretos sobre a produtividade. O consumo de fertilizantes passou de dois milhões de t, em 1975, para 15 milhões de t, em 2016.

As práticas agrícolas atuais estão contribuindo para a preservação ambiental?
A adoção de práticas conservacionistas como, por exemplo, o sistema de plantio direto, com o não revolvimento do solo com os restos vegetais, realizando a rotação de culturas e preservando a palhada na superfície do solo, está contribuindo para que este sistema se torne equilibrado e sustentável. A palha sobre o solo diminui a temperatura e preserva a umidade do solo, criando um clima mais favorável para o desenvolvimento de microrganismos benéficos. Esta mesma palhada servirá futuramente como alimento a esses microrganismos, que irão promover a mineralização destes nutrientes contidos nos restos vegetais. Esta microbiota é reciclada cerca de 10 vezes mais rápido que a fração orgânica morta do solo. Com a reciclagem, serão fornecidos às plantas nutrientes disponíveis gradualmente.


A função do manejo de nutrientes, através da adubação, é fornecer um suprimento adequado de todos os nutrientes essenciais para uma cultura durante o período de crescimento. Se a quantidade de qualquer nutriente é limitante em qualquer momento, existe um potencial para perda da produção. À medida em que a produtividade das culturas aumenta, as quantidades de nutrientes exportados dos campos de produção onde as culturas são plantadas também aumentam, o suprimento de nutrientes do solo pode tornar-se deficiente, a não ser que a área receba suplementação desses nutrientes através da aplicação de fertilizantes.

Os fertilizantes precisam ser aplicados em todos os tipos de sistemas de produção das culturas com a finalidade de se obter níveis adequados de produtividades que fazem com que os esforços de produção sejam vantajosos. Práticas modernas de adubação, introduzidas na parte final dos anos 1800 e baseadas no conceito químico da nutrição de plantas, contribuíram de modo marcante para o aumento da produção agrícola e resultou, também, em melhor qualidade dos alimentos e das forragens. Além disso, os retornos econômicos obtidos pelos agricultores aumentaram substancialmente em decorrência do uso de fertilizantes na produção das culturas.

O uso de fertilizantes permite reduzir o desmatamento?
Em 1977, o Brasil produzia 46.319 t de grãos em uma área de 37.319 ha. Em 2017 foram produzidas 237.671 t de grãos em 60.890 ha. Em 1977 eram retiradas 1,27 t para cada ha. Em 2017 esse valor passou para 3,90 t para cada hectare. Isto revela o quanto a agricultura brasileira se tornou mais eficiente. Se o Brasil estivesse produzindo, atualmente, a mesma produtividade de 1977, haveria necessidade de abrir, ou desmatar, uma área aproximada de 160 milhões de hectares.


A avaliação dos dados de evolução da produção de grãos no Brasil é acompanhada de maneira muito próxima pelo consumo de fertilizantes. Isso permite atribuir ao uso de fertilizantes como um dos fatores tecnológicos que favoreceu o aumento de produtividade das culturas agrícolas brasileiras.

Podemos concluir que o manejo nutricional dos solos brasileiros, principalmente da região do Cerrado, é responsável pela maior produtividade das culturas, gerando a produção de alimentos, mas também contribuindo para a preservação de florestas, e, em consequência, para a preservação da fauna e da flora dos diversos biomas do Brasil.

* os autores são 1 = engenheiro agrônomo e diretor científico da iniciativa Nutrientes para a Vida (NPV) e, 2 = acadêmica de Engenharia Agronômica na Esalq/USP


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quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Conto de memórias boazinhas e um alento gordo

Carlos Eduardo Florence *
E por assim como se deveriam bem tecer os desejos, sem dúvida, desejo, a maior ganância pedida aos aléns, repetiram se igualados os embalos dos cantos rimados para contar as estórias da menina meiga, Acaué Cangutá, nativa índia mimosa das nascentes do Cantiaparó Açu.

O vento então parou para ouvir o aroma macio e peralta dos sons adocicados em fá maior das primeiras estrelas espreguiçando vadias por trás das nuvens escorregando pelas brisas que Obolum Oró lançara ao acaso para criar melhor o mundo das coisas, dos espíritos, dos homens. E os imprevistos se deram desde então dos começos até o brotar do cair da noite depois que o pai carregou carinhoso a filha para os embalos de agarrar-se no sono em rede de cipó atada, de um lado, no silêncio e, do outro, na solidão, como tão bem se davam as coisas no canto fundo e quieto da oca grande.

Ali até o tempo era vadio escorrendo entre os segredos da mata fora, escura, onde moravam os medos, bichos bravos, as dúvidas e se deu da menina a procurar suas melancolias de criança nas veias da preguiça para chamar os sonhos. Sorriu para si mesma no destino de encontrar, sempre como eram tão iguais as suas noites, noites a se fazerem a ela nos gingados dos devaneios esquisitos, saboreando seus desejos camuflados, cuidadosamente, sob o rolo aconchegante de paina, com que a avó nhãmbiquara lhe ensinará a devanear, bem devagar. E se punha a menina a colher nas confusões das suas imaginações travessas, tropicando na algazarra muito grande da escuridão apagada nos buracos fundos do céu imenso, onde os deuses cozinhavam as ideias esquisitas para mandá-las embrulhadas em pensamentos irrequietos durante as noites para as cabeças criadeiras das gentes pequenas dos fundos das florestas como Acaué.

O primeiro desejo serelepe a sair do emaranhado macio das painas da avozinha Acaué Tiroga, puxando consigo os demais pedaços compridos das fantasias a cata dos olhos alegres da menina, não era ninguém menos do que o Kauiãm, sua maritaca dourada.


A maritaca entrava pelo imaginário no sumir do sol, justo com a brisa da noite, no cair do sereno e do sono. Bolinava a avezinha atrevida o silêncio, escondia o medo, subia pela ternura, mordiscava as cócegas das dobras das orelhas para deixar ouvir até muito longe o canto inteiro do barulho da solidão para os animais amansarem. Durante o dia a maritaca era verde, despia o dourado, subia pelos galhos, jamais pelas orelhas e se fazia muda e gritadeira, enquanto a mãe raspava a mandioca, o pai caçava e a avó ensinava a Acaué as tramas das ervas boas para colher, quebrar as ruins para morrerem, trilhar os caminhos das imaginações, escutar a marola do rio antes dele dobrar abaixo depois da curva onde se escondiam os perigos. E assim se punha ela a aprender a ver no fundão das lonjuras o grito triste do Boitatá, ouvir a beleza de Iemanjá, sentir o resfolegar do Caipora, respeitar os ruídos dos receios, os sinais dos coriscos trovoados e, como bem ensinava a avó querida, os rastros dos caminhos da seriedade para virar mulher lá na frente, quando, no talvez, fosse ela adulta e chata.

A passarinha dourada de Acaué, na sua noite de rede calada, desmilinguida em solfejos irrequietos e moleques, se punha sempre a brincar de sumiço e feitiço, antes de escapulir da magia que as painas e as ideias escondiam. Dava somente as vistas Kaiuãm desenrolando dos tortuosos meandros dos azuis das confusões pensadas da menina encantada nos seus mundos de sabores fantásticos maturados nos aléns. Nisto, Acaué, nos torvelinhos da maritaca atrevida, sumida, se agitava irrequieta, choramingava baixinho para o seu coração só, na cisma, e no embalar da manha de chamar as preguiças enroscadas para agadanhar o sono e não acordar as reprimendas ranzinzas dos adultos zanzando. Sabia que em não vindo a avezinha fugidia das fantasias, não se abririam os entremeados dos desfiles gostosos balanceando as fascinações dos desejos outros aconchegando afetivos para conseguir ela tecer piscando, mole-mole, os embalos do sono teimoso, com afago nas painas fofas e a imensidão sem fim da solidão do escuro.

Dos receios e das trevas, só depois de Kauiãm Dourada se apresentar formosa, rompendo em garbo, nos seus gingados de maritaca, pelo assovio calmo da brisa mascando as palmeiras caladas, trazendo o prazer do balanço ritmado na rede da menina ouvindo o grilo Saboinha trinando bem longe, lá no fundo do ermo vazio, de onde o infinito, cabisbaixado, se preparava para voltar e buscar a saudade, que se atrasara por teimosia. Os demais desejos iriam se aconchegando. Assim, também, o desejo amigo do sapo gordo de ancas largas, sorriso aberto, afeto amplo, gestos prudentes, voz pontuada e inteligente, contava a mesma estória de sempre. Estória dela menina, nhãmbiquara, que voava sobre as águas agitadas das corredeiras do Rio Cantiaparó Açu, desviando das árvores grandes, cortando a neblina da madrugada, escondendo-se entre as pedras altas. Ela, no correr das fantasias, cantando do alto para as flores se oferecerem abertas aos colibris ligeiros. Se davam as rimas no tempo certo do seu sono despencando vagaroso das estrelas, rompendo cuidadoso pelos trançados dos sapés dos forros, acomodando aconchegante entre os cipós e embiras das amarras. Assim era por se dar, nos abeirados das margens brancas das areias fofas do rio bonito de tão perigoso, onde as garças, paturis, os socós, jaçanãs, os guarás se espreguiçavam antes das cataduras dos peixes agitados. E ali a menina Acaué se esparramava, descida alegre dos voos libertos, se acomodava no balanço do devaneio tranquilo da piroga azul rompendo as fascinações das aguadas campeando no cicio da cigarra esperando a lua despontar para derrubar, mansa, os cachos de sonho que colhia sempre nas rodilhas de melancolia escondidas nos firmamentos.

Como sempre se dava desobediente, atrapalhado e irrequieto, foi adentrando pelos olhos piscando para encontrar seus caminhos, o sonho faceiro como as painas macias dos enrolados da avó e suave como aconchego. Trazia atado, o devaneio preguiçoso, todos os desejos irrequietos, alvoroçados, confusos, da menina. Despontava a imaginação pelo beiral de um correr de alegrias floridas, acompanhando a mariposa agitada, azul, cirandando entre os dentes compridos da jaguatirica lambendo o filhote recém-nascido, procurando já, afoito, os mamilos entumecidos da mãe parida. Também, sobre a vontade da índia criança mastigar um sapoti maduro, o sonho do desejo deixava galopar o macho atrás da gazela sumindo entre as nuvens dos espigões e levando nas costas bonitas as cantorias e algazarras das araras alvoroçadas rumo ao destino desconhecido de Obolum Oro, criador e protetor dos insondáveis.

O murmúrio chegou calado para fechar, carinhoso, os olhos, por uma noite inteira, de Acaué, que deixou a mão direita continuar ensinando às painas os caminhos dos desejos e a esquerda levou o dedo mais gordo para se esconder medroso na boca pequena, dos dentes brancos, da menina sempre. A rede ressonou silêncio e pediu à noite carinho.
  

* o autor é economista, blogueiro, escrevinhador, e diretor-executivo da AMA – Associação dos Misturadores de Adubos.
Publicado em http://carloseduardoflorence.blogspot.com/2019/07/conto-de-memorias-boazinhas-e-umalento.html


segunda-feira, 5 de agosto de 2019

O Aquecimento Global é uma farsa? - E SE FOR VERDADE?

Richard Jakubaszko Os novos tempos indicam que cresceu o número de céticos do aquecimento global. No vídeo abaixo há um bom exemplo de gente que pelo menos coloca em debate a questão, mostrando as opiniões de ambos os lados.

Tenho dado minha modesta contribuição para desconstruir essa mentira, repercutida diariamente pela grande mídia de forma acrítica. Ainda em agosto vai sair do prelo a 2ª edição, ampliada e revista, do livro "CO2 aquecimento e mudanças climáticas: estão  nos enganando?"
 


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domingo, 4 de agosto de 2019

Moro, Deltan e as “Mãos Limpas” com bolso cheio

Fernando Brito *
O novo capítulo das revelações dos diálogos da Vaza Jato (ver Folha SP) traz mais um retrato da ambição por dinheiro e promoção que unia Sérgio Moro e Deltan Dallagnol.

Trocam dicas sobre quem “paga bem” por palestras, falam dos valores a serem percebidos, numa inacreditável promiscuidade entre as funções judiciais que exerciam e as “marretas” palestrinas a que se dedicavam.

Mais: que Moro não informava ao Tribunal, como é obrigatório, todas os eventos de que participava e que mentia ao dizer que não eram remunerados. Mesmo que parte fosse destinada, supostamente, à caridade, eram.

Diz que foi “puro lapso”, esquecimento.

O que mais importa aí não é a quantia, é o método e a “parceria” entre juiz e promotor no “negócio” das palestras e eventos remunerados.

“Mãos limpas”, mas bolsos cheios.

Parceria, aliás, é quase um eufemismo para dizer que eram sócios do bom negócio de explorar o prestígio obtido pelas funções públicas e que, a qualquer um, fica evidente que não seria obtido se seus réus fossem absolvidos.

Afinal, um dos chamarizes para a palestra esquecida, como registra a Folha, era a pergunta “quando é que vão prender o Lula?”.

* o autor é jornalista, editor do blog Tijolaço.
Publicado em http://www.tijolaco.net/blog/moro-deltan-e-as-maos-limpas-com-bolso-cheio/


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sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Moraes (STF) também pede cópia de gravações, acabou o sigilo

Fernando Brito *


“Diante de notícias veiculadas apontando indícios de investigação ilícita contra ministros desta corte [STF], expeça-se ofício ao juízo da 10ª Vara Federal Criminal de Brasília solicitando cópia integral do inquérito e de todo o material apreendido”.

O despac
ho de Alexandre de Moraes, o segundo, depois de Luiz Fux, a pedir cópia dos arquivos apreendidos com os “hackers de Araraquara”.

 
Está evidente que, se existem entre os materiais apreendidos, cópia dos arquivos dos diálogos obtidos pelo The Intercept, já não existe segredo sobre seu conteúdo.

 
A desqualificação das mensagens virou uma estratégia fracassada.

E fracassou mesmo se não há, entre o material apreendido, um arquivo com as conversas entre Moro, Deltan & Companhia.

 
Neste caso, ficaria patente a armação dos tais “hackers”, dos quais só há, até agora, evidências de que era estelionatários.

 
* o autor é jornalista, editor do blog Tijolaço.
Publicado em http://www.tijolaco.net/blog/moares-tambem-pede-copia-de-gravacoes-acabou-o-sigilo/


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quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Opinião deformada, ou desinformada?

Geraldo Luís Lino *
No O Globo de 17/julho último, há uma entrevista com o sociólogo espanhol Manuel Castells, na qual ele ajuda a entender boa parte da desordem cognitiva-civilizatória que se abateu sobre nosso país e o planeta em geral, inclusive na questão da mentira do aquecimento, embora não se refira diretamente ao tema. Abaixo, reproduzo a síntese feita no Brasil247 e segue o link para a matéria do Globo (exige cadastro).

https://oglobo.globo.com/sociedade/voces-estao-vivendo-um-novo-tipo-de-ditadura-diz-sociologo-manuel-castells-23812733

247 - Em visita ao Rio, para participar de um Seminário, o sociólogo espanhol Manuel Castells afirmou que o Brasil vive uma nova modalidade de ditadura. Ele disse que a disseminação de informações falsas "conduz o país ao totalitarismo e educação é a única via para reverter o quadro."

A jornalista Paula Ferreira perguntou ao sociólogo: "Hoje, no Brasil, há pessoas que dizem que o nazismo era de esquerda, que as vacinas são ruins e que a terra é plana. Como isso é possível na era da informação?"

Castells respondeu:

"primeiro, as pessoas não funcionam racionalmente e sim a partir de emoções. As pesquisas mostram cientificamente que a matriz do comportamento é emocional e, depois, utilizamos nossa capacidade racional para racionalizar o que queremos.

As pessoas não leem os jornais ou veem o noticiário para se informar, mas para se confirmar. Leem ou assistem o que sabem que vão concordar. Não vão ler algo de outra orientação cultural, ideológica ou política. A segunda razão para esse comportamento é que vivemos em uma sociedade de informação desinformada. Temos mais informação do que nunca, mas a capacidade de processá-la e entendê-la depende da educação e ela, em geral, mas particularmente no Brasil, está em muito mau estado.

E vai ficar pior, porque o próprio presidente acha que a educação não serve e vai cortar os investimentos na área. Por um lado, temos mundos de redes de informação, de meios que invadem o conjunto de nosso pensamento coletivo, e ao mesmo tempo pouca capacidade de educação das pessoas para entender, processar, decidir e deliberar. Isso é o que chamo de uma era da informação desinformada."

* o autor é geólogo e escritor.

PITACO DO BLOGUEIRO:Informação deformada” seria melhor e mais adequada, em minha opinião.

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