segunda-feira, 1 de junho de 2015

Commodities versus valor adicionado

Marcos Sawaya Jank *



Ao tratar das relações Brasil-China na coluna de 16 de maio, fiz a seguinte colocação: "O sucesso do modelo pautado pelo comércio de commodities é evidente, mas tem limites claros à frente. São poucos produtos de baixo valor adicionado, alta volatilidade, margens apertadas e transporte ineficiente". Recebi comentários antagônicos e achei que deveria hoje retomar o assunto, sempre polêmico e atual.



O primeiro comentário foi: "Nossa pauta de exportações para a China é paupérrima em produtos de valor agregado, o que faz do nosso comércio bilateral uma reedição canhestra do chamado pacto colonial".



O segundo foi: "Discordo da sua afirmação de que commodities não têm alto valor agregado. Por trás de cada grão – soja, café e até das carnes – há muita tecnologia e valor agregado, que reúne uma cadeia gigantesca de tecnologias de Primeiro Mundo".



Aproveito os comentários para analisar os desafios do modelo agro exportador brasileiro. De um lado, não tenho a menor dúvida de que agregamos valor em nossas commodities, e muito. Somos um dos países que mais ganharam competitividade e eficiência nesses produtos, graças ao uso de tecnologias tropicais modernas, a ganhos de escala e à presença de produtores capacitados e motivados. As commodities agropecuárias de hoje – intensivas em capital e alta tecnologia – pouco ou nada têm a ver com as commodities intensivas em trabalho do período colonial. Além disso, nossos grandes concorrentes nesse segmento não são países pobres, mas sim Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Argentina.



Contudo, por outro lado, é fato que mais da metade das exportações brasileiras está concentrada em dez commodities básicas com pouca ou nenhuma diferenciação, cujo grande vetor de competitividade é o custo baixo. Exportamos nossas carnes por US$ 2 a US$ 6 por quilo. Recentemente vi carnes locais, altamente diferenciadas, sendo vendidas a até US$ 100 o quilo em supermercados de Seul, na Coreia do Sul.



Creio que a melhor explicação para essa realidade está na sutil diferença entre "valor agregado nas commodities" e "valor adicionado nos alimentos". Somos bons em agregar valor em commodities básicas, cujo diferencial competitivo são altos volumes e baixos custos. Mas ainda estamos engatinhando no processo de adição de valor dos produtos para clientes e consumidores internacionais.



Marcas reconhecidas internacionalmente, variedade de produtos, atendimento a diferentes segmentos de mercado, entrega rápida e segura, domínio de canais de comercialização, certificação e denominação de origem são alguns elementos usados para a diferenciação de produtos, todos ainda pouco explorados pela maioria das empresas brasileiras.



Estamos falando de conceitos básicos que geram diferentes vantagens competitivas no mercado. França e Itália são fortes e competitivas na oferta de alimentos e bebidas de alto valor adicionado, mas fracas em commodities básicas, setor no qual dificilmente serão competitivas no mundo (apenas com pesados subsídios).



O Brasil é o contrário, forte em commodities, fraco em valor adicionado. Mas tem todas as condições para atuar nos dois segmentos com eficiência. Só que o país e as empresas têm de sair da zona de conforto e se globalizarem, de verdade.



* o autor é especialista em questões globais do agronegócio.

COMENTÁRIOS DO BLOGUEIRO:
Já que o segundo comentário destacado por Marcos Jank no artigo acima é deste blogueiro, e por discordar em gênero, grau e número dessa questão de que commodities não têm valor agregado, então vejamos:


1 - é pura semântica essa discussão, além de um desiderato inútil. Na medida em que soja, milho, algodão (OGMs, especialmente), café, açúcar e etanol, carnes bovinas e de aves e suínos - principais itens de nossa pauta de exportação - usam altíssima tecnologia para sua produção, e por serem renováveis, portanto com "sustentabilidade", elas têm valor agregado, sim, dão lucros ao país e aos produtores, geram muitos empregos em toda a cadeia. Não é por acaso que Sorriso e Lucas do Rio Verde, ambas no Mato Grosso, são duas cidades com o mais alto IDH no Brasil.

2 - As críticas da falta de valor agregado parecem comparar nossas commodities com as commodities europeias, onde o leite tem valor altamente agregado ao ser transformado em queijos, ou a uva em vinho. Aí sim, é alto valor agregado, nisso concordo, mas se fizéssemos tal marketing para quem exportaríamos? Para a Europa e EUA? Somente eles teriam poder aquisitivo para remunerar o valor agregado. A escolha brasileira pelas commodities é natural diante das nossas imensas áreas de produção ao privilegiar altos volumes de exportação, e não baixos volumes com alto valor agregado. Para desmistificar isso basta comparar os valores de exportação de queijos e vinhos da França e Itália, cujas somas não chegam a 20% das nossas exportações de commodities em termos de valores. Portanto, essa história de valor agregado a commodities é retórica de economistas.

3 - Há, sim, caminhos alternativos para agregar valor às nossas commodities, por exemplo: exportar apenas farelo ou óleo refinado de soja, café torrado e moído, açúcar, cachaça (o que já fazemos, com muita competência), artigos de couro, carnes processadas ou com cortes especiais, mas quem compraria nossos altíssimos volumes produzidos? Não esqueçamos que a China importa soja, milho e algodão, apenas porque são culturas altamente mecanizadas e não exigem grandes volumes de mão de obra, fator que contraria a política chinesa de gerar empregos.

4 - Os EUA, sim, cometeram a burrice estratégica do século ao exportar suas indústrias para a China, na expectativa de que iriam gerar alto valor agregado em produtos industriais com alta tecnologia embutida. As commodities industriais chinesas, hoje em dia, dominam o mundo no comércio internacional, como artigos do vestuário, brinquedos, automóveis, aparelhos de TVs, produtos químicos, eletrodomésticos em geral, e toda a parafernália da informática, como monitores, mouses, teclados e demais peças dos computadores, exceto os processadores. Os EUA, com isso, geraram desemprego em casa e proporcionaram emprego e riqueza na China e Índia. Ou seja, se é fabricado na China, é commoditie!

5 - A Europa continua encalacrada, e sem saída. Os produtos são de altíssimo valor agregado, como Marcos Jank registra no artigo, não têm chances de produzir em escala como nós, e, por isso, têm poucos clientes mundo afora. O marketing é uma ferramenta de "dois legumes", agrega valor as produtos de um lado, torna-os exclusivos, mas reduz o tamanho do mercado na outra ponta. E precisa de muita propaganda para isso funcionar.

6 - Ainda sobre valor agregado a commodities agrícolas, o que nos falta no Brasil, conforme registrei em meu livro "Marketing da Terra" (Editora UFV -  Viçosa-MG, 2005), é o processamento fabril de produtos da terra (frutas, grãos, leite e derivados, carnes, algodão), porém com a participação de cooperativas agrícolas no processo, ou em indústrias regionais, agregando valor à produção dos pequenos e médios produtores rurais, para fixar população na área rural, gerando empregos e riquezas. Foi assim que nasceram empresas internacionais como Parmalat, Nestlé, Batavo, Sadia, Perdigão (hoje BR Foods) etc., e muitas outras. O que me leva a concordar com Marcos Jank de que temos de sair da zona de conforto, nisso sim, estamos atrasados, pois podemos trabalhar nas duas vertentes, com muita categoria.
Espero ter contribuído ao debate.
 .

2 comentários:

  1. Caro Richard
    Precisamos não nos perder em pensamentos desiderativos (wishful thinking).
    Abç. FC

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  2. Hélio Casale, S.Paulo1 de junho de 2015 às 22:14

    Caros Marcos Jank e Richard,
    Bela contribuição ao debate.
    Tudo de bom por ai.
    Casale

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