terça-feira, 21 de junho de 2016

O grande golpe

Mauro Santayana *
(Revista do Brasil) - Não tendo sabido enfrentar, de forma organizada e decidida – a começar pela internet –, os ataques que vinha sofrendo desde 2013; não tendo estabelecido um discurso abrangente que defendesse minimamente suas conquistas, que ocorreram, sim, em importantes momentos dos últimos 13 anos; tendo cometido erros grosseiros do ponto de vista estratégico, político e eleitoral, o que resta ao PT e aos grupos que o apoiam é parar de se equivocar, de serem pautados pelas circunstâncias e pela imprensa adversária, e entender o que realmente ocorre com o país neste momento.

Manter a realização de protestos isolados e constantes contra o governo Temer – acusando-o de golpista – pode ser um exercício retórico, e uma forma de fugir do imobilismo, mas essa abordagem não deve ser a única, nem a principal, nem ser levada às últimas consequências, porque pode conduzir a graves equívocos dos pontos de vista tático e histórico. Não se discute a questão da legitimidade do voto. Mas é rasteira simplificação – que colabora com os conspiradores ocultos, muitíssimo mais perigosos – dizer que o golpe partiu do PMDB, como se ele tivesse nascido quando essa legenda abandonou o governo Dilma.

Dizer que quem compõe o governo interino é corrupto é outra simplificação que também não resolve, nem agora, nem a médio prazo, o problema. Por um lado, porque reproduz em parte o discurso adversário, minimizando o fato de que muitos dos que estão sendo investigados pela Operação Lava Jato à direita estão sendo processados com as mesmas justificativas e argumentos espúrios usados para justificar acusações e as investigações lançadas contra membros do próprio PT.

Por outro lado, porque quem compõe o governo são, com exceção do PSDB e do DEM, basicamente as mesmas forças que estiveram durante tantos anos nos governos do PT, não por afinidade política, mas porque é assim que se estabelece o equilíbrio de governabilidade possível em um regime típico de presidencialismo de coalizão.
Seguindo esse raciocínio, por mais que seja difícil para alguns admitir isso, a mesma miríade de pequenos partidos e legendas de aluguel que apoia hoje Michel Temer, faz parte de seu governo e está sendo atacada pelo PT pode vir a ter de ser, amanhã, cooptada de volta por Dilma para compor seu ministério, caso ela retorne ao poder.
O próprio presidente do PT, Rui Falcão, já admitiu que não fará nada para evitar que o partido se alie ao PMDB nas eleições municipais deste ano.

Devagar, portanto, com o andor. É preciso cautela, para não parecer hipócrita, na mesma linha de leviandade usada pela direita contra a esquerda – e pela extrema-direita contra a política de modo geral, tendo a democracia e a liberdade como alvos finais dessa linha de atuação. Na tentativa de atingir seus adversários, a esquerda não pode cair no mesmo erro – aproveitado com deleite pelos fascistas – na tentação e na esparrela da criminalização da política. Mesmo quando atacada hipócrita e injustamente. Pois corre o risco de legitimar o discurso de apoio à Operação Lava Jato e o discurso da mídia – muito mais importantes e deletérios do que o PMDB, no processo de golpe que estamos vivendo – e de se equiparar a quem o defende, diante da história e da população.

Vamos ser francos – mesmo que as conversas tenham sido propositadamente gravadas e conduzidas para ser usadas como habeas corpus por um dos interlocutores – os diálogos entre o ex-diretor da Transpetro Sérgio Machado e autoridades como Romero Jucá, Renan Calheiros e José Sarney não podem ser rotulados com o mesmo grau de subjetividade dirigida com que se julgaram e disseminaram outros diálogos gravados com a mesma intenção, e divulgados fora de contexto, como os de Delcídio do Amaral, ou o de Lula e Dilma.

Ao dizer que a Lava Jato representou uma sangria, por exemplo, o senador Romero Jucá diz não mais que o óbvio. Uma sangria em empregos, em interrupção de negócios, em sucateamento de obras e projetos, em desvalorização de ações e ativos, em contratos interrompidos, em prejuízos institucionais e contábeis para as empresas acusadas, com terríveis resultados para o país, em termos estratégicos, de defesa, energia e infraestrutura, e para milhares de empregados e acionistas, o que é evidente e redundante.

Da mesma forma que dizer que era preciso costurar um diálogo nacional para analisar o assunto, com a participação do próprio STF, a quem cabe corrigir eventuais desvios e ações polêmicas – principalmente no âmbito jurídico –, colidentes com o texto constitucional, seria uma afirmação consequente, lógica, e, no correr da conversa, óbvia e ululante.

Ou será que a Lava Jato não poderia ter investigado e condenado os corruptos efetivamente identificados, com dinheiro em contas no exterior, como Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró e Renato Duque, sem precisar destruir algumas das maiores empresas de engenharia do país?

Ou sem atrasar e prejudicar tantos projetos e programas de interesse nacional, colocando no mesmo balaio de gatos gente que se locupletou pessoalmente – gastando acintosamente o dinheiro roubado à nação, em farras, mesmo que familiares, no exterior – e funcionários de partidos que obtiveram doações eleitorais registradas, à época, como rigorosamente normais e legais?

Soltando os primeiros e encarcerando os segundos?

A Lava Jato pode ter tido, indiretamente, alguma influência positiva, sobretudo na identificação do fato de que não existem corrompidos no setor público se não houver os corruptores no âmbito privado.
Facilitando a aprovação de leis como a que acabou com o financiamento privado de campanha.
Mas o que está ocorrendo é que direita, centro e esquerda estão cometendo o erro primário de não entender que o que se está enfrentando é um grupo de forças que se opõem à própria atividade política, por princípio.

E que ao se digladiarem fora do campo das ideias não estão fazendo mais do que favorecer os inimigos da liberdade, saudosos do autoritarismo, que se aproveitam das falhas normais de um regime – que, como diria Churchill, não é perfeito, mas é o melhor que se conhece – para jogar a população contra a democracia e promover e preparar, diligente e coordenadamente, a chegada do fascismo aos cargos mais altos da República.
O processo de impeachment é um golpe jurídico-midiático, mas ele representa apenas um passo, mais uma etapa, para a deflagração de um golpe maior contra a Nação, que levará à derrocada da democracia no Brasil, à aprovação de leis que lembram os nazistas, como a exigência de diploma superior para ministros e presidente, fim do voto obrigatório, volta do escrutínio manual, cassação de registros de partidos políticos, repressão ao trabalho de educadores na sala de aula, criminalização dos movimentos populares e até do comunismo – conforme propostas recentemente encaminhadas à apreciação do Congresso Nacional.

Some-se a isso a eventual chegada de um candidato de extrema-direita ao poder (há, pelo menos, dois sendo promovidos pela imprensa), ou a consolidação de uma massa de votos que seja suficiente para transformá-la na terceira força política do país, capaz de decidir, com o seu peso, o resultado do segundo turno das eleições de 2018.
E dá para ter uma ideia concreta do que espera a Nação – se não houver urgente correção de rumo – depois da curva.

* o autor é jornalista.

Publicado originalmente em http://www.maurosantayana.com/2016/06/o-grande-golpe_14.html

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